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PRÊMIO

Nobel de Física vai para pioneiros da ciência da informação quântica

Por experimentos que demonstraram potencial de fenômeno conhecido como emaranhamento quântico, o norte-americano John Clauser, o francês Alain Aspect e o austríaco Anton Zeilinger dividem o prêmio

Alain Aspect, John Clauser e Anton Zeilinger dividem o prêmio na categoria Física

The Royal Society / Wikimedia Commons | Wikimedia Commons | Jaqueline Godany / Wikimedia Commons

O Nobel de Física de 2022 foi concedido para três pesquisadores que, nas palavras da Real Academia de Ciências da Suécia, realizaram “experimentos com fótons [partículas de luz] emaranhados” e foram pioneiros da “ciência da informação quântica”.

O norte-americano John Clauser (79 anos), que hoje trabalha em sua própria empresa, o francês Alain Aspect (75), da Universidade Paris-Saclay e da Escola Politécnica, e o austríaco Anton Zeilinger (77), da Universidade de Viena, vão dividir em partes iguais o prêmio de 10 milhões de coroas suecas (cerca de R$ 4,8 milhões).

“Tem ficado cada vez mais claro que um novo tipo de tecnologia quântica está emergindo. Podemos ver que o trabalho dos laureados com estados emaranhados é de grande importância, indo até além de questões fundamentais sobre a interpretação da mecânica quântica”, disse, durante o anúncio do prêmio, o físico Anders Irbäck, coordenador do Comitê do Nobel de Física e professor da Universidade de Lund, na Suécia.

“Este Nobel era esperado há algum tempo”, comenta o físico Luiz Davidovich, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um dos mais destacados cientistas brasileiros na área de informação quântica. “Os três pesquisadores realizaram experimentos fundamentais envolvendo o conceito de emaranhamento, uma correlação entre estados de partículas distintas que a teoria clássica não consegue explicar.”

Feitos de forma independente, os trabalhos coordenados pelos três físicos a partir dos anos 1970 edificaram as bases experimentais que permitiram a compreensão e, até certo ponto, o controle de uma das propriedades mais surpreendentes da mecânica quântica: os estados emaranhados (ou entrelaçados) de partículas.

O entrelaçamento de partículas é um efeito totalmente contraintuitivo para quem vive no mundo da física clássica. Mas é o fundamento que serve de base para o desenvolvimento de novas tecnologias de armazenamento, processamento e transmissão da informação, como redes, computadores e criptografia quânticos.

“As possibilidades abertas pelo emaranhamento são enormes. Porém, envolvem grandes desafios técnicos em sua implementação”, comenta o físico Marcelo Martinelli, da Universidade de São Paulo (USP), que estuda o fenômeno. Pequenas perturbações em sistemas emaranhados levam ao desaparecimento do entrelaçamento.

Descrito em termos não técnicos pelo físico alemão Albert Einstein (1879-1955) como uma “ação fantasmagórica a distância”, o emaranhamento faz com que duas ou mais partículas existam em um tipo de estado compartilhado: o que se passa com uma delas determina o que ocorre com a outra, ainda que separadas por distâncias enormes.

Há, no entanto, um problema ou limitação nesse arranjo. Não é possível determinar as propriedades de cada uma das partículas entrelaçadas, apenas as do sistema global. Por didatismo, os físicos às vezes comparam um par de partículas emaranhadas com um sistema composto de dois dados entrelaçados. Por estarem correlacionados, os dados, quando jogados, fornecem sempre o mesmo resultado: a soma de seus valores é, por exemplo, oito. Portanto, o resultado final do sistema é conhecido de antemão, mas a combinação numérica (seis e dois, cinco e três ou quatro e quatro) que levou a ele é ignorada. Mas, como os dados estão emaranhados, quando se determina o valor de um deles se descobre automaticamente também o do outro.

Durante muito tempo, foi um desafio para a mecânica quântica tentar explicar como o emaranhamento entre partículas podia existir. Uma das possibilidades era essas partículas entrelaçadas terem variáveis locais ocultas, um conjunto de instruções não visíveis para o observador que as levavam a dar um certo resultado nos experimentos. Nesse caso, o valor das partículas já estava predeterminado, apenas não era conhecido.

Na década de 1960, o físico teórico norte-irlandês John Bell (1928-1990) desenvolveu um modelo matemático que ficaria conhecido como desigualdade ou teorema de Bell. Suas proposições diziam que, se houvesse variáveis ocultas, a correlação exibida pelas partículas nunca poderia exceder um determinado valor se fosse realizado um número muito elevado de experimentos.

No entanto, as previsões da mecânica quântica indicavam que alguns experimentos deveriam infringir a desigualdade de Bell, pois exibiriam uma correlação tão forte que só poderia ser explicada pela existência de um efeito como o emaranhamento, e não por variáveis ocultas. Os trabalhos de bancada coordenados por Clauser, Aspect e Zeilinger foram mostrando de forma progressiva e cada vez mais clara que sistemas entrelaçados desobedeciam à desigualdade de Bell.

Além de desenvolver as ideias de Bell, Clauser foi o primeiro a montar um experimento que demonstrou, em 1972, a violação da desigualdade de Bell em um sistema com dois fótons emaranhados. Mais tarde, Aspect aprimorou esse sistema, eliminou algumas limitações do experimento e obteve valores ainda mais robustos. Em 1997, Zeilinger obteve uma proeza: realizou o primeiro experimento de teletransporte quântico, em que as propriedades de uma partícula que fazia parte de um par originalmente emaranhado foram transferidas para uma terceira partícula.

“Dentro do tema de emaranhamento quântico, não esperaria outra lista de ganhadores do Nobel”, diz o físico Roberto Serra, da Universidade Federal do ABC (UFABC), que visitou o laboratório de Zeilinger cinco anos atrás. “Claro que existem outros pesquisadores com contribuições importantes na área, mas, considerando o critério de pioneirismo, esses físicos realmente merecem o reconhecimento.”

Para o físico austríaco Erwin Schrödinger (1887-1961), o entrelaçamento é a propriedade mais importante da mecânica quântica, a teoria física que descreve o comportamento da luz e da matéria nos níveis atômico e subatômico. No que se mostraria uma avaliação equivocada, Einstein, grande crítico da mecânica quântica cujas bases ele mesmo tinha lançado na década de 1920, acabaria questionando a existência do emaranhamento quântico. Dessa vez, contudo, o gênio alemão estava errado.

Íntegra do texto publicado em versão reduzida na edição impressa, representada no pdf.

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