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Fisiologia

Nobel de Medicina vai para pesquisadores que descreveram genes que regulam resposta das células ao oxigênio

Elucidação do maquinário molecular de um dos mais essenciais processos adaptativos abriu caminho para pesquisas sobre formas de tratamento para doenças como anemia e câncer

Os premiados em medicina: William Kaelin Jr, Sir Peter Ratcliffe e Gregg Semenza

Niklas Elmedhed / Nobel Media

A descrição dos mecanismos moleculares que ajudam as células a se adaptarem aos níveis de oxigênio (O2) no corpo humano garantiu a um trio de cientistas especialistas em câncer o Nobel de Fisiologia ou Medicina deste ano. Essa regulação, identificaram, ocorre por meio da ativação ou do desligamento de determinados genes.

O anúncio foi feito na manhã desta segunda-feira, 7, no Instituto Karolinska, na Suécia, abrindo a temporada de premiações nas categorias científicas de 2019. Os norte-americanos William Kaelin Jr., de 61 anos, do Instituto do Câncer Dana-Farber e da Universidade Harvard, ambos em Massachusetts, e Gregg Semenza, de 63 anos, da Universidade Johns Hopkins, em Maryland, e o britânico Peter Ratcliffe, de 65 anos, da Universidade de Oxford e do Instituto Francis Crick, em Londres, dividirão o prêmio de 9 milhões de coroas suecas, o equivalente a R$ 3,7 milhões.

O oxigênio é usado pelas mitocôndrias no interior de praticamente todas as células animais para transformar moléculas de açúcar (glicose) em energia. Muitas vezes, no entanto, a disponibilidade de oxigênio diminui – fenômeno conhecido como hipóxia. Essa redução no nível de oxigênio pode acontecer durante a prática de exercícios físicos ou quando o fluxo sanguíneo é interrompido, como no caso de um acidente vascular cerebral. A concentração de oxigênio também pode ser alterada em diferentes altitudes.

No entanto, ao longo do processo de evolução, o organismo humano desenvolveu alguns mecanismos para identificar os níveis de O2 disponíveis e que chegue de modo suficiente aos tecidos e às células.

Um deles envolve o corpo carotídeo, um receptor com células especializadas na medição dos níveis de oxigênio no sangue situado nas artérias carótidas. Outro envolve o hormônio eritropoietina (EPO). Em condições de hipóxia, há um aumento dos níveis de EPO, que, por sua vez, desencadeia um aumento da produção de glóbulos vermelhos (hemácias), as células que transportam oxigênio e dão a cor vermelha ao sangue. Os dois sistemas eram conhecidos desde fins da década de 1930, mas os genes responsáveis por sua regulação não. É aí que entra o trabalho de Semenza e Ratcliffe.

Em estudos desenvolvidos ao longo dos anos 1990, Semenza e seu grupo localizaram trechos do DNA próximos ao gene EPO que ajudam a mediar a resposta do organismo à hipóxia por meio da codificação de um complexo proteico conhecido como fator induzível por hipóxia (HIF). Esse complexo é composto por duas proteínas, a HIF-1α e a ARNT. Elas trabalham juntas e se ligam ao DNA dependendo da quantidade de oxigênio disponível no organismo.

Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, Ratcliffe desenvolvia estudos sobre os mesmos genes e constatou que esse mecanismo de detecção de oxigênio estava presente em diferentes células e tecidos do corpo. Essa observação sugeriu que o complexo HIF atuava em todo o organismo, e não apenas nas células renais, onde a EPO é normalmente produzida.

Semenza e Ratcliffe também identificaram o mecanismo de ação da HIF-1α: quando os níveis de oxigênio estão baixos, a quantidade desse fator aumenta e ativa o gene EPO, que, por sua vez, estimula a produção de mais glóbulos vermelhos. A concentração de HIF-1α diminui quando os níveis de O2 estão normais. Um pequeno peptídeo chamado ubiquitina se liga à proteína HIF-1α e a degrada, controlando, assim, o nível dessa proteína no interior das células.

No entanto, duas perguntas ainda permaneciam sem resposta: como e por que a ubiquitina se liga à HIF-1α, conforme a disponibilidade de oxigênio? Faltava identificar os componentes adicionais envolvidos no funcionamento desse maquinário molecular.

Mais ou menos na mesma época em que Semenza e Ratcliffe estudavam os componentes moleculares associados à regulação do gene EPO, William Kaelin Jr. desenvolvia suas pesquisas sobre a Síndrome de von Hippel-Lindau, uma doença genética rara associada a certos tipos de câncer, desencadeados por mutações no gene VHL transmitido de forma hereditária entre membros de uma mesma família.

Kaelin verificou que as células cancerígenas com funcionamento anormal do gene VHL apresentavam ativação elevada de genes regulados por hipóxia. A atividade desses genes, contudo, era normalizada quando cópias do gene VHL normais eram reintroduzidas nessas células. Com isso, constatou que a proteína expressa por VHL interagia com HIF-1α, favorecendo sua degradação.

Para o médico Francisco Laurindo, do Instituto do Coração (InCor) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), a compreensão dos mecanismos genéticos ativados pelo organismo em resposta à hipóxia ampliou as perspectivas de pesquisas sobre o entendimento de mecanismos e formas de tratamento para doenças diversas.

“Trata-se de um mecanismo extremamente sofisticado e complexo, observado em doenças cardiovasculares e pulmonares crônicas, anemia e câncer”, diz Laurindo. Ele destaca que poucos cientistas tinham ideia da importância desses mecanismos à época em que começaram a ser estudados. “Esse é um bom exemplo de como as pesquisas básicas podem se desdobrar em estratégias efetivas para o entendimento e tratamento de tantas enfermidades.”

“Esses pesquisadores identificaram os mecanismos relacionados a um processo crucial para a vida de qualquer organismo que depende de oxigênio para produzir energia”, resume Julio Cesar Batista Ferreira, professor do Departamento de Anatomia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, especialista em fisiologia cardiovascular.

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