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Física

Nos primeiros instantes

Equipe internacional explica comportamento de partículas em experimento que reproduz os momentos iniciais do Universo

Rhic/Bnl

No detector: partículas deixam rastros após colisãoRhic/Bnl

A trombada entre núcleos atômicos do elemento químico ouro acontece a 99,995% da velocidade da luz, com violência suficiente para produzir temperaturas centenas de milhares de vezes mais altas que as da camada externa do Sol em uma região do espaço muito menor que a ponta de uma agulha. É uma das situações mais extremas que os físicos conseguem criar em laboratório, semelhante à que deve ter existido frações de segundo após o Big Bang, a explosão que originou o Universo 13,7 bilhões de anos atrás. Embora sejam capazes de reproduzir condições tão energéticas, os físicos não compreendem muito bem por que as partículas que resultam dessa colisão se espalham do modo registrado por seus equipamentos. Ou melhor, não compreendiam. Na edição de 25 de janeiro da Physical Review Letters um artigo assinado por um grupo internacional do qual participou um pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro, começou a desfazer o mistério.

Impulsionadas a velocidades próximas à da luz, as 79 partículas de carga positiva (prótons) e as 79 partículas neutras (nêutrons) do núcleo do ouro alcançam um nível de energia tão elevado que as faz se desmancharem em partículas ainda menores e mais elementares: os quarks e os glúons. Antes aprisionados, quarks e glúons passam a se movimentar livremente em uma nuvem de partículas que os físicos chamam de plasma, o quarto estado da matéria (os outros três são o sólido, o líquido e o gasoso). Quando duas nuvens viajando em sentido contrário se encontram, quarks e glúons chocam-se e se aniquilam, para em seguida se regenerarem.

Como fênix
Nesse processo de morte e renascimento subatômico, porém, o número de partículas elementares aniquiladas nem sempre é igual ao das criadas no momento seguinte. Muitas vezes a colisão de um quark com um glúon (ou de um quark com outro quark ou um glúon com outro glúon) faz surgir três partículas elementares, e não duas. À medida que as partículas elementares recém-nascidas se afastam depois do choque, o plasma esfria e os quarks e os glúons livres voltam a se unir, formando partículas maiores como os prótons e os nêutrons. Como os equipamentos não detectam quarks nem glúons, o que os físicos veem são sinais indiretos do que aconteceu no interior do plasma.

Nos experimentos do Colisor Relativístico de Íons Pesados (Rhic), o acelerador de partículas do Laboratório Nacional Brookhaven, nos Estados Unidos, os físicos costumavam observar resultados diferentes dos esperados. Quando lançavam núcleos pesados, como os de ouro, uns contra os outros, detectavam sinais de que três partículas elementares haviam sido geradas no interior do plasma com frequência maior do que predizia a teoria – e do que observavam nas colisões de núcleos de hidrogênio, mais leves, formados por um único próton. Em parceria com físicos do México e dos Estados Unidos, Javier Magnin, do CBPF, analisou esses resultados e chegou a uma explicação bastante plausível. “A chance de gerar duas ou três partículas elementares é a mesma tanto no choque de núcleos leves como pesados”, diz Magnin. “Nas colisões de ouro encontramos com mais frequência sinais da produção de três partículas por uma questão de geometria”, explica.

O motivo é mais simples do que se poderia imaginar e está ligado ao trajeto que as partículas elementares percorrem no interior do plasma. Nos eventos em que três partículas elementares são geradas, uma delas sempre percorre uma distância menor do que o caminho atravessado por aquelas surgidas nos choques que originam duas partículas até escapar do plasma e gerar uma partícula detectável.

Esse tipo de experimento, segundo os físicos, pode ajudar a compreender o que aconteceu logo após o Big Bang, quando um plasma ultraquente e denso de quarks e glúons ocupava todo o Universo. “Ainda não sabemos, por exemplo, como o plasma evolui e se transforma em um gás de partículas”, comenta Magnin.

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