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Fisiologia

Nova estratégia contra a hipertensão

Equipe de Minas Gerais identifica no sangue molécula que dilata os vasos e reduz a pressão arterial

Peptídeos atuam sobre a parte interna dos vasos sanguíneos (ao lado), fazendo-os contrair ou relaxar

doc-stock RM / F1 Online / Glow ImagesPeptídeos atuam sobre a parte interna dos vasos sanguíneos (ao lado), fazendo-os contrair ou relaxardoc-stock RM / F1 Online / Glow Images

Uma promissora estratégia para tratar a hipertensão começa a ser delineada pela equipe do médico Robson dos Santos, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Em um artigo publicado em abril na revista Circulation Research, uma das mais bem conceituadas na área cardiovascular, os pesquisadores descreveram uma pequena molécula naturalmente produzida pelo organismo que faz os vasos sanguíneos relaxarem e a pressão sanguínea diminuir. Essa molécula – trata-se de um peptídeo (fragmento de proteína) chamado alamandina – se soma ao já complexo mecanismo bioquímico de regulação da pressão arterial e abre a possibilidade de explorar uma forma de controle diferente da proporcionada pelas medicações disponíveis.

A maior parte dos anti-hipertensivos em uso tenta reduzir a pressão do sangue sobre as paredes internas dos vasos sanguíneos de duas maneiras: bloqueando a ação de compostos que fazem os vasos se contraírem e a pressão arterial subir ou estimulando a redução do volume de sangue ao eliminar parte de sua água na urina. Santos e seu grupo imaginam que seja possível controlar a hipertensão, problema que atinge 20% dos adultos e metade das pessoas com mais de 60 anos no Brasil, usando uma estratégia distinta. Em vez de frear a ação dos compostos que elevam a pressão, eles pretendem aumentar a concentração sanguínea de moléculas como a alamandina, que fazem a pressão diminuir.

Os pesquisadores acreditam que a alamandina possa atuar em conjunto com outro peptídeo que faz baixar a pressão arterial: a angiotensina 1-7, que Santos ajudou a identificar no final dos anos 1980. Desde meados do século passado se sabe que, de modo geral, a pressão arterial é controlada pela ação de peptídeos chamados angiotensinas, que funcionam como hormônios e atuam sobre as células da parede dos vasos sanguíneos. Sob situações de estresse psicológico ou condições que alteram a concentração de sais ou o volume de líquido no sangue (como diarreia e hemorragia), os rins iniciam a produção de uma enzima chamada renina, que aciona a produção em cascata de algumas formas de angiotensina capazes de fazer a pressão subir. Quando é ativado ocasionalmente, esse mecanismo é essencial para manter a saúde do organismo. Mas se torna danoso se a ativação for contínua.

Até os anos 1980 se acreditava que esse mecanismo bioquímico, conhecido como sistema renina-angiotensina, tivesse ação exclusivamente vasoconstritora e só funcionasse para aumentar a pressão arterial. Isso começou a mudar durante um estágio de pós-doutoramento que Santos fez na Cleveland Clinic Foundation, em Ohio, Estados Unidos. Ele e outros pesquisadores de lá identificaram no sangue uma forma de angiontensina – a angiotensina 1-7, um dos integrantes do sistema renina-angiotensina – que fazia a musculatura dos vasos relaxar e a pressão diminuir. “Desde aquela época ficamos atentos para a presença de outros peptídeos que produzissem vasodilatação”, recorda Santos.

Possibilidades
Ele começou a suspeitar da existência da alamandina em 2008, quando um de seus colaboradores, o pesquisador alemão Joachim Jankowski, descobriu outro componente desse complicado sistema, a angiotensina A, a partir do qual é produzida a alamandina. Mas preferiu esperar cinco anos antes de publicar a descoberta, até identificar o receptor específico a que ela se conecta e entender melhor o seu funcionamento. Hoje se sabe que tanto a alamandina quanto a angiontensina 1-7 estimulam as células que revestem internamente os vasos sanguíneos a produzir óxido nítrico, gás que relaxa a musculatura da parede das artérias. Por essa razão, Santos trabalha no desenvolvimento de compostos que possam aumentar a concentração de ambas no sangue e aprimorar o controle da pressão arterial. “Acreditamos que a angiotesina 1-7 e a alamandina podem atuar juntas e, melhor ainda, esperamos que uma possa potencializar o efeito da outra”, diz o pesquisador, que imagina ser possível desenvolver compostos com aplicações que vão além da hipertensão, uma vez que a angiotensina 1-7 também ajuda a reduzir o nível de algumas formas de colesterol e aumentar o aproveitamento da glicose pelas células, que é deficiente em boa parte dos hipertensos.

“A descoberta dessa molécula pode dar origem a uma nova classe de medicamentos com indicação para os casos em que os remédios tradicionais não funcionem tão bem”, afirma a médica Maria Claudia Irigoyen, chefe do Laboratório de Hipertensão Experimental do Instituto do Coração da Universidade de São Paulo (USP). Para ela, o fato de a alamandina se ligar a receptores diferentes nas células dos vasos sanguíneos aumenta o seu espectro de atuação terapêutica.

O pesquisador de Minas concentra agora seu trabalho em duas frentes. Uma básica, voltada para identificar a via de sinalização da alamandina no interior das células, e outra clínica, com o objetivo de testar a ação dessa molécula em pessoas com hipertensão. Atualmente um composto à base de angiontensina 1-7, desenvolvido pelo grupo de Santos, avança nos testes com seres humanos – ele já foi dado a grávidas com pré-eclâmpsia para regularizar o nível do peptídeo no sangue e controlar a pressão arterial (ver Pesquisa FAPESP nº 203), e os testes com a alamandina devem ser iniciados já no segundo semestre deste ano. “Como esse peptídeo é produzido pelo próprio organismo, acreditamos que não haverá efeitos tóxicos. Por isso, podemos pular os testes toxicológicos, feitos com animais, e ir direto aos testes clínicos”, diz Santos, que coordena o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Nanobiofarmacêutica (INCT-Nanobiofar).

Ex-aluno de Eduardo Moacyr Krieger, um dos maiores especialistas brasileiros em hipertensão, Santos integra um seleto grupo de pesquisadores que se dedica a levar as descobertas da bancada aos pacientes e se preocupa com o ritmo das pesquisas nessa área no país. “Temo que aconteça conosco o que ocorreu com o captopril, mesmo considerando que nosso composto já esteja protegido por patentes”, afirma Santos, inquieto com a demora resultante do suporte financeiro insuficiente e dos entraves burocráticos à inovação no setor acadêmico e no empresarial.

Nos anos 1960, o farmacologista Sérgio Ferreira, da USP em Ribeirão Preto, identificou no veneno da jararaca uma molécula (o fator de potenciação da bradicinina) que bloqueia a formação de angiotensina II e leva ao desenvolvimento do anti-hipertensivo captopril. Na época não havia preocupação em requerer patentes e o lucro da produção do medicamento foi para um laboratório estrangeiro. “Se não avançarmos logo”, diz Santos, “perderemos novamente a dianteira”.

Artigo científico
LAUTNER, R. et al. Discovery and characterization of alamandine, a novel component of the renin-angiotensin system. Circulation Research. v. 112. p. 1.104-11. 2013.

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