O greening foi uma das principais causas da queda de 25% na produção na última safra
FundecitrusOs psilídeos (acima, pendurados) adquirem ou transmitem a bactéria quando se alimentam da seiva das árvoresFundecitrus
Em uma nefasta aliança, um grupo específico de bactérias e outro de insetos – respectivamente causadores e transmissores do greening, uma das piores doenças da citricultura – continuam atormentando os produtores de laranjas, tangerinas e limões no Brasil. A soma de pragas, secas intensas e chuvas irregulares prejudicou a formação de frutos e fez a produção de citros em São Paulo e Minas Gerais cair 25%, em comparação com 2023, de acordo com um comunicado de maio do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus). Em consequência, o preço da laranja nos mercados e hortifrútis aumentou em média 40%.
Desde que foi identificado pela primeira vez em 2004 no estado de São Paulo e nos anos seguintes em Minas Gerais, Paraná, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e agora em junho em Goiás –, o greening provocou a eliminação de cerca de 60 milhões de árvores, o equivalente a 23% dos 260 milhões de pés de laranja e outros citros cultivados no país, principalmente em São Paulo, responsável por cerca de 75% da produção nacional.
O greening é causado no Brasil por duas espécies da bactéria Candidatus Liberibacter. Insetos acinzentados de até 2 milímetros (mm) de comprimento, os psilídeos-asiáticos-dos-citros (Diaphorina citri) as adquirem quando se alimentam da seiva em brotos de plantas doentes e as transmitem às sadias. As bactérias se instalam no floema (vasos condutores da chamada seiva elaborada, formada por aminoácidos e açúcares) de todos os tipos de citros (laranjas, tangerinas, mexericas, limas e limões) e de outras plantas, como a murta (Murraya paniculata), usada em paisagismo. Desde 1942, quando foi identificado no Brasil, o psilídeo era uma praga secundária dos citros e não causava grandes prejuízos, até as bactérias causadoras do greening aparecerem no Brasil.
Também chamado de huanglongbing (HLB), que em chinês quer dizer doença do ramo ou do dragão amarelo, por causa da cor das folhas em ramos das plantas infectadas, o greening tem se mostrado mais difícil de se combater que o grande problema anterior da citricultura, a clorose variegada dos citros (CVC) ou amarelinho, causada pela bactéria Xylella fastidiosa, cujo sequenciamento genético iniciou em 1997 o Programa Genoma FAPESP (ver Pesquisa FAPESP nº 184). Xylella cresce lentamente no xilema (vasos condutores de seiva bruta, mais externos que o floema) e seus transmissores, as cigarrinhas-dos-citros, espalham-se menos que os psilídeos.
O amarelinho cedeu. “Desenvolvemos um sistema de produção de mudas em viveiros telados, implantamos novas formas de controle da doença e de seus vetores e a taxa de incidência passou de 40% no início dos anos 2000 para menos de 0,5% hoje”, relata o engenheiro-agrônomo Juliano Ayres, gerente-geral do Fundecitrus. Quando o greening chegou ao Brasil, os citricultores espelharam na CVC as estratégias de controle dos insetos transmissores e de eliminação das plantas doentes e mudas contaminadas. No entanto, essas estratégias funcionaram apenas parcialmente para deter o greening.
Alexandre Affonso / Revista Pesquisa FAPESP
As mudanças nas formas de cultivar e cuidar das laranjeiras indicam que a guerra contra o greening não está perdida, mas tampouco está ganha. Os produtores procuram conter a praga por meio de um conjunto de artifícios: uso de mudas sadias produzidas em viveiros telados, plantio em linhas paralelas às bordas da lavoura com maior densidade de árvores por hectare, reforços na adubação, aplicação frequente de inseticidas e eliminação de psilídeos e de plantas doentes.
Mesmo assim, o greening tem avançado – e não só no Brasil. O número de países atingidos passou de 40 em 2006 para 126 atualmente, resultando em laranjeiras e limoeiros que produzem frutos em menor quantidade, menores e mais ácidos que os das plantas sadias, além de caírem precocemente.
“É um problema gravíssimo”, comenta o engenheiro-agrônomo José Roberto Postali Parra, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP). “Precisamos intensificar as ações contra o greening, com a aplicação efetiva de leis que determinem a erradicação das plantas sintomáticas, que continuam a produzir, ainda que menos.” Ele tem participado de reuniões com especialistas que cogitam até mesmo a eliminação das murtas.
Presidente da Associação Brasileira de Citros de Mesa e sócio-proprietário da Citrícola Lucato, sediada em Limeira, interior paulista, o engenheiro mecânico Carlos Alberto Lucato também tem participado de reuniões com autoridades do governo paulista e de outros estados e opinado sobre as políticas de combate ao greening. “Se não agirmos com mais rigor, a longo prazo a produção de citros no estado de São Paulo pode cair mais e o preço para o consumidor subir”, reforça.
A migração dos produtores paulistas para áreas com menos greening nos estados vizinhos se intensifica. A Citrícola Lucato há 18 anos parou de cultivar laranjas em Limeira e agora prioriza os pomares de 320 hectares (ha) na região de Jales, noroeste paulista, e os de mil ha dos municípios de Madre de Deus de Minas e Piedade do Rio Grande, no sul de Minas Gerais. “Se o greening se alastrar para as duas regiões, saberemos as medidas de controle que devem ser adotadas, diferentemente do que ocorreu há 20 anos em grande parte do estado de São Paulo”, diz.
FundecitrusA planta doente: folhas amarelas e grande queda de frutos madurosFundecitrus
Em abril, a Citrosuco, grande exportadora de suco de laranja, comunicou a compra de sua 26ª fazenda, também no sul de Minas. Um mês antes, a Cutrale, outra grande processadora de suco, anunciou um investimento de R$ 500 milhões para implantar um pomar de 5 mil hectares no município de Sidrolândia, em Mato Grosso do Sul.
Mais atenção às bordas dos pomares Na Expocitros, feira citrícola realizada em junho em Cordeirópolis, no interior paulista, o engenheiro-agrônomo do Fundecitrus Franklin Behlau revelou a gravidade do problema usando como exemplo um pomar de laranjas-pera. Quando a infestação atinge 25% de uma planta, sua capacidade produtiva cai cerca de 20%. Com até 50% da laranjeira afetada pela praga, a quantidade de frutos é reduzida em 40%, e, no estágio mais avançado, com a planta toda tomada pelas bactérias, a colheita pode encolher cerca de 70%.
No início dos anos 2000, para deter a perda dos laranjais nos Estados Unidos, equipes do Departamento de Agricultura coordenadas pelo epidemiologista de plantas Timothy Gottwald verificaram que a infestação decresce das bordas para o interior das plantações de citros. Foi uma descoberta importante para o combate aos insetos transmissores.
Entrevista: Renato Bassanezi
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“As árvores plantadas a até 150 metros do limite externo do pomar concentram 80% dos psilídeos”, observa o engenheiro-agrônomo Renato Bassanezi, também do Fundecitrus. A constatação mostrou que seria melhor concentrar nas bordas as armadilhas contra os psilídeos e a aplicação de inseticidas. O plantio em fileiras paralelas às bordas se mostrou capaz de reduzir a incidência da doença em 20%, enquanto as perpendiculares facilitam a dispersão dos insetos transmissores, como detalhado em um artigo de maio de 2013 na revista científica Plant Disease que definiu as bases do controle do greening.
Também na Expocitros, o engenheiro-agrônomo Eduardo Girardi, da unidade Mandioca e Fruticultura da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), mostrou uma estratégia que poderia ajudar no controle do greening: o uso de variedades nanicas de porta-enxertos (sobre os quais é fixada a variedade da qual se deseja colher os frutos), que reduzem cerca de 50% o tamanho das laranjeiras.
“As variedades ananicantes, como as outras, são suscetíveis ao greening, mas reduzem a incidência por causa do tamanho menor de brotos e da maior facilidade de pulverização dos inseticidas”, comentou. Em um experimento com 500 plantas de laranja valência, o flying dragon, o único porta-enxerto ananicante entre os 16 avaliados, apresentou a menor taxa de incidência, de 17%, após oito anos de plantio, enquanto em outros chegou a 48%.
Alexandre Affonso / Revista Pesquisa FAPESP
Outras estratégias decepcionaram. Os feromônios, compostos químicos voláteis que se espalham no ar e facilitam a comunicação entre animais da mesma espécie, mostraram-se eficazes em laboratório para atrair os psilídeos, mas em campo não funcionaram.
Em 2019, um dos inseticidas usados contra os psilídeos, o dimetoato, foi proibido – uma exigência dos clientes europeus dos citros brasileiros, por causa dos riscos à saúde humana. Depois se descobriu que os insetos ganharam resistência a outros inseticidas, aplicados em maior quantidade e sem a rotação apropriada. Em consequência, a taxa de infestação do greening nos pomares aumentou.
Os pesquisadores encontraram uma alternativa: a pulverização com caulim, pó branco formado principalmente pelo mineral caulinita. Em experimentos em campo, com uma diluição de 2% em água, reduziu bastante a quantidade de psilídeos que pousavam nas folhas das laranjeiras, aparentemente sem causar danos às plantas. “Os produtores já estão usando caulim em pomares comerciais”, conta o também engenheiro-agrônomo do Fundecitrus Marcelo Miranda.
Também se pode usar um inimigo natural dos psilídeos, a vespinha Tamarixia radiata, que destrói os psilídeos em crescimento. “Encontramos a vespinha em 2006 em pomares em Piracicaba e em Jaboticabal”, conta Parra (ver Pesquisa FAPESP no 261). Cultivada em duas unidades de produção no interior paulista, a vespa deve ser solta em lavouras abandonadas, árvores isoladas ou pomares orgânicos, que não recebem produtos químicos. Segundo Parra, a soma de três estratégias – aplicação de inseticidas, controle biológico e erradicação de plantas doentes logo após os primeiros sintomas – pode fazer a incidência da doença cair 74%, com base em um estudo detalhado em maio de 2023 na revista científica Entomologia Generalis.
Na Flórida, onde a doença emergiu em 2005 e a produção de citros caiu mais de 80%, as estratégias de reforço nutricional das plantas infectadas pouco ajudaram a deter o greening. Especialistas dos Estados Unidos estão avaliando a eficácia da aplicação de antibióticos injetados no tronco das árvores para reduzir os sintomas do greening. Em áreas onde a doença está começando, tentam detectar e erradicar as plantas rapidamente. Na Califórnia, testam o uso de cães aptos a identificar o odor das plantas infectadas e ainda sem sintomas.
“Ainda estamos em uma guerra, sem fim à vista”, comenta Girardi. Para ser eficaz, o controle das populações de insetos deve ser coletivo, como o dos mosquitos transmissores do vírus da dengue para as pessoas. Porém, segundo ele, “nem sempre os fazendeiros têm a mesma disposição e recursos financeiros para cuidar de seus pomares”. Lucato viu essa situação em uma viagem a Minas: “Um amigo produtor contou que queria renovar o pomar, mas não adiantava, porque o vizinho não queria arrancar as plantas infestadas de greening”.
A reportagem acima foi publicada com o título “O longo combate ao greening” na edição impressa nº 343, de setembro de 2024.
Projeto Medidas para a redução das infecções primárias no manejo integrado de Huanglongbing no cinturão citrícola de São Paulo: Viabilidade técnica e econômica (no 17/21460-0); Modalidade Projeto Temático; Pesquisadorresponsável Renato Beozzo Bassanezi (Fundecitros); Investimento R$ 5.666.086,32.
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