Uma nova estratégia desenvolvida por um grupo de pesquisadores canadenses liderado pelo imunologista brasileiro Daniel Diniz de Carvalho, do Princess Margaret Cancer Centre, na Universidade de Toronto, poderá auxiliar na detecção precoce de diferentes tipos de tumores e aumentar as chances de cura para as pessoas acometidas pela doença todos os anos. A inovação, descrita em artigo publicado na quarta-feira (14/11) na revista Nature, consiste na identificação do padrão de metilação de fragmentos de DNA lançados pelas células tumorais na corrente sanguínea.
Carvalho explica que a metilação é uma das modificações químicas mais comuns e simples sofrida pelos genes. Nela, um grupo metila, formado por um átomo de carbono e três de hidrogênio (CH3), liga-se a um trecho do DNA da célula, impedindo que determinados genes sejam lidos pelo seu maquinário. “Essa alteração garante que as células, apesar de compartilharem a mesma informação genética, desenvolvam características específicas e se especializem em funções distintas, a depender do tecido em que estão localizadas.”
O resultado desse processo são marcas químicas no genoma, que, em conjunto, formam um padrão de metilação. Por meio dessa assinatura, é possível reconhecer as células cancerígenas, alteradas em relação às do tecido original. Segundo Carvalho, a estratégia desenvolvida por seu grupo consiste no monitoramento e na identificação dessas modificações químicas em milhares de fragmentos de DNA liberados a todo momento pelas células, sadias ou não, na corrente sanguínea. A ideia é de que isso auxilie no diagnóstico precoce do câncer.
Hoje, médicos e pesquisadores já usam a chamada biópsia líquida para detectar pequenos fragmentos de DNA provenientes do tumor em amostras de sangue e outros fluidos corporais, como saliva e urina (ver Pesquisa FAPESP nº 253). “O problema”, esclarece Carvalho, “é que esses fragmentos de DNA liberados pelas células cancerígenas são muito parecidos com os das células sadias, de modo que é difícil conseguir identificar mutações quando a doença ainda está em estágio inicial”.
A taxa de cura nos casos de tumores de pulmão detectados em fase avançada é de menos de 10%; quando diagnosticados precocemente, esse número sobe para aproximadamente 80%. O mesmo se aplica aos tumores de intestino. Cerca de até 90% deles são curados se detectados na fase inicial, segundo Carvalho. Ele explica que, usando a estratégia de identificação de alterações nos padrões de metilação das células, “é como se elas jogassem milhares de agulhas no palheiro e não apenas uma”. Como resultado, torna-se mais fácil achar as células alteradas.
Além de permitir a identificação de tumores que ainda não desencadearam sintomas clínicos, outra vantagem da nova estratégia é que ela indica qual o tecido de origem de determinado padrão de metilação, já que são específicos para cada tipo de célula.
Para fazer tudo isso, os pesquisadores usaram ferramentas de inteligência artificial. Coletaram amostras de sangue de pessoas diagnosticadas com diferentes tipos de câncer, disponíveis em bancos de sangue no próprio Princess Margaret Cancer Centre, em Toronto. Em seguida, separaram o plasma sanguíneo e, então, os fragmentos metilados de DNA circulante. “Por fim, sequenciamos esses fragmentos e estabelecemos os padrões, associando-os a determinados tipos de tumores.” Essas informações foram convertidas em dados e incorporadas a um sistema computacional. Cada vez que uma nova amostra é inserida, o sistema aprimora sua capacidade de análise.
Os pesquisadores agora pretendem testar a estratégia começando por um grupo de mil pessoas. A ideia é validá-la em até 10 mil pacientes. “Em seguida, iremos submeter o sistema às agências reguladoras do Canadá e dos Estados Unidos”, explica o imunologista. Se for aprovada, poderá ser usada como ferramenta para detecção precoce de câncer.
Artigo científico
SHEN, Y. S. et al. Sensitive tumour detection and classification using plasma cell-free DNA methylomes. Nature. on-line. 14 nov. 2018.