Um novo passo para o entendimento da Via Láctea, a galáxia que dá abrigo ao nosso sistema solar, foi dado por um conjunto de estudos de três pesquisadores: a professora Beatriz Barbuy, atual chefe do Departamento de Astronomia do IAG-Instituto Astronômico e Geofísico da USP, Eduardo Bica, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e Sergio Ortolani, da Universidade de Pádua, na Itália. A pesquisa, que leva o título de Missões Observacionais sobre Imageamento e Espectroscopia de Aglomerados Globulares, teve financiamento da FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico — CNPq para os dois pesquisadores brasileiros. O estudo mostrou, numa conclusão inédita, uma idade muito antiga, entre 12 e 14 bilhões de anos, para conjuntos de 1 milhão de estrelas, chamados aglomerados. Já se sabia que os aglomerados da parte mais exterior da Galáxia (chamada halo) são velhos; mas pensava-se que os aglomerados ricos em metais do centro da Galáxia (chamada bojo) fossem jovens. “Essas estrelas se formaram logo no início da vida da Galáxia (e do Universo), ao contrário do Sol, que está no disco da Galáxia e se formou há 4,6 bilhões de anos”, explica Beatriz Barbuy. Outra descoberta feita pelos pesquisadores foi que a distribuição desses aglomerados ricos em metais, na Galáxia, é achatada e estendida.
As divergências sobre a idade das estrelas do centro da Galáxia se explicam por ser essa região de difícil observação, em conseqüência da poeira cósmica existente entre nós e o centro da Galáxia. Para chegar às novas conclusões, os pesquisadores utilizaram imagens e dados espectroscópicos obtidos por meio de equipamento instalado nos telescópios de 3,6 m e de 3,5 m (New Technology Telescope) no ESO-European Southern Observatory, localizado em La Silla, a 600 km ao norte de Santiago, no Chile. Imagens do centro da Galáxia enviadas pelo telescópio espacial Hubble também foram utilizadas na conclusão dos resultados. Outra ferramenta importante para a análise de dados e realização de cálculos foi uma estação de trabalho que está instalada no IAG, composta por computador e softwares especiais, adquirida pela FAPESP por R$ 50 mil. Os dados espectroscópicos registraram a dispersão e a decomposição das ondas de luz emitidas pelas estrelas. Depois de uma análise desses dados, foi possível obter a abundância dos elementos químicos existentes nos aglomerados. O estudo demonstrou que esses aglomerados de estrelas foram formados a partir de material resultante da explosão de estrelas supernovas de alta massa, que nasceram e explodiram logo no início do Universo, enriquecendo o meio a partir do qual as estrelas agora observadas se formaram. “Isso é demonstrado por altas abundâncias de elementos como oxigênio, magnésio e titânio”, diz Beatriz Barbuy.
O conjunto dos resultados obtidos pelos três pesquisadores vai permitir não apenas um maior entendimento da Via Láctea, mas também um maior conhecimento de outras galáxias e do Universo. A importância da conclusão dessas pesquisas para a comunidade astronômica internacional pode ser avaliada também se se considerar a rigorosa disputa na aprovação de projetos, existente tanto no comitê do telescópio Hubble, onde de cada dez pedidos apenas um é aceito, como no ESO, em que a proporção é de um aceito, em cada grupo de seis estudos propostos. Além disso, a obtenção de resultados de ponta como esse credita à pesquisa astronômica do país maiores perspectivas de desenvolvimento, principalmente neste momento em que o Brasil participa da construção de dois projetos de novos telescópios. O primeiro chama-se Gemini e consumirá US$ 180 milhões na instalação de telescópios no Chile e no Havaí, regiões do planeta onde as condições meteorológicas permitem uma melhor observação do céu. No telescópio que está sendo construído no Chile, o Brasil tem 2,5% de participação no consórcio formado por mais outros seis países (Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Austrália, Chile e Argentina).
“Uma das vantagens de um telescópio instalado no Hemisfério Sul, como esse, é poder observar o centro da Galáxia, região impossível de se atingir a partir do Hemisfério Norte, devido à inclinação da Terra”, explica a professora Beatriz Barbuy. O segundo projeto é o Soar (Southern Observatory for Astrophysical Research), um telescópio com um espelho de 4 metros de diâmetro dotado de equipamentos que vão permitir alta qualidade de imagem. Ele será construído no norte do Chile, na mesma montanha em que está sendo instalado o Gemini. A construção do Soar é uma parceria entre o Brasil e os Estados Unidos. O investimento total do Brasil será de US$ 14 milhões, quantia que representará 50% de todo o projeto e será proveniente de várias entidades de fomento científico, como CNPq, FINEP, FAPESP, FAPERJ, FAPEMIG e FAPERGS. Do lado americano estarão participando o NOAO-National Optical Astronomy Observatory, Universidade da Carolina do Norte e Universidade de Michigan.
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