Uma das mais importantes mudanças nos rumos da medicina brasileira começou com um reduzido grupo de três médicos estrangeiros na então Província da Bahia há cerca de 140 anos. Durante a década de 1860, Otto Edward Henry Wucherer, de descendência germânica, nascido em Portugal; John Ligertwood Paterson, escocês; e José Francisco da Silva Lima, português; se encontravam a cada 15 dias à noite na casa de um deles para discutir casos clínicos e a literatura científica disponível.
A eles logo se juntaram quatro médicos baianos, Ludgero Rodrigues Ferreira, Manoel Maria Pires Caldas, Antônio José Alves (pai do poeta Castro Alves) e Antônio Januário de Farias – os dois últimos, professores da Faculdade de Medicina de Salvador. Todos estavam unidos pelo mesmo interesse: o da pesquisa da patologia tropical.
O trabalho levado a termo pelo grupo, que chegou a ter 14 médicos pesquisadores, ficou conhecido como Escola Tropicalista Baiana e marcou época. Na década de 1860, a prática da medicina pouco havia avançado em relação a 1808, quando a Corte portuguesa mudou-se para o Brasil e d. João VI criou os cursos de anatomia e cirurgia nos hospitais militares de Salvador e do Rio de Janeiro. Antes da organização da educação médica, predominavam as práticas indígenas, africanas e jesuíticas – além dos barbeiros, sangradores e curandeiros. Ocorre que os métodos europeus adotados aqui eram baseados em teorias médico-filosóficas do século 18.
As aulas dadas nas faculdades de Salvador e do Rio eram discursivas, com ênfase no determinismo racial e climatológico. A idéia vigente era de que os habitantes dos trópicos degeneravam natural e irreversivelmente. Os médicos tropicalistas desafiaram esses preceitos com novos métodos clínicos.
Em vez de apenas classificar as doenças por meio da combinação dos sintomas, eles observavam e determinavam a origem da moléstia, com o conjunto de sintomas. Usavam microscópio para investigar microrganismos como causadores de doenças – algo raro no país – e publicavam seus trabalhos na Gazeta Médica da Bahia , fundada por eles, e até mesmo em alguns periódicos especializados do exterior. “Os tropicalistas formaram o primeiro grupo de pesquisa médica que se constituiu no Brasil”, afirma o clínico Rodolfo dos Santos Teixeira, professor aposentado da Universidade Federal da Bahia. A Gazeta teve uma primeira fase, de 1866 a 1934, e outra, de 1966 a 1976. Teixeira participou da segunda.
Todos os exemplares foram digitalizados e estão disponíveis em dois CDs-ROMs e um livro, num trabalho de fôlego feito pela pesquisadora Luciana Bastianelli. Os tropicalistas descobriram patologias comuns no século 19, como beriberi e ainhum, descreveram vermes desconhecidos e fizeram estudos sobre epidemias vigentes, como cólera e febre amarela. A influência e importância desses médicos foram mais tarde reconhecidas por Carlos Chagas, mítico descobridor do Trypanosoma cruzi , como um pólo inovador na medicina brasileira.
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