As primeiras editoras universitárias – de Cambridge e Oxford, no Reino Unido – foram criadas no século XVI, mas no Brasil só surgiriam na segunda metade do século XX, quando foram fundadas a Editora Universidade de Brasília (UnB), em 1961 – antes mesmo do primeiro ano letivo, 1962 –, e a Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), que completa 60 anos este ano. Ambas se encontram com boa saúde. Contudo, o quadro geral do setor inspira cuidados.
“O mercado científico-técnico-profissional [CTP] é o que mais tem apresentado quedas, em um ritmo preocupante”, afirma Marisa Midori Deaecto, professora do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP), citando números da Agência Nielsen. “Se partirmos dos dados sobre a produção de livros nesse setor em 2013, ano de maior volume na década passada, podemos constatar que em 2021 a produção de títulos caiu pela metade.” Midori atribui a queda, em parte, à migração de uma fração significativa dos escritos teóricos para artigos em revistas científicas, tendência que tem se revelado crescente.
A pesquisadora Leilah Santiago Bufrem, professora aposentada do curso de gestão da informação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), apresenta outros dados que evidenciam uma crise no panorama das editoras universitárias. Em 2015, quase metade das editoras investia em tiragens de mil exemplares. Em 2017, essas tiragens se tornaram exceção, caindo para 28,2%. Atualmente, 63,5% das editoras universitárias optam por lançamentos de títulos com menos de 500 exemplares.
O setor é essencial para a circulação de pesquisas e ideias que surgem no Brasil. Midori lembra que na França, por exemplo, as editoras acadêmicas são raras porque as comerciais dão conta da produção intelectual. Mas trata-se de uma exceção. No caso do Brasil, é comum os livros acadêmicos custarem mais caro do que o preço de capa porque as despesas envolvidas em sua produção são altas, seja pela preparação da edição, que costuma ser mais complexa do que a dos livros comerciais – exigem mais cuidados e mais profissionais para revisão e montagem de índice, por exemplo –, seja pelas baixas tiragens, que aumentam o dispêndio por unidade. Além disso, muitos autores enfrentam dificuldade em publicar nas editoras privadas. “Um dos papéis relevantes das editoras universitárias é o lançamento de novos nomes, principalmente aqueles de fora dos eixos culturais mais dinâmicos”, informa Bufrem.
Nesse cenário de pouca lucratividade, é notável que a Edusp, que conta com um catálogo de cerca de 2 mil títulos, tenha fechado os dois últimos anos no azul. Seu presidente, o sociólogo Sergio Miceli, assumiu em fevereiro o cargo que já havia ocupado entre 1994 e 2000. “No início daquele período, o catálogo era muito pequeno e as vendas acanhadas”, relata Miceli. O Departamento Editorial tinha sido criado apenas seis anos antes – até 1988, a produção era toda voltada para coedições com editoras comerciais brasileiras e só naquele ano começaram a ser selecionados e publicados os próprios títulos.
Durante o período em que foi exclusivamente coeditora, a Edusp não dispunha de equipe própria. “Todas as iniciativas que tivemos no meu primeiro mandato dependiam de liberação de recursos pela reitoria”, relata Miceli. “Hoje a situação é diferente: produzimos uma renda gerada pelas vendas e quase não precisamos de reforço orçamentário. Houve uma autonomização econômica bastante expressiva.” O presidente ressalta que, em relação ao funcionamento de outras editoras, a Edusp conta com o privilégio de não arcar com o pagamento de seus 52 funcionários, remunerados pela universidade.
Datam da segunda metade dos anos 1990 algumas das mais expressivas coleções da editora, que atualmente conta em seu catálogo com quase 50. “A Edusp ocupou uma posição de vanguarda entre os anos 1990 e o início dos 2000”, avalia Midori. “Vanguarda no sentido de não se limitar ao que é evidente na vida universitária, mas estabelecer novos desafios e inovar o mercado na forma e no conteúdo.”
Uma tradição que acompanha a editora da USP desde o início é o predomínio da área de humanidades no catálogo. Miceli calcula que três quartos dos títulos disponíveis se incluam nessa categoria. Outra tradição da Edusp, mantida desde o início, é não publicar livros de ficção, a não ser edições críticas de obras clássicas. “Nosso foco é em uma produção ensaística de qualidade”, afirma Miceli.
As outras duas editoras das universidades estaduais paulistas, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp), têm peso semelhante ao da Edusp. A editora da Unicamp, fundada em 1982, publicou mais de 1.200 obras. A Editora da Unesp chegou a 1.700. Fundada em 1987, foi transformada, em 1996, em Fundação Editora da Unesp, após aprovação do Conselho Universitário. A Unesp criou também, por meio de cursos livres, a Universidade do Livro, voltada ao aperfeiçoamento de profissionais e interessados nessa formação.
Uma coincidência histórica influenciou diretamente a produção das primeiras editoras universitárias brasileiras, fundadas às vésperas do golpe militar de 1964. “Com a publicação do Decreto nº 1.077, de janeiro de 1970, foi estabelecida a censura prévia a livros e periódicos, restringindo severamente a edição de obras políticas questionadoras”, lembra Bufrem. Por causa desse pano de fundo, a Editora da UnB limitou-se, entre 1964 e meados dos anos 1980, a publicar autores de perfil conservador.
Nem sempre os títulos das editoras seguem estritamente as diretrizes curriculares das universidades a que se filiam. A Editora da Fundação Getulio Vargas (FGV), por exemplo, vai além das obras de economia e direito, publicando também livros de antropologia e sociologia. Já a editora da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) mantém uma coleção exclusiva para fundamentos cristãos.
Entre as editoras universitárias públicas e privadas no Brasil, 129 são filiadas à Associação Brasileira das Editoras Universitárias (Abeu), criada há 35 anos e que abriga também aquelas de centros de pesquisa como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj). Destaca-se, entre as editoras de atuação mais contínua, a Uefs Editora, da Universidade Estadual de Feira de Santana, na Bahia, que completa 20 anos em 2022 (a universidade tem 46).
No aspecto do conteúdo dos acervos, a produção das editoras reunidas na Abeu é bastante diversificada. Várias delas publicam obras de literatura contemporânea e livros infantis. E o predomínio da área de humanidades, ao contrário do que ocorre na Edusp, não é regra geral. Na Uefs Editora, por exemplo, o campo da saúde é majoritário no catálogo. Assim como a Edusp, a instituição publica títulos em cooperação com editoras públicas e comerciais, além de traduções.
Segundo o administrador de empresas Murillo Campos, diretor da Uefs Editora, era publicada uma média de três livros por ano até que, em 2009, pôde formar um quadro próprio de funcionários, que hoje são 11 e respondem por toda a cadeia de produção dos livros, exceto a revisão, que segue terceirizada. Desde então, foram lançados mais de 300 títulos. Juridica e financeiramente, contudo, a editora não tem independência. A renda proveniente da venda dos livros é recolhida pelo caixa da universidade e não há uma dotação orçamentária ano a ano, embora a editora tenha conquistado um estatuto que permite automatizar os procedimentos. A presidente da Abeu, jornalista Rita Virgínia Argollo, professora da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), na Bahia, afirma que “a principal dificuldade das editoras universitárias é se organizar juridicamente”.
“Agora nosso desafio é a inserção no mercado digital”, conta Campos. A Uefs Editora já produziu 11 títulos em formato eletrônico, mas ainda não conseguiu finalizar uma plataforma única que comporte sua publicação, exceto em formato PDF. Para isso, usa os sites de outras editoras. Já a Edusp tem 15 títulos eletrônicos – escolhidos entre os que vendem bem na versão em papel – que são comercializados via Amazon. Midori observa que a quantidade de publicações digitais no mercado de livros em geral está longe de ser o que se previa na primeira década do século, quando se esperava que os ebooks superariam os livros físicos em poucos anos.
Mais de 50% das vendas de livros físicos da Edusp também são feitas pelo site da Amazon e outras plataformas de distribuição, tendência que teve crescimento desde o início da pandemia da Covid-19. A Edusp tem seis livrarias e a Uefs Editora uma. Apesar do impacto negativo na produção, a pandemia trouxe, por meio das feiras virtuais, um incremento no volume e no alcance das vendas. “Feiras, exposições e lançamentos têm sido formas de superar uma crise que se prolonga”, ressalta Bufrem.
Passada a época heroica da criação das primeiras editoras universitárias, o caminho para estabelecê-las está mais suave nas últimas décadas. A Abeu oferece orientação para a estruturação das editoras, além de atividades continuadas como cursos sobre metadados e etapas da produção de livros. As atuais dificuldades enfrentadas por grande parte das universidades públicas, sobretudo as federais, atingiram profundamente as editoras universitárias. Segundo a pesquisa da Abeu, em três anos houve uma redução de mais de 50% do quadro funcional do setor. “Estamos enfrentando a pior fase de nossa existência”, afirma Argollo. “A crise evidencia a necessidade de tornar a atividade das editoras universitárias autossustentável, com políticas que garantam sua viabilidade econômica independente.” A presidente da Abeu ressalta, mesmo assim, que o mercado de edições universitárias se mostra sólido, como comprova a multiplicação pelo país de feiras de livros do setor.
A edição 319, de setembro de 2022, traz uma versão resumida desta reportagem
Artigo científico
DEAECTO, M. M. Editoras universitárias no Brasil: Para quê? Para quem? Livro: Revista do Núcleo de Estudos do Livro e da Edição. v. 5, p. 335-6. 21 jun. 2016.
Livros
BUFREM, L. S. Editoras universitárias no Brasil: Uma crítica para a reformulação prática. 2ª edição. São Paulo: Com-Arte, 2015.
DEAECTO, M. M. e MARTINS FILHO, P. (orgs.). Livros e universidades. São Paulo: Com-Arte, 2017.