Quando febres, infecções ou dores não podem ter a sua causa definida de imediato é preciso exames mais apurados para decifrar esses sintomas e encontrar a origem das doenças. Uma das maneiras de fazer esse diagnóstico é medir a temperatura do corpo por radiação infravermelha. Conforme a variação da temperatura em determinada parte do corpo é possível verificar a incidência ou não de debilidades no organismo. Essa variação é detectada por uma câmera termográfica que registra a radiação e a transforma em uma imagem térmica capaz de representar ponto a ponto a temperatura superficial de um corpo. O equipamento auxilia na detecção de doenças como câncer, hanseníase, diabetes, lesões por esforço repetitivo (LER) e outros processos inflamatórios, ou ainda ser usado na medicina esportiva. Essas câmeras, que também medem a temperatura de equipamentos industriais, são bastante difundidas em alguns países, mas ainda pouco utilizadas no Brasil devido ao alto custo. Uma situação que começa a mudar com o trabalho dos pesquisadores do Instituto de Física de Universidade de São Paulo de São Carlos (IFSC/USP). Eles construíram, pela primeira vez no país, dois protótipos de uma câmera termográfica capaz de realizar exames a distância e de modo não-invasivo.
Com o tamanho de uma câmera de vídeo convencional, o que deverá facilitar sua operação em hospitais, postos de saúde e clínicas, o equipamento desenvolvido com apoio da FAPESP captura as imagens com base em um único sensor, em que cada ponto de calor focalizado é codificado para um padrão de cores. Para detectar as imagens, dois espelhos se movimentam de forma sincronizada em direções diferentes, na vertical e na horizontal, fazendo uma varredura completa sobre todos os pontos da imagem a ser registrada. Captada pela objetiva da câmera, a radiação infravermelha se reflete nos espelhos, chegando até o sensor por meio de uma lente totalmente transparente a esse tipo de onda eletromagnética. A câmera é ligada a um computador e as imagens capturadas são salvas e analisadas por um software, também desenvolvido no laboratório.
Com exceção do sensor, importado e sem similar nacional, todos os itens da câmera termográfica foram fabricados no Brasil. Ela está preparada para medir temperaturas entre 18°C e 40°C, variações existentes na superfície do corpo humano. Para garantir esse desempenho, há uma metodologia de calibração com padrões de temperatura controlados e também desenvolvida pelo grupo. Essa calibração garante uma sensibilidade de 0,1ºC na faixa de uso para aplicações na saúde. Para utilização industrial, ela pode ser programada para medir temperaturas em faixas mais altas, de até 1.000ºC.
Domínio tecnológico
De acordo com Luiz Antônio de Oliveira Nunes, que coordena a pesquisa no Laboratório de Lasers e Aplicações do IFSC/USP, a câmera termográfica não poderá ser patenteada, porque não existe inovação tecnológica, apenas domínio da tecnologia, que já é pública. “A nossa câmera não é uma cópia, o projeto é nosso e existem novidades, mas elas não justificam a patente. Nossa estratégia é dominar tecnologias importantes, disponíveis comercialmente, mas ainda não produzidas no país. Depois de dominar a tecnologia, queremos produzi-la em escala industrial”, revela. A câmera nacional não tem prazo para chegar ao mercado porque ainda não está acertado quem vai produzi-la. Nunes busca parcerias com empresas para tornar viável a produção. O custo da câmera ainda é caro, cerca de US$ 10 mil, mas é um preço três vezes menor que o de uma similar importada.
O mercado para esse equipamento é o de hospitais, postos de saúde e até aeroportos. Na área de clínica estética, a incidência de celulite poderá ser mais bem avaliada com as câmeras termográficas, que mostram onde o fluxo de calor é bloqueado pelas gorduras, mesmo em problemas iniciais. Outra possibilidade é o uso veterinário. “Por exemplo, se um cavalo de corrida estiver com problemas musculares, bastará fotografá-lo com a câmera para saber suas reais condições de competição.”
Todos os testes com a câmera foram feitos em nível laboratorial, com infra-estrutura do próprio IFSC/USP, sob coordenação do médico fisiatra Antonio Carlos de Camargo Andrade Filho, do Instituto Lauro de Souza Lima, de Bauru, especializado em terapias da dor. “Os testes clínicos já foram concluídos e comprovaram que a câmera auxilia no diagnóstico tanto de dores desconhecidas quanto de doenças de pele e tumores superficiais, além de permitir o acompanhamento da vitalidade da pele”, diz Andrade Filho.
Uso industrial
Além do uso em medicina, esse tipo de tecnologia permite avaliar perdas térmicas também em máquinas e instalações, melhorando o desempenho de equipamentos em uso ou em desenvolvimento na indústria. Por isso, ao contrário do que ocorre na área médica, na industrial a tecnologia termográfica já é bastante utilizada. Medições em painéis elétricos ou quadros de força, por exemplo, revelam perdas de energia provocadas, muitas vezes, por um simples mau contato (quanto mais elevada a temperatura, maior a perda de energia).
Na indústria automotiva, o equipamento pode verificar se aquecedores e desembaçadores de vidro estão bem instalados. Em siderúrgicas, pode revelar a fuga de calor nos altos-fornos, em usinas, caldeiras e sistemas de refrigeração. Nas Forças Armadas, as câmeras termográficas são usadas em equipamentos de alta precisão, instalados principalmente em aviões militares. A aplicação militar da termografia começou na década de 1940, e a médica, em 1960. A primeira câmera infravermelha foi desenvolvida em 1948 e era capaz de registrar uma imagem em 20 minutos. A câmera desenvolvida no IFSC/USP faz uma imagem em apenas três segundos, mas uma câmera de aplicação militar já é capaz de registrar até mil imagens por segundo.
O Projeto
Desenvolvimento de câmera termográfica
Modalidade
Linha Regular de Auxílio à Pesquisa
Coordenador
Luiz Antônio de Oliveira Nunes – IFSC/USP
Investimento
R$ 49.000,00 e US$ 12.490,00 (FAPESP)