A FAPESP aposta que as universidades e os institutos de pesquisa paulistas têm grande contribuição a dar na avaliação do impacto das privatizações dos serviços públicos e das estratégias de atuação das agências reguladoras. E, em parceria com a Assembléia Legislativa de São Paulo, está promovendo uma série de debates sobre os direitos e deveres dos usuários e das empresas concessionárias, as formas de controle social da qualidade e preço dos serviços dos diversos setores e as perspectivas de universalização do acesso aos serviços públicos privatizados.
A primeira rodada de discussão do tema ocorreu durante o seminário Regulação dos Serviços Públicos, realizado nos dias 3 e 4 de agosto, na Assembléia Legislativa, que teve como objetivo avaliar os resultados obtidos com a concessão de serviços públicos no Brasil. O evento integrou a pauta do Fórum São Paulo Século 21. O público, composto por especialistas de diversos setores, formadores de opinião, representantes de entidades de defesa do consumidor, entre outros, lotou o auditório Teotônio Vilela, superando as expectativas dos organizadores.
Diretores das agências reguladoras dos serviços explicaram a atuação e as dificuldades encontradas pelos órgãos criados para o controle das concessionárias. O diretor da Agência Nacional de Petróleo (ANP), Júlio Colombi Netto, afirmou que todas as legislações deverão ter maior dinamismo para acompanhar as evoluções tecnológicas que estão acontecendo no mundo moderno. “Muitos dos problemas enfrentados na área de regulação são frutos de erros cometidos no processo de elaboração dos contratos de concessão”, afirmou Colombi. Marcelo Poppe, assessor especial da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), explicou que a Agência está atuando de forma rigorosa com as empresas. Segundo ele, a sensação de ausência de medidas ocorre por causa do grande número de empresas que recorre das multas aplicadas. “As concessionárias estão recorrendo das multas para não correr o risco de perder as concessões”, afirmou.
Modelo de regulação
Mas não faltaram críticas ao processo de privatização das empresas públicas. Para o professor da Universidade Estadual de Campinas Márcio Wohlers, o atual modelo de regulação não tem dado conta das questões que estão surgindo na sociedade. “As mudanças e os avanços tecnológicos que estão ocorrendo no mundo obrigam as agências a fazerem reavaliações permanentes em suas atuações”, disse. Na sua opinião, essas instituições precisam estar sempre incorporando as novas questões que surgem a cada dia. “A Internet é um bom exemplo. Enquanto se fala em universalização do telefone, já existe uma nova demanda social por acesso à Internet, que não foi planejada ainda”, afirmou Wohlers. Flávia Lefevre Guimarães, coordenadora jurídica do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), afirmou que a população quer entender o que está acontecendo no processo de privatização, mas ressalvou que a carência de informações é o que impera neste momento.
Steve Thomas, da Universidade de Sussex, na Inglaterra, país que já vivenciou a experiência da privatização, avaliou que muitos dos problemas registrados na concessão dos serviços decorrem da rapidez do processo de transferência das empresas públicas à iniciativa privada. Sugeriu que as agências reguladoras no Brasil avaliem as experiências dos diversos países para evitar vários equívocos.Para o secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, José Aníbal, o grande desafio das agências reguladoras é criar instrumentos para que a sociedade interaja com as empresas privatizadas de forma benéfica. “O interesse despertado pelo evento demostrou de forma clara que muito ainda precisa ser feito para que o modelo de agências implantado no Brasil atenda às necessidades da população.”
José Geraldo Piquet Carneiro, membro da Comissão de Ética Pública do Governo Federal, ressaltou que o conceito de Agências de Regulação ainda não foi assimilado no Brasil. Lembrou o caso das privatizações do setor de transportes que, ainda hoje, não possui uma agência fiscalizadora. “É errado privatizar primeiro para depois regulamentar. O processo correto é o contrário”. Depois alertou que é necessário que as Agências possuam “independência decisória”, sem que sejam contaminadas pelos órgãos e interesses do governo. “A função das agências é estimular a concorrência e melhorar a qualidade dos serviços públicos”, concluiu.
Criação do conhecimento
A participação da FAPESP na organização do seminário é reflexo do interesse da instituição na criação do conhecimento. O presidente da Fundação, Carlos Henrique de Brito Cruz, ressaltou que a necessidade de avanços na esfera do poder público e a incorporação de conhecimento são fundamentais no atual estágio da sociedade brasileira. “Muitas pessoas pensam que a FAPESP só financia pesquisa sobre raio laser, genoma, biologia molecular e computadores”, disse. Lembrou que, para atender ao setor público, a entidade mantém o Programa de Apoio à Pesquisa em Políticas Públicas, que incentiva a parceria entre universidades, institutos de pesquisa e órgãos de governo para o desenvolvimento, a análise e o diagnóstico de políticas públicas e até mesmo para a aplicação em escala piloto.
“O evento foi muito importante e funcionou como um balanço da situação das empresas privatizadas”, afirmou Francisco Romeu Landi, diretor-presidente da FAPESP. Ele explicou que, ao promover o seminário e os debates em torno do tema, a Fundação tem como objetivo estimular o desenvolvimento de pesquisas que apóiem os diversos setores envolvidos.
Publicação especial
Em continuidade ao seminário, serão organizados encontros por áreas, onde grupos de trabalho detalharão propostas institucionais e farão sugestões de pesquisa em diversos setores dos serviços públicos envolvidos. Os resultados do seminário e dos debates nos grupos de trabalhos serão reunidos numa publicação especial, editada pela FAPESP em parceria com o Legislativo paulista.
O deputado Arnaldo Jardim (PPS- SP), relator do Fórum São Paulo Século 21, afirmou que o encontro funcionou como mola propulsora para estimular o interesse de novos pesquisadores para essa área da sociedade. “Eu acredito que o número de pesquisadores dos meios acadêmicos se multiplique e o seminário estimule profissionais para isso”, disse. “Os trabalhos com essas questões tendem a aumentar em número e profundidade”, estimou Jardim.
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