Ciência e arte sempre foram as paixões de Conrado Wessel. Como inventor nato, criou um papel fotográfico inovador; como empreendedor obstinado, foi dele a primeira fábrica brasileira para produzir esse papel. Há 86 anos, Conrado conseguia junto com o pai, Guilherme Wessel, a expedição da carta patente do invento, assinada pelo presidente Epitácio Pessoa. Mesmo com a forte concorrência estrangeira, ele conquistou o mercado e formou um patrimônio imobiliário que, obedecendo ao desejo expresso em seu testamento, foi utilizado como lastro para criar uma fundação que apoiasse atividades educativas e culturais de seis entidades e incentivasse a arte, a ciência e a cultura por meio de prêmios. A Fundação foi instituída em 1994, um ano após sua morte, aos 102 anos, e hoje cumpre exemplarmente as metas de seu idealizador.
Conrado Wessel nasceu em Buenos Aires, em 1891, filho de família tradicional de fabricantes de chapéus de Hamburgo, na Alemanha, em meados do século XIX. No ano seguinte ao seu nascimento, a família migrou para Sorocaba, interior de São Paulo, e posteriormente para a capital paulista. Apaixonado por fotografia, Guilherme Wessel, o pai, previa um grande futuro para o setor. Paralelamente às aulas de matemática que lecionava no Seminário Episcopal de São Paulo, no bairro da Luz, perto da Escola Politécnica, ele alugou uma loja onde instalou uma clicheria e na qual também vendia material fotográfico, na rua Direita n° 20.
Conrado herdou a paixão do pai e sempre se aventurou a fazer fotos – ainda jovem, ganhou dois prêmios em concursos promovidos pela Secretaria de Agricultura. Também auxiliava Guilherme na gerência da loja. Por insistência do pai foi para Viena, na Áustria, em 1911, estudar química. Lá aprendeu fotoquímica na K.K. Lehr und Versuchs Antstalt, renomada escola de fotografia, especializando-se em clichês para jornais e revistas. Voltou ao Brasil dois anos depois com um projeto ambicioso: sonhava com uma fábrica de papel fotográfico nacional. Posteriormente, Conrado assistiu por quatro anos às aulas na Escola Politécnica como aluno-ouvinte do curso de engenharia química e foi um assistente informal do professor alemão Roberto Hottinger, responsável pela cadeira de bioquímica, físico-química e eletroquímica.
“Durante quatro anos fiz de tudo ali”, contou Wessel. “Desde a preparação do nitrato de prata até os estudos das diferentes qualidades de gelatinas. Da ação dos halogênios como o bromo, o cloro e o iodo sobre o nitrato de prata. Fiz inúmeras experiências misturando o nitrato de prata ao brometo de potássio, ao cloreto de sódio e ao iodeto de potássio. Cheguei à conclusão de que a mistura de uma pequena dose de iodo ao bromo dava muito melhor resultado, assim como a adição do bromo ao cloro.”
Depois de muitas experiências, Conrado Wessel chegou a uma fórmula satisfatória para o papel, cujas provas, como ele sublinhou, agradaram muito ao seu pai. “Em plena pujança da mocidade, taxado de louco inclusive pelo então representante de uma indústria estrangeira de fotografia que por todos os meios quis me persuadir a desistir de continuar no meu sonho de fabricar papel fotográfico no Brasil, no ano de 1921 eu instalei a fábrica de papéis fotográficos situada à Rua Lopes de Oliveira, 198”, escreveu Wessel. “Comprei umas máquinas que estavam de posse do dr. Picarollo, professor de filosofia na Escola Normal, hoje Caetano de Campos. Quando eu soube que ele e o filho queriam vender as máquinas me apressei em comprá-las. Depois de regatear consegui adquirir tudo por oito contos e quinhentos.”
Na época, os fotógrafos do Jardim da Luz, um dos principais locais de lazer da cidade, trabalhavam com uma câmera-laboratório. Era uma caixa de madeira com uma objetiva sobre um tripé. A câmera era dividida em duas partes. A inferior continha os banhos de revelador e fixador utilizados para o processamento químico de filmes e papéis. O papel utilizado era importado de fabricantes europeus.
O próximo desafio de Wessel era iniciar a produção. “As fórmulas que eu havia elaborado pareciam boas, mas não poderia assegurar que seriam boas também na fabricação”, ele registrou, preocupado. O papel necessário para os testes foi mais difícil, já que no Brasil não havia nenhuma fábrica para fornecer o papel baritado. O material tinha que ser comprado na França, fabricado pela Rivers, ou na Alemanha, pela Scholler. O jovem inventor saiu à cata de um importador. “Enquanto a encomenda não chegava, estudei como pendurar o papel emulsionado para secar no pequeno espaço de que dispunha”, disse.
O acaso ajudou-o a encontrar a solução. Wessel estava na Tapeçaria Schultz, para a qual realizava um serviço de propaganda, quando lhe chamou a atenção o sistema de cortinas que se moviam por cordinhas usadas pelos tapeceiros. Fez um croqui do sistema utilizado na Schultz e imaginou que, empregando método semelhante, poderia secar mais de 100 metros de papel.
O papel chegou e a pequena fábrica iniciou sua produção. “Foi um desastre”, resumiu. Não se aproveitaram mais do que 10 centímetros dos 10 metros de papel emulsionados. Nova tentativa, nova frustração. O papel, ele descreveu, estava quase todo “eivado de pequenas bolhas e outras partículas indesejáveis”. Enquanto pensava sobre o problema, mais uma vez o acaso – e o olhar arguto – trouxe a solução. Wessel foi chamado à fábrica das Linhas Correntes, no Ipiranga, para executar um serviço de clichês. No salão de espera, reparou numa pequena máquina utilizada para passar goma no verso das etiquetas. “Havia uma cuba e um rolo imerso dentro dela. Com a máquina em movimento, o rolo passava uma certa quantidade da solução, deixando estrias sobre o papel, que também seguia seu curso. Eureca, pensei, meu problema está resolvido”, descreveu.
Mais uma vez fez um croqui e adaptou a máquina de emulsionagem ao modelo daquela utilizada para gomar etiquetas. E detalhou os resultados: “A máquina se resumia no seguinte: uma cuba de barro vidrado (naquela época não existia o aço inoxidável) cheia de emulsão e um rolo de ebonite que mergulhava nela. O papel passava entre um outro eixo fixo, regulado como o rolo. Dessa maneira, as bolhas ficavam todas na cuba. Mais tarde esse sistema foi melhorado, com mais de um rolo de ebonite, tornando impossível o surgimento de bolhas sobre o papel. Fizemos novas experiências com pleno êxito. Vamos fabricar e vender”, comemorou. Nasceu assim a Fábrica Privilegiada de Papéis Photographicos Wessel.
Ele não imaginava, no entanto, que teria que enfrentar ainda a resistência dos fotógrafos, seus potenciais clientes. “Eles experimentaram o material, acharam bons os resultados, mas julgaram melhor continuar com o postal da Ridax, da Gevaert, apesar de o preço do meu ser bem menor.” Foi nessa época que Wessel forjou o lema que o acompanharia por toda a vida: “Insista, não desista”.
Os negócios iam mal até que a história reverteu o risco do fracasso. No dia 5 de julho de 1924 Isidoro Dias Lopes deflagrou o movimento conhecido como a Revolução dos Tenentes. São Paulo ficou sitiada, isolada do resto do país. Aos fotógrafos da Luz faltou papel importado. “Numa manhã de um dos primeiros dias de revolução apareceu um deles em minha casa e perguntou se eu tinha postais para vender”, contou. A revolução abriu-lhe o mercado. Ao fim de 29 dias de cerco, os rebeldes se renderam. O fluxo de papel importado foi restabelecido, mas a fábrica de papéis criada por Conrado Wessel já tinha, definitivamente, conquistado a clientela que lhe permaneceu fiel.
Os grandes fabricantes estrangeiros, como a Gevaert, tentaram ainda recuperar o mercado oferecendo produtos mais baratos. Wessel também baixou os preços. “Por incrível que pareça, estes postais mais baratos não foram aceitos pelos ambulantes. Nem os meus, nem os da Gevaert”, escreveu.
A produção brasileira cresceu, Conrado Wessel comprou um prédio maior e consolidou sua posição no mercado. Não faltaram propostas de empresas estrangeiras interessadas em parceria com a agora próspera fábrica brasileira de papéis, até que o inventor – e agora empresário – firmasse um contrato com a Kodak, garantindo para ela praticamente toda a sua produção, por muitos anos. Em 1949 ficou acertado que a sua patente seria cedida à empresa norte-americana, mediante um acordo societário de construção de nova fábrica em Santo Amaro com maquinário moderno e o nome de Kodak-Wessel, sob a gerência e participação nos lucros de Conrado Wessel. Isso ocorreu em 1949 e durou até 1954. A partir dessa data a patente passou definitivamente à Kodak e o nome da fábrica deixou de ser Kodak-Wessel.
Ao longo desse período, com o lucro dos negócios bem administrados, Conrado Wessel comprou imóveis nos bairros de Campos Elísios, Barra Funda, Santa Cecília e Higienópolis e os deixou, em testamento, como patrimônio inicial da Fundação Conrado Wessel.
Republicar