
Quando escreveu On computable numbers, ele não estava pensando em uma máquina que poderia vir a ser construída – o objetivo era apenas resolver um problema de lógica. “Sua máquina universal, conhecida como ‘máquina de Turing’, na verdade era uma metáfora das ideias fundamentais que viriam a ser usadas para se construir o computador”, diz o matemático Ubiratan D’Ambrosio, professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
No mesmo artigo Turing apresentou uma solução para uma questão matemática, o Entscheidungsproblem (problema de decisão): determinados problemas não podem ser resolvidos por máquinas ou computadores teóricos. O inglês não foi o único a pensar nisso. Também em 1936 o lógico americano Alonzo Church, já Ph.D., escreveu e publicou de modo independente um artigo com a mesma conclusão. Turing, então com 25 anos, foi fazer seu doutorado sob a orientação de Church na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Em 1939 ele voltou à Inglaterra e passou a trabalhar para o governo.
Tudo começou porque os militares ingleses ficaram sabendo de seu gosto por criar e decifrar códigos e o convocaram para trabalhar com um grupo de cientistas em um projeto secreto. O objetivo era decifrar as ordens alemãs – codificadas por uma máquina chamada Enigma – enviadas aos submarinos que patrulhavam o Atlântico. A questão era capital para os ingleses. Os submarinos alemães impediam a circulação dos navios britânicos, quase isolando a Inglaterra. Turing conseguiu quebrar o código ao aperfeiçoar uma enorme máquina decodificadora chamada Bomba, cuja primeira versão havia sido construída por cientistas poloneses. Com isso a esquadra inglesa deixou de ser surpreendida pelos ataques do Terceiro Reich.

Protótipo da máquina ACE, de 1952, projeto de Turing que posteriormente foi bandonadoNATIONAL PHYSICAL LABORATORY © CROWN COPYRIGHT / SCIENCE PHOTO LIBRARY/ SPL DC / LATINSTOCK
“Além de ser um teórico brilhante, Turing tinha um lado prático forte”, diz Newton da Costa, matemático aposentado da Universidade de São Paulo e professor de filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina. Entre outros projetos, por exemplo, ele criou a máquina-piloto ACE, sigla para Automatic Computing Engine, uma espécie de ancestral do computador, para “atacar problemas complexos”.
Em 1950 o matemático publicou seu artigo seminal, Computing machinery and intelligence. “Proponho que consideremos a questão: ‘as máquinas podem pensar?’”, escreveu ele na primeira linha do texto. “Turing introduz uma discussão sobre se é justificável chamar um computador de cérebro eletrônico e lança as bases do que viria a ser o campo de inteligência artificial”, explica D’Ambrósio. “Com trabalhos como esse, ele exerceu influência em toda cultura contemporânea e não apenas na lógica e na matemática”, diz Costa.
A vida pessoal de Turing foi muito mais difícil do que a acadêmica. Homossexual, ele foi preso em 1952 acusado de indecência grave com outro homem com base em lei de 1885, a mesma que levou Oscar Wilde à prisão em 1895. O matemático aceitou trocar a pena por uma castração química e usar estrogênio para “ser curado” da homossexualidade. Em 1954, aos 41 anos, Turing morreu ao morder uma maçã envenenada com cianeto. Para a polícia inglesa foi suicídio. A família e os amigos nunca aceitaram essa versão.
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