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Luis Nassif

O jornalismo científico

É hora de formar profissionais com ampla visão

A existência de uma economia fechada e a ausência de uma lei de patentes atrasaram enormemente o desenvolvimento tecnológico brasileiro. Do lado da demanda, as empresas brasileiras preferiam adquirir ou simplesmente copiar tecnologias estrangeiras. As multinacionais traziam seus pacotes, sem a preocupação de desenvolvimento interno. Do lado da oferta, grande parte das verbas se destinava à pesquisa pura, ao compromisso de se publicar um paper no exterior – que muito provavelmente seria aproveitado por pesquisadores de outros países para a produção de patentes.

Um país pobre, de parcos recursos, financiava pesquisas genéricas, que eram depositadas gratuitamente nas prateleiras da grande despensa da ciência mundial. Depois, americanos, coreanos, japoneses, ingleses e outros, com mais espírito pragmático, se apossavam dos ingredientes, transformando-os em patentes e em instrumentos de desenvolvimento de seus países. Aos cientistas brasileiros, os louros; aos de outros países, os resultados.

Hoje o quadro é totalmente diferente. Com a abertura da economia, as empresas nacionais passaram a competir com as estrangeiras de quem copiavam ou compravam a tecnologia. Essa desvantagem tornou claro para todos a importância do desenvolvimento tecnológico autônomo.Ao mesmo tempo, o meio acadêmico passou por profundo processo de discussões internas, sobre os objetivos da pesquisa acadêmica. Acabou sendo vitoriosa a tese de que a maior parte das pesquisas – especialmente as financiadas com recursos públicos – tem que gerar resultados concretos para o país, na forma de patentes, tecnologia e produtos, aumentando a competitividade da economia, a capacidade de gerar emprego e bem-estar social.

E as empresas privadas têm que participar decididamente do co-financiamento dessas pesquisas, especialmente quando foram desenvolvidas sob medida para a empresa.Nesse contexto, a imprensa especializada passa a ter papel fundamental. E não apenas para divulgar de forma fantástica os avanços da ciência mundial, como em muitos programas de televisão. O grande desafio consiste em começar a trabalhar a questão da ciência profissional e metodicamente, identificando necessidades do lado empresarial, avanços do lado acadêmico, colocando ambos em contato.

Durante muitos anos, tinham acesso à imprensa apenas os chamados cientistas de papel – especializados em declarações superficiais, mas que rendiam manchete, e pouco reputados no seu ofício. O bom jornalismo científico passa pela capacidade do jornalista em separar a perfumaria do substantivo, em identificar e divulgar as pesquisas pioneiras, especialmente aquelas que possam interessar ao setor privado. Passa por ajudar a quebrar as barreiras que dificultam a produção de tecnologia, por abrir a couraça das resistências empresariais aos investimentos tecnológicos. E, finalmente, por ajudar na implantação de uma verdadeira cultura tecnológica no país, convencendo os governantes da importância a ser conferida ao setor.

Aos candidatos às bolsas de jornalismo científico da FAPESP, exige-se não apenas o conhecimento acadêmico e científico, mas a capacidade de entender a economia, o universo interno das empresas, e de identificar, nas pesquisas acadêmicas, aquelas capazes de se transformar em patentes e produtos.

Luis Nassif é jornalista

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