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Conhecimento prático

O mar não está para peixe

Conhecimento de grupos locais de pescadores revela declínio no número de espécies de peixes em praias de Porto Seguro, Bahia

Badejo quadrado (Mycteroperca bonaci) há 40 anos era capturado com aproximadamente 49 quilos (kg); hoje ele é pescado com 17 kg

Badejo quadrado (Mycteroperca bonaci): há 40 anos era capturado com aproximadamente 49 quilos (kg); hoje ele é pescado com 17 kg

O conhecimento prático adquirido ao longo dos anos por pequenos grupos de pescadores pode se tornar uma importante ferramenta para o ajuste dos referenciais ambientais relacionados ao impacto das ações humanas sobre ecossistemas marinhos. A conclusão é de um grupo de pesquisadores do Departamento de Ecologia e Zoologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que perguntou como anda o estado de conservação de 9 espécies de peixes a 53 pescadores de diferentes gerações que desempenhavam suas atividades em regiões próximas ao Parque Municipal Marinho do Recife de Fora, em Porto Seguro, Bahia. A região é uma das mais ricas da costa brasileira em biodiversidade marinha.

Com base nas entrevistas, os pesquisadores verificaram mudanças significativas tanto na percepção dos próprios pescadores sobre os impactos que suas atividades poderiam desencadear nesses ecossistemas quanto no tamanho dos peixes capturados por pescadores mais velhos em relação àqueles pescados por indivíduos mais jovens, conforme mostra o artigo publicado na edição de agosto da revista Fisheries Management and Ecology.

Os de faixa etária acima dos 50 anos relataram já ter pescado animais maiores quando comparados aos capturados por indivíduos entre 30 e 40 anos. As diferenças são significativas e não é história de pescador, de acordo com os pesquisadores. “O badejo quadrado (Mycteroperca bonaci), por exemplo, há 40 anos era capturado com aproximadamente 49 quilos (kg); atualmente ele é pescado com 17 kg”, disse a bióloga Mariana Bender, autora principal do estudo. “Alguns pescadores com menos de 31 anos também já não reconhecem certas espécies, como o mero-gato (Epinephelus adscensionis), quando apresentados às fotos do animal”, completa. E pior: alguns pescadores, conta a bióloga, nunca sequer haviam pescado certas espécies, como o cherne (Hyporthodus nigritus), o que indica uma drástica redução na população dessa espécie na região.

Ao todo, das nove espécies de peixes estudadas, sete exibiram declínio nas tendências de pesca. O cherne é uma delas. O peixe está na lista vermelha de espécies ameaçadas da International Union for Conservation of Nature. Bender explica que o problema do declínio de peixes em escala global está diretamente ligado à demanda humana, como é o caso dos grandes atuns, tubarões, marlins, e também das espécies de peixes que utilizam os recifes como hábitat.

Os pescadores mais velhos parecem saber disso. Já os mais jovens não reportaram essa redução aos pesquisadores. “Significa que a capacidade de identificar tais espécies aumenta conforme a idade do pescador”, explica Mariana.

Quando questionados sobre as possíveis causas dessa redução na população de peixes na região, 36% dos pescadores entrevistados admitiram que suas atividades  podem ter contribuído de alguma forma para o declínio do número de espécies. “Os pescadores mais velhos se lembravam da época em que pescavam nos recifes do atual parque marinho – que agora é uma área de proteção integral – e retornavam com seus barcos cheios de peixes, o que não acontece mais com frequência.”

Segundo a pesquisadora, verificar a possibilidade de redução na população de peixes nesses ambientes a partir da percepção dos pescadores pode ser uma contribuição importante para a elaboração de estratégias de conservação. “As comunidades tradicionais de pescadores são testemunhas das mudanças ambientais, bem como da redução da quantidade de peixes”, disse. Por isso, esse conhecimento ecológico local deve ser incorporado ao científico com vistas à elaboração de estratégias de manejo mais apropriadas.

O estudo faz parte da Rede de Pesquisas Coral Vivo, patrocinada pela Petrobras por meio do Programa Petrobras Ambiental e pelo Arraial d’Ajuda Eco Parque.

Artigo científico
M. G. BENDER, S. R. FLOETER & N. HANAZAZKI. Do traditional fishers recognise reef fish species declines? Shifting environmental baselines in Eastern Brazil. Fisheries Management and Ecology. v. 20, n. 1, p. 58-67, 2013

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