LEO RAMOSTodas as sextas-feiras, impreterivelmente às 15 horas, o presidente da Financiadora de Estudo e Projetos (Finep), Luis Fernandes, deixa seu gabinete na praia do Flamengo, Rio de Janeiro, e se dirige ao Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio). Lá, dá aulas de economia política e relações internacionais. O resto do tempo passa na presidência da Finep, dedicado a fazer da inovação tecnológica um dos motores do desenvolvimento brasileiro. Uma tarefa das mais complicadas, que levará ainda alguns anos de investimento massivo e conscientização para ser realizada.
O ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, ele próprio ex-presidente da instituição, percebeu o papel central que a Finep terá nesse esforço. E sabe que, para realizá-la, não basta dotá-la de recursos. Será preciso modernizar sua estrutura, torná-la menos burocrática e mais ágil. Não por acaso, sempre que se refere à financiadora, Rezende coloca um qualificativo antes – Finep virou “Nova Finep” – na boca do ministro. Para adequar a realidade ao adjetivo, Luis Fernandes foi o escolhido.
Ex-secretário executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e ex-integrante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República no atual governo, Fernandes já manejou o tema entre 1999 e 2002. Nesse período ele foi diretor científico da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj). Ao chegar à Finep em junho deste ano, teve de correr não apenas para executar o que fora planejado como também para tentar fazer as mudanças necessárias rapidamente.
A pressa tem por objetivo tornar 2008 um grande ano. O orçamento será recorde, de R$ 2,8 bilhões. Os recursos dos fundos setoriais, parte deles ainda em uma reserva de contingência, estão sendo progressivamente liberados. O apoio à inovação nas empresas irá aumentar substancialmente, mas sempre dentro de uma política industrial nacional.
Luis Fernandes viveu boa parte da vida no Rio, mas nasceu na pequena ilha de Gavestone, no Texas, Estados Unidos, onde ficou por apenas dez meses. O pai, virologista, na época fazia pós-doutorado em um centro de pesquisas biomédicas. Depois Fernandes voltou à América do Norte ao receber uma bolsa para cursar a graduação na Universidade de Georgetown. A razão é que o seu tema de interesse, relações internacionais, era uma área que não existia como campo acadêmico no Brasil nos anos 1970. Mais tarde se doutorou em ciência política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Hoje tem algumas dezenas de livros publicados com ênfase em estudos sobre a transformação da ordem mundial e a economia política do desenvolvimento, como O enigma do socialismo real: um balanço crítico das principais teorias marxistas e ocidentais (editora Mauad, 2000) e O manifesto e o “elo perdido” do sistema internacional (Contexto Editorial, vol. 10, nº 1, 1998).
Na entrevista abaixo, Fernandes explica como fará a Finep corresponder às expectativas do governo e diz o que pensa sobre inovação.
Desde sua nomeação o ministro Sérgio Rezende vem falando em uma “nova Finep.” O que isso significa?
A Finep completa 40 anos em 2007, mas não foi a mesma ao longo desse tempo. Está sempre mudando, nem sempre para melhor, é preciso reconhecer. Houve um período áureo dos anos 1970 até início dos 1980. No tempo em que passou a ser a secretaria executiva do FNDCT [Fundo Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico], a Finep teve um papel de estruturação do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia. O CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] também, mas menos dirigido para a infra-estrutura do sistema e mais para projetos de pesquisa. São Paulo talvez seja a exceção porque já tinha a FAPESP, uma fundação forte que conseguiu se consolidar com um padrão de regularidade de repasse de recursos, em nível estadual, único no país. A Finep teve um papel muito importante até os anos 1980 com um pico de investimento na faixa dos R$ 800 milhões, em 1979, em valores atualizados de dezembro de 2005.
Mas esse ápice de investimento aconteceu então há muito tempo.
Exato. Depois a instituição entrou num processo de declínio gradativo da sua capacidade, o valor do FNDCT liberado foi restringido cada vez mais e nos anos 1990 ela entrou num período de crise bastante grave. O orçamento ficava por volta dos R$ 100 milhões, algo quase vegetativo. Tentou-se ampliar a capacidade de atuação ainda nos anos 1990, expandindo muito as ações com crédito reembolsado, mas nem sempre com as cautelas necessárias. Isso gerou um índice de inadimplência de financiamentos da Finep muito elevado. Chegou à proporção de 60% numa série de investimentos.
Como a Finep se reergueu?
A recuperação começou a partir do final dos anos 1990 e, sobretudo, no início deste século com a criação dos fundos setoriais. Eles foram pensados como linhas de financiamento dentro do FNDCT, tendo a Finep como sua secretaria executiva. Foi isso que levou a recompor a capacidade de investimento da instituição. O Carlos Américo Pacheco, atualmente no governo de São Paulo, teve um papel crucial nisso, assim como o ex-ministro da Ciência e Tecnologia Ronaldo Sardenberg, no segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso.
Nesse período o senhor já trabalhava com inovação na Faperj?
Era diretor científico lá e introduzia a preocupação com a inovação como um tema que a área de ciência e tecnologia deveria focar com muita atenção. Predominava no governo, naquele momento, a opção por não ter uma política industrial nacional claramente formulada. A idéia era que o próprio mercado seria o alocador mais eficiente de recursos e, com isso, os nichos brotariam mais espontaneamente do que por indução do poder público. O problema é que, assim, os fundos ficaram um tanto quanto desconectados entre si porque eles não tinham uma política industrial nem uma política nacional de inovação à qual se vincular. Por outro lado, tinham sido criados na área de ciência e tecnologia com o compromisso de serem fontes complementares dos investimentos federais.
Não havia clareza suficiente em seus objetivos?
O que não havia era uma política industrial nacional à qual a ação de fundos se vinculasse. Isso gerou dispersão e segmentação. Cada um deles tinha sua agenda de investimentos com suas próprias prioridades e não eram articulados num projeto nacional de inovação.
Os recursos já estavam contingenciados naquela época?
Os fundos foram criados e, em seguida, o dinheiro foi contingenciado. Houve duas etapas. Uma era contingenciamento explícito, mas isso foi questionado legalmente porque, sendo recursos da área de ciência e tecnologia, não poderiam ser retidos…
Ou seja, era ilegal.
Sem dúvida, é ilegal. Ocorre que a área econômica de todos os governos é sempre muito criativa, não apenas do atual. E eles inventaram uma nova categoria que é a reserva de contingências. Porque o dinheiro dos fundos não poderia ser contingenciado diretamente, mas seus recursos poderiam compor uma reserva de contingências. E isso foi o que foi feito.
Na prática parece a mesma coisa.
Só muda o cálculo da arrecadação. Ele permanece como um cálculo em que se tem uma arrecadação acumulada nominalmente, mas isso não dá garantia nenhuma de execução.
Quanto é retido pelo contingenciamento hoje?
A partir de 2005 os valores passaram a declinar. Mas antes dessa data chegaram a atingir 60% de contingenciamento, algo muito elevado. Quando os fundos foram criados o compromisso é que eles seriam fontes complementares, e não suplementares, do investimento já realizado no sistema. Na prática isso não aconteceu. Quer dizer, houve uma retração de investimento, sobretudo nos investimentos feitos via Ministério da Educação nas universidades federais, que acabaram desviando parte importante da sua demanda de recursos para os fundos. Nesse caso, em vez de ser uma fonte adicional de verba, em parte eles simplesmente substituíram a retração de outras fontes de investimento.
Quer dizer, em vez de usar o dinheiro para pesquisa de C&T, ele era usado para cobrir a demanda por infra-estrutura?
É isso. Um dos usos mais importantes dos fundos até hoje é suprir a infra-estrutura para a pesquisa nas universidades e instituições públicas, laboratórios e bibliotecas. Não haveria problema desde que isso não fosse feito na seqüência de uma retração de outra fonte.
Essas questões foram verificadas quando o senhor estava no MCT?
Grande parte delas. O que nós introduzimos junto com a Finep, na época presidida pelo hoje ministro Sérgio Rezende, foi um novo modelo de gestão dos fundos, que procurou integrar a ação de todos eles. O objetivo era combater a fragmentação e a segmentação e integrá-las com foco na política industrial que o governo havia acabado de lançar no início de 2004, que é uma política nacional de inovação. Com setores prioritários, área exportadora de futuro, orientações mais ou menos precisas sobre as prioridades da política industrial nacional. Nós montamos aqui na Finep o Comitê de Coordenação dos Fundos Setoriais e propomos para os comitês gestores de cada fundo uma agenda de ações integradas, que batizamos de ações transversais. Transversais porque elas contavam com aporte de recursos de diversos fundos. A idéia é que as grandes ações bancadas pelos fundos apoiassem a política nacional de inovação baseada na política industrial. Talvez a marca mais importante dessa política é que ela colocou a inovação como motor do crescimento sustentável da economia. Era uma nova prioridade para a inovação do desenvolvimento tecnológico nacional.
Foi a primeira vez que a inovação se tornou prioridade no governo federal?
Pelo menos de modo mais preciso e objetivo. Mesmo antes, embora a inovação já fosse uma preocupação presente nas ações do MCT na criação dos fundos setoriais, as ações ainda eram muito segmentadas. Tinha o fundo do petróleo, do agronegócio, da biotecnologia, da saúde… Quer dizer, não havia a integração numa política nacional de inovação e na política industrial focada na inovação. Fizemos essa integração. Nas discussões internas do governo fomos mostrando a relevância da área de C&T para as prioridades da política e desenvolvimento do próprio governo federal. A Finep, que tinha o orçamento mais flexível para ser mobilizado para a nossa finalidade, foi adquirindo centralidade crescente na agenda do governo federal. O que se traduziu numa elevação muito significativa de recursos materializados em duas linhas fundamentais. Em primeiro lugar, com o progressivo descontingenciamento. Na verdade, a palavra não é bem essa porque era reserva de contingências, mas significa uma redução progressiva da arrecadação dos fundos destinada à reserva de contingências. O compromisso que foi estabelecido quando do envio da lei de regulamentação do FNDCT era eliminar por completo a reserva de contingências dos fundos até 2010.
Em quanto está a reserva de contingências hoje?
Em 23% da arrecadação. O que significa, em números globais, cerca de R$ 2 bilhões liberados no investimento e um quarto disso, perto de R$ 500 milhões, na reserva de contingências. Talvez um pouco menos. Esse número já é mais que o dobro do equivalente, em valores constantes, do pico histórico de 1979. Voltando agora à sua pergunta inicial, sobre o que significa a nova Finep: entramos numa operação em que executamos via FNDCT um lançamento dez vezes maior do que executávamos há seis ou cinco anos. Estamos operando um orçamento pelo menos cinco vezes maior via crédito reembolsável, com o orçamento de 2008, do que era operado também cinco ou seis anos atrás. É um novo patamar. Dentro disso, uma das questões-chave para nós, talvez a mais importante, é que, até aqui, ela vinha trabalhando com dois braços: o apoio à infra-estrutura de C&T e financiamento não-reembolsável, que é o que a FAPESP opera fundamentalmente. E o segundo braço, que era crédito reembolsável para ações de pesquisa de desenvolvimento das empresas. À taxa de juros baixos, porque elas são equalizadas com recursos do Fundo Verde-Amarelo, um dos fundos setoriais.
Ou seja, emprestava-se para a indústria, mas a taxas muito baixas.
A taxas equalizadas. Sendo uma área prioritária para o setor industrial, ela pode chegar hoje a uma taxa de juros negativa, em termos reais. Com a Lei de Inovação, nós criamos um terceiro instrumento, o da subvenção econômica para a atividade de pesquisa e desenvolvimento das empresas, que não existia antes. Coisa que os países centrais já faziam há muito tempo.
Isso é muito recente?
Lançamos o segundo edital em setembro. O primeiro foi lançado há um ano. É uma modalidade criada pela Lei de Inovação, que só tornou possível a sua operacionalização com a regulamentação da lei em 2005 e a inclusão no orçamento de 2006. Isso criou um terceiro braço de atuação da Finep.
E esse dinheiro vai para quem?
Para empresas instaladas no país, desde que a atividade de inovação, via pesquisa e desenvolvimento, seja feita aqui. Foram identificados 38 temas, em cinco grandes áreas, que na verdade são tecnologias que têm que ser nacionalizadas.
Quais são essas áreas?
Uma é nanotecnologia, outra é biotecnologia em saúde. A terceira nós chamamos de área estratégica, pega fundamentalmente defesa e segurança pública. Uma quarta é a de biodiversidade e saúde. E a última são tecnologias para o desenvolvimento social. Dentro delas foram identificados 38 temas concretos. Quer dizer, são demandas de inovação tecnológica que passam a ser nacionalizadas por empresas brasileiras.
Com isso será possível responder à modernização desejada pelo MCT?
A nova Finep, para além de exigir que nós tenhamos novos procedimentos e mecanismos que correspondam a esse patamar inédito de recursos, ao melhorar substancialmente nossa capacidade de financiamento, também deve promover a integração de todos esses instrumentos. Até aqui, pela história anterior da Finep, tínhamos diferentes setores da casa operando diversos instrumentos sem muita integração entre si. Agora instituímos dez programas integradores para abranger esses três braços. Vou dar o exemplo de um dos primeiros projetos de financiamento que vi aqui quando assumi a presidência. Era uma empresa de São Paulo, da área de papel e celulose, que pedia crédito para um projeto de inovação, pesquisa e desenvolvimento. Nós concedemos, mas na hora da discussão do projeto na diretoria da Finep alguém perguntou, “De onde é que essa empresa pega a matéria-prima?” Descobrimos no próprio projeto que era de uma cooperativa de catadores de papel. Ocorre que temos, na área social, um programa de apoio a cooperativas de catadores de papel. E uma coisa não dialogava com a outra. Hoje queremos que os dez programas integradores recém-instituídos abranjam todo o conjunto de instrumentos disponíveis na Finep de maneira a ampliar o potencial que eles têm para o desenvolvimento do país.
Um empresário de São Paulo fez uma crítica semelhante a essa quando eu disse que iria conversar com o presidente da Finep. Ele dizia, “O pessoal do fomento não conversa com o pessoal do financiamento.”
Era o que ocorria. E é um problema grande porque a burocracia fica maior e o dinheiro demora mais a sair. Foi esse o primeiro ponto que atacamos.
Isso não é algo que se resolva do dia para a noite…
Claro que não. Assumi em junho, a diretoria foi recomposta no final de julho e tem de executar o orçamento de 2007, que já é grande. Acho que o impacto mais pleno das mudanças vamos sentir em 2008. Porque aí todo o planejamento vai ser feito a partir disso. Nós ainda temos resquícios das operações anteriores.
A integração vale para o que está fora da Finep, como o BNDES, por exemplo?
Esse é outro ponto. Existe na cultura corporativa das duas instituições certo ciúmes uma da outra, não nos cargos de direção profissional, claro. Na verdade, na nossa compreensão e na da direção do BNDES, nossos papéis são complementares. Grosso modo, nós não sobrepomos… Quer dizer, pode ter alguma área de sobreposição, mas isso é fácil de resolver. A nossa missão é fomentar a geração de conhecimento e a do BNDES é massificar a aplicação do conhecimento. Do ponto de vista conceitual, são missões complementares. Temos desenvolvido uma série de ações que são de aproximação e de integração. O MCT trabalha na elaboração de um plano de ações para até 2010 que envolve uma forte parceria com outros ministérios e também com o BNDES.
Noto que tanto o site da Finep quanto o senhor se referem à instituição como uma agência de inovação. A idéia de mera financiadora ficou para trás?
O nome Financiadora de Estudos e Projetos não muda. Ele tem relação com o BNDES lá na sua origem. No começo a Finep apoiava projetos pré-competitivos que depois eram submetidos ao BNDES para obter financiamento. Eram sobretudo projetos na área de engenharia. Depois, com a criação do FNDCT, a missão da Finep mudou, na medida em que ela se tornou secretaria executiva do FNDCT, e passou a ser uma agência de fomento. Mas dirigida mais para a infra-estrutura do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia. Com a retração desse tipo de atuação, ganhou maior peso na ação com empresas como agência de desenvolvimento. Quer dizer, emprestava recursos para financiar desenvolvimento tecnológico. Esse foi um braço que cresceu. O fato é que, com essa recomposição de instrumentos, ela se tornou uma agência mais ampla e seu foco principal é o fomento da inovação, trabalhando com instrumentos variados. Por isso gosto da idéia de agência brasileira de inovação. É mais precisa do que financiadora de estudos e projetos.
Como o empresário que está lendo a entrevista e percebe que pode ser ajudado pela Finep faz para pedir financiamento?
A Finep opera com diversas modalidades de financiamentos para empresas. O empresário interessado pode acompanhar os editais lançados e procurar informações pelo site [www.finep.gov.br] ou ligar para o Setor de Atendimento ao Cliente [(21) 2555-0555].
O Simon Schwartzman, ex-presidente do IBGE, nos disse em entrevista que é o setor público quem deve provocar demanda porque tem uma capacidade de compra muito grande em áreas que requerem um trabalho intenso e permanente de pesquisa e inovação. O senhor concorda?
O Brasil teve durante quase meio século um esforço de desenvolvimento nacional relativamente grande – às vezes, a gente esquece disso. Depois o modelo esgotou-se. Mas manteve, dos anos 1930 até a crise da dívida nos anos 1980, um dos índices mais elevados de crescimento econômico contínuo no mundo. Era um esforço de industrialização governado por uma lógica que os economistas, ou parte deles, convencionaram chamar de industrialização para substituição de importações. Ou seja, o mercado doméstico era protegido e havia um esforço de substituir importações industriais, via fomento, numa indústria nacional. Nacional não necessariamente pela composição do seu capital. Nesse modelo, o problema da inovação não era central. A idéia era atrair investimentos, porque eles trariam junto pacotes tecnológicos para serem aplicados aqui. Mas, em geral, eram pacotes tecnológicos já obsoletos nas matrizes, embora aqui fossem competitivos porque o mercado era protegido. Isso acabou por gerar uma cultura empresarial não muito focada no tema da inovação. A partir do início dos anos 2000, começou a ser feito um estudo pelo IBGE, o Pintec [Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica], que faz uma radiografia da inovação no país. Antes só eram contempladas indústrias, e agora foram introduzidas algumas áreas de serviços e telecomunicações, fundamental para se pensar a inovação hoje. O último Pintec mostra 33 mil empresas inovadoras, mas quando se decompõem esses números vê-se que qualquer compra de máquina é definida como inovação. Isso não é propriamente pesquisa e desenvolvimento. O volume de empresas efetivamente envolvidas na geração de conhecimento, que induz à inovação, é ainda muito limitado no Brasil. Desse ponto de vista eu concordo com o Simon Schwartzman, no sentido de que tem de haver um papel indutor do poder público, e nessa indução o Estado deve se tornar parceiro do risco da inovação com a empresa. Nós estamos num mercado muito mais competitivo. Um mercado no qual os custos de captação de recursos para financiar a inovação são muito mais elevados no Brasil do que em outros países, pela alta taxa de juros que temos. E um mercado no qual os países que estão na ponta tecnológica praticam fortes subsídios estatais nas atividades de inovação.
Todos os países fortes tecnologicamente subsidiam essa atividade?
Todos. No caso dos Estados Unidos o subsídio é mais forte ainda por causa da indústria de defesa. Na Coréia do Sul, sempre usada como exemplo para o Brasil, o massivo investimento em inovação vem do poder público. O Estado sul-coreano já chegou até a escolher as empresas que iriam ser estruturadoras de diferentes setores e apoiou, de forma absolutamente subsidiada, as cadeias produtivas. Nesse contexto, de fato o empresário nacional tem de ser estimulado a apostar na inovação tecnológica.
Quem recebe o grosso do dinheiro da Finep? São as pequenas empresas?
Não, é variado. Temos programas específicos para pequenas empresas. A subvenção que é operada em parceria com a FAPESP, o PAPI [Programa de Apoio à Propriedade Intelectual] é vinculado ao Pipe [Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas]. Aí sim é micro e pequena empresa. Temos o Inovar, justamente um programa de fundos, aportando recursos para criação e consolidação de empresas de bases tecnológicas. E vários outros. A subvenção é para qualquer empresa, desde que realize a inovação tecnológica definida naqueles temas.
O orçamento previsto para 2008, de R$ 2,8 bilhões, é recorde. Isso ocorre graças ao descontingenciamento de recursos?
Não. Grosso modo, são R$ 2 bilhões do FNDCT e 800 milhões para ações de crédito. Isso tem a ver com a diferença das condições da nossa operação com o BNDES, que tem um fundo vinculado, o FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador]. Nós também trabalhamos com o FAT, mas via captação. E em condições não muito favoráveis. Essa é uma debilidade. Não temos ainda um fundo vinculado. O que foi feito para o orçamento de 2008 foi operar para além das nossas duas fontes tradicionais de captação, que é o FND [Fundo Nacional de Desenvolvimento] e o FAT. O próprio FNDCT se transformou numa fonte de captação em condições muito mais favoráveis que o FAT e o FND. Então é como se nós estivéssemos constituindo um fundo de captação próprio para a Finep nas suas ações reembolsáveis. Isso foi muito importante porque também dá um horizonte de estabilidade institucional.
As idéias do economista austríaco Joseph Schumpeter voltaram à moda recentemente. O senhor está entre seus fãs?
O Schumpeter é importante. Sou professor da área de economia política internacional e relações internacionais. Ele é um pensador extremamente abrangente e tem livros sobre a sociologia do imperialismo. Um clássico dele, Capitalismo e socialismo, é importante para a teoria política porque trata o tema dos sistemas partidários, com máquinas eleitorais, com uma chave realista de análise da política. Como economista, uma das suas grandes contribuições é tratar do tema da inovação e associando ao da inovação numa dinâmica que ele chamou de destruição criadora. Para ele, as inovações tecnológicas destroem modelos antigos, mas criam um novo mercado.
Gosta do tema como é tratado por ele?
Gosto, embora ele tenda a ter uma visão absoluta da dimensão do mercado na promoção da inovação. É como se fosse uma dinâmica própria do mercado à indução da inovação via concorrência. Daí a lógica da instituição criadora, que seria inerente à economia de mercado. O que fica fora disso é o papel indutor da inovação, exercido pelo Estado em todas as experiências. Então, essa outra dimensão é subestimada na interpretação que ele faz.