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Resenha

Os limites das decisões humanas

Livro aprofunda os temas de interesse de José Goldemberg

O livro O mundo e o homem reproduz artigos escritos para O Estado de S.Paulo (mais um escrito para o Correio Braziliense) pelo professor José Goldemberg e publicados ao longo de dez anos.

Como sou assinante do Estadão, já havia lido a grande maioria deles. Ainda assim, foi muito interessante relê-los em conjunto. O professor Goldemberg desenvolveu a capacidade de escrever num estilo agradável para uma leitura durante o café da manhã, com precisão técnica sem exigir malabarismos como buscar na memória o fator de conversão de diferentes unidades físicas ou, o que é pior, levantar da mesa para consultar uma tabela com fatores de conversão de unidades.

O livro não se propõe a fazer previsões sobre o que ocorrerá no século XXI. Realisticamente, o autor reconhece que tentativas no passado não tiveram tanto sucesso.Mostra, sim, que algo do futuro pode ser previsto como resultado do progresso incremental baseado em conhecimento já existente e relata como no século passado algumas mudanças grandes resultaram de progressos importantes no conhecimento, como no caso da teoria da relatividade e da mecânica quântica, que, evidentemente, não haviam sido previstas.

Permeia todo o livro a preocupação com o homem.Reconhece que as decisões humanas não são suscetíveis de previsões com a mesma natureza das previsões científicas.Tomo a liberdade de ir mais além – quando isso foi tentado, o resultado foram regimes autoritários que buscaram demostrar o acerto das previsões por meio da imposição de limites à liberdade. Por outro lado, o professor Goldemberg busca mostrar os limites das decisões humanas, condicionadas que estão por considerações facilmente estabelecidas mas pouco conhecidas em geral, com o conhecimento existente atualmente.

Os artigos individuais estão organizados em seis grandes temas que, sabemos, foram objeto de interesse (e de responsabilidade, nos inúmeros cargos públicos que ocupou em sua carreira) do professor Goldemberg.

No capítulo sobre Ciência, os artigos nos lembram a forma como a ciência evolui, com o respeito absoluto à observação da natureza e a busca das anomalias, ainda que sutis, em relação ao que era esperado, pois é da análise dessas anomalias que é gerado conhecimento. Discorre o autor sobre a interação, nem sempre fácil, entre a ciência e o poder político, e apresenta reflexões sobre como a ciência poderia melhor contribuir para o bem-estar da população do Brasil.

Os artigos sobre Meio Ambiente e Clima, temas com ampla discussão na imprensa, servem para trazer um pouco de sobriedade ao debate que, por sua intensidade, acaba incluindo erros de avaliação. O professor Goldemberg foi dos primeiros brasileiros a chamar a atenção para o fato de que a mudança do clima provocada pelo homem passaria a ser um tema de importância crescente no futuro – isso no final da década de 1980. Como registro histórico, foram os seus comentários que me levaram a prestar atenção à mudança do clima além da previsão de tempo e clima (na época eu me dedicava à criação do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Inpe). Seus artigos sobre o tema, ainda que não muito numerosos, representam uma avaliação muito precisa dos desafios que teremos de enfrentar nesta área.

O tema da Energia é tratado de forma difícil de encontrar em outros textos. A população em geral tem alguma dificuldade em perceber a diferença entre energia e potência.Alguns profissionais do setor seguem paradigmas predefinidos sem atentar para o fato de que existem potencialmente alternativas disponíveis com relativa facilidade. É o caso, por exemplo, do uso do bagaço de cana para gerar energia elétrica. Lembro a frase usada pelo professor Goldemberg em seminários: “Há uma Itaipu dormente nos canaviais paulistas”. A preocupação com energia é de todos nós, inclusive por seu impacto na economia, e pelos desdobramentos quanto à segurança de abastecimento de energia e impactos na mudança do clima. O tema é tratado de forma facilmente compreensível.

A Amazônia, região importante do Brasil e em geral vista através de mitos, passou a ser vista de forma sinóptica graças às sugestões do professor Goldemberg, na época reitor da USP, ao incentivar o Inpe a usar suas imagens de satélite para ver o que estava acontecendo por lá. Em muitos anos de trabalho, aos poucos os mitos são substituídos por conhecimento e formulação dos reais desafios associados ao ordenamento territorial de uma parte importante de nosso território. Os artigos sobre o tema resumem os aspectos que, por mais difíceis que sejam, precisam ser levados em conta no debate ainda em curso sobre a Amazônia.

Energia nuclear
Como a maioria dos físicos de sua geração, o professor Goldemberg dedicou-se ao tema da energia nuclear numa época em que, devemos lembrar, ela era vista como uma panaceia para muitos problemas da humanidade. Falava-se, por exemplo, em usar bombas nucleares para abrir um novo canal do Panamá, e isso era visto como algo natural. A experiência acabou mostrando as limitações impostas pelo comportamento humano. A lição dos artigos sobre este tema é de que a energia nuclear é um tema muito importante e que não pode ser tratado somente pelos especialistas e pelos interessados, mas sim pela sociedade como um todo. A leitura desse capítulo ajuda neste debate.

Por último, a série de artigos sobre a Universidade apresenta uma reflexão lisongeira e otimista sobre o papel que a universidade pode e deve ter no desenvolvimento econômico e social de nossa população. Faz neles uma defesa intransigente da necessidade de um sistema de meritocracia e de excelência em pesquisa para efetiva geração de conhecimento. Numa época em que o ensino universitário privado supera o público, o professor Goldemberg defende a necessidade de estender ao setor privado o requisito de que a universidade, para merecer este nome, deva ser não somente uma instituição que transmite o conhecimento de livros existentes, mas uma geradora de conhecimento, na melhor tradição da definição de universidade na Alemanha, onde o conceito foi originado.

Em resumo, recomendo que o livro seja lido por oficiais dos governos, se preferirem um artigo por dia no café da manhã. Mas também que seja lido por todos, quase como um manual de sobrevivência para enfrentarmos em melhores condições os desafios reais do século XXI.

*Luiz Gylvan Meira Filho é pesquisa­dor visitante do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo

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