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BIOQUÍMICA

O segredo das frutas maduras

Estudando o metabolismo das frutas depois de colhidas, equipe desvenda os processos bioquímicos que as tornam doces e macias. A pesquisa abre o caminho para mudanças que retardem o amadurecimento e o amolecimento

Será que os quadros de natureza-morta retratam de fato naturezas mortas? A resposta negativa surge inevitavelmente quando entramos no laboratório do professor Franco Lajolo, chefe do Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP): ali, bananas e mamões respiram normalmente em compartimentos com tubos, por onde absorvem oxigênio e soltam gás carbônico.

Esse é o cenário principal do projeto temático Transformações Bioquímicas Pós-Colheita e Qualidade de Alimentos e Matérias-primas. Iniciado há dois anos com financiamento da FAPESP, ele abrange dois temas: o adoçamento e a textura dos vegetais. Os resultados poderão permitir a produção de bananas mais (ou menos) doces. No caso da textura, o estudo das paredes celulares poderá ajudar a prevenir problemas inversos: amolecimento do mamão e endurecimento do feijão.As frutas são mantidas em condições controladas de umidade e temperatura, enquanto se recolhem amostras periodicamente para estudar o metabolismo delas à medida que amadurecem. Para sua preservação, as amostras ficam congeladas em nitrogênio líquido a 80 graus Celsius negativos.

Mais qualidade
As frutas estão “vivas”, inteiras ou cortadas, porque seus processos fisiológicos continuam depois da colheita, fazendo-as mudar de cor, cheiro, sabor e maciez. Coordenado por Lajolo, farmacêutico-bioquímico doutorado em Ciência dos Alimentos, o projeto busca desvendar as atividades metabólicas nessa fase – ou seja, descobrir tudo o que acontece nas frutas desde a colheita.As frutas são de procedência conhecida e os pesquisadores acompanham seu desenvolvimento desde que surge a flor. “Temos o controle da vida do fruto, para poder fazer todas as comparações necessárias”, diz a química Beatriz Rosana Cordenunsi. São feitos controles de umidade, temperatura e respiração, bem como estudados os compostos químicos e a dosagem de carboidratos, açúcares, amido, sacarose e frutose, entre outras substâncias.

Lajolo está otimista com os resultados jáobtidos. Explica que as frutas ficam doces porque seus carboidratos mudam e macias porque há alterações nas paredes celulares da polpa. São diversas as transformações bioquímicas em estudo. Altamente coordenadas, essas modificações se relacionam à ação de enzimas e têm participação de hormônios. “A idéia do projeto”, diz ele, “é saber o que controla essas transformações, qual o mecanismo e as bases moleculares envolvidas nesse processo. Por isso estamos estudando mais a fundo os mecanismos associados aos carboidratos (para o adoçamento) e à parede celular (para a textura), que são parâmetros importantes de qualidade.” Quando se conhecer bem todo esse processo, será possível desenvolver tecnologias que aumentem a qualidade e a durabilidade dos frutos.

Enzimas adoçam banana
Para o adoçamento, a pesquisa se concentrou na banana (Musa paradisiaca), considerada um bom modelo do metabolismo de carboidratos: é fácil acompanhar seu amadurecimento, por exemplo, pelas sucessivas mudanças de cor. Enquanto amadurece, sua respiração se acelera. Além disso, seu consumo de oxigênio cresce à medida que as mudanças aumentam. Medindo a respiração, os pesquisadores captam os sinais do trabalho interno de amadurecimento.

A equipe já fez descobertas importantes. A banana é composta por cerca de 20% de amido, que no amadurecimento se transforma em açúcar: isso ocorre porque várias enzimas agem sobre os grãos de amido e os degradam, enquanto outras enzimas os transformam sintetizando a sacarose (uma das formas naturais do açúcar). “Uma dessas enzimas, a SPS (sacarose-fosfato sintase), interessou-nos particularmente. O que nós vimos – e que não se sabia – é que, no processo de amadurecimento, essa enzima tem a quantidade aumentada por ativação do respectivo gene: então, é ela que pode controlar a síntese da sacarose”, conta Lajolo.

Ele revela que outra enzima, a sacarose sintase (SS), também pode atuar na formação da sacarose, mas não se sabia como intervinha no processo. Agora se sabe que na banana a SS não participa da síntese da sacarose: enquanto o gene da enzima SPS é ativado, o da SS é desligado.

Genes seqüenciados
Outra conquista possibilitou essas conclusões. “Um dos resultados inéditos do trabalho foi a clonagem e o seqüenciamento dos genes da enzima SPS da banana bem como da SS”, ressalta João Roberto Oliveira do Nascimento, também farmacêutico-bioquímico, doutorado em Ciência de Alimentos e que trabalha na área de biologia molecular do projeto. Ele isolou e clonou o pedaço de DNA (ácido desoxirribonucléico) que contém o código para essas enzimas. Os fragmentos de DNA foram seqüenciados e então se pôde determinar a fórmula desses genes.

“O que nós percebemos sobre a SPS é que, quando a banana amadurece e produz bastante açúcar, durante dois, três dias, vemos um aumento da quantidade de RNA (ácido ribonucléico), sinal de que aquele gene está sendo ativado”, resume Nascimento. Esse resultado foi confirmado por análises com anticorpos produzidos contra as proteínas do fruto previamente purificadas. O grupo continua a estudar a função das demais enzimas que quebram as moléculas dos grãos de amido, fornecendo substrato para a síntese do açúcar.

Também já foram parcialmente obtidas as seqüências dos genes de fosforilases a e b amilases. Resultados iniciais com sondas de DNA e anticorpos mostram que a atividade de algumas enzimas depende da ativação de genes no amadurecimento, enquanto a de outras (como a fosforilase) não.

Por dentro da célula
A metodologia básica é avançada: microscopia eletrônica, sondas de DNA, anticorpos, espectrometria de massa. Mas nemtudo precisa ser tão sofisticado, e um exemplo são os modelos que o grupo desenvolveu.Beatriz Cordenunsi, doutorada em Ciência de Alimentos e responsável pelos estudos bioquímicos do adoçamento, explica: “Pegamos a banana, limpamos bem por fora para que não haja contaminação e a colocamos em caixas especiais numa temperatura controlada. No recipiente, há uma série de tubos para entrada e saída de ar. O ar que sai passa por um aparelho, onde é medida a respiração do fruto.”

Outro modelo de estudo usa fatias de banana. Os pesquisadores infiltram nas fatias substâncias que interferem no metabolismo, para posterior estudo das reações. Aqui, outra descoberta: as infiltrações com os hormônios vegetais ácido indol-acético e ácido giberélico atrasaram o amadurecimento da banana. Verificou-se que eles afetam a expressão dos genes ligados à quebra do amido (a e b amilase).

Textura do mamão
Os estudos sobre textura estão sendo feitos justamente a partir do mamão (Carica papaya), que amolece com rapidez, além do feijão (Phaseolus vulgaris), que tende a endurecer depois de colhido. O mamão foi considerado um bom modelo pela evolução de sua textura: como em outros frutos tropicais, ele muda rapidamente depois da colheita e o amolecimento acelerado causa grandes perdas.Pouco se sabe sobre as bases bioquímicas desse amolecimento, mas a equipe resolveu concentrar-se na parede celular. “Estamos associando a estrutura química da parede celular e sua organização química com as enzimas que fazem todas essas transformações. E já vimos que há pelo menos uma enzima importante sintetizada no processo – a betagalactosidase (b-gal)”, adianta Lajolo.

Os pesquisadores amplificaram parte do gene dessa enzima, que foi clonado e seqüenciado. Revelou-se que no amadurecimento aumenta a atividade dessa e de outras enzimas – pectinametilesterase (PME), poligalacturorase (PG) e celulase. Constatou-se que radiações ionizantes (com raios gama) atrasam em dois dias o início do amadurecimento e também retardam o aumento da presença dessas enzimas (exceto a celulase) – ou seja, retardam o amolecimento.Estudos de imunolocalização, desenvolvidos em colaboração com o John Innes Center (do Reino Unido), são feitos com anticorpos específicos e microscopia eletrônica. Eles estão mostrando os locais na parede celular e na lamela média, onde ocorrem modificações estruturais associadas a essas enzimas.

Já com o feijão, freqüentemente armazenado nas condições de umidade e temperatura elevadas que prevalecem em grande parte do país, ocorre o endurecimento pós-colheita. Então, sua reidratação fica difícil e o tempo necessário ao cozimento aumenta. “Há prejuízo sensorial, nutricional e econômico”, ressalta Lajolo. No caso, estuda-se a evolução dos processos nas paredes celulares, cujos polissacarídeos são isolados para estudo de sua composição. Não há conclusões decisivas, mas a pesquisa aponta o ácido ferúlico e a extensina como possivelmente envolvidos no processo de endurecimento.

Transgênicos
“Com esses estudos, estamos dando a base para que possam ser desenvolvidos novos processos de conservação e de qualidade dos frutos, até o limite de propiciar o desenvolvimento de novas variedades por engenharia genética”, admite Lajolo. Ele diz nada ter contra produtos transgênicos, pois considera importante usar os avanços disponíveis para criar novas variedades, aumentar a vida útil e melhorar a qualidade dos alimentos. “Do ponto de vista de segurança, não há evidências científicas de risco à saúde.”

O trabalho também poderá influir no setor de alimentos semiprocessados – caso dos vegetais já descascados, cortados e embalados -, que são mais perecíveis. Assim, é importante saber como o fruto amadurece não só inteiro, mas também quando semiprocessado, para aumentar sua vida útil e sua qualidade.

PERFIL:

Franco Maria Lajolo, 59 anos, formado em Farmácia e Bioquímica pela USP, fez pós-doutorado em Bioquímica de Alimentos no Massachusetts Institute of Technology (MIT), dos Estados Unidos, é professor de Ciência de Alimentos e Nutrição Experimental e responsável por várias disciplinas de graduação e de pós-graduação na USP.

Projeto : Transformações Bioquímicas Pós-Colheita e Qualidade de Alimentos e Matérias-primas
Investimento : R$ 180.245,97 e US$ 345.645

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