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CRIAÇÃO ANIMAL

O valor do conforto ambiental

Pesquisa contorna as perdas de produtividade causadas pelo calor

Para os animais, o calor é um tormento. Se vivem soltos, procuram a sombra de uma árvore. Quando confinados em granjas ou criatórios, pouco podem fazer. No verão, quando a temperatura chega a 30º Celsius, as galinhas põem menos ovos, as vacas produzem menos leite e os porcos perdem peso. Estima-se que as perdas em produtividade cheguem a US$ 50 milhões a cada semana de calor contínuo, sem nada que refresque os animais. A experiência ensinou que soluções imediatas nem sempre resolvem, como ocorreu há dois anos com um grupo de granjeiros paulistas. Compraram nebulizadores, que espalham vapor de água sobre as galinhas, mas logo se viram desesperados, à medida que as aves caíam mortas pelo excesso de umidade relativa do ar. Os criadores começaram a ver que os ajustes nos aparelhos e nas próprias instalações eram indispensáveis.

Atento justamente aos detalhes do conforto térmico, essencial à manutenção da produtividade dos animais, um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) pode agora ter a chave que faltava para estancar a sangria produtiva provocada pelo calor desenfreado. Ao encerrar o projeto Avaliação biofísica de sistemas utilizados em criação industrial de animais, iniciado há três anos com um financiamento de R$ 35.079,00 da FAPESP, Irenilza de Alencar Nääs apresenta uma série de recomendações que, uma vez assimiladas, poderá assegurar o conforto térmico e a lucratividade da produção animal. Evidentemente, os ganhos serão maiores nas criações em que os cuidados ambientais ainda não estejam implantados com rigor.

“O resultado do trabalho de campo é que valida a pesquisa”, diz Irenilza, professora do Departamento de Construções Rurais da Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp. Um grupo de cerca de 40 criadores de galinhas, porcos ou bovinos – não apenas das proximidades de Campinas, mas também de Pouso Alegre e outras cidades do Sul de Minas – aceitaram correr os riscos da experimentação científica. Convencidos de que as melhorias são necessárias, cedem o espaço e dão aos pesquisadores liberdade para mudarem o que acharem necessário, desde que os animais não se abatam mais com o calor. Dessa etapa, ao lado da equipe da Unicamp, participam especialistas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (USP) e da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Jaboticabal.

Estudiosos e inventores
Após examinar o ambiente, os cientistas sugerem que os criadores reduzam ou aumentem a altura das paredes ou instalem cortinas, que podem ser abertas ou fechadas de acordo com as necessidades térmicas. São meticulosos a ponto de alterarem até mesmo o ângulo de colocação dos ventiladores, para que o vento não desvie a nebulização que deve cair sobre os animais. Não se limitam aos conselhos. Também criaram e implantaram dispositivos que contribuem com o conforto térmico dos animais. Um deles são tubulões plásticos, com 12 centímetros de diâmetro, associados a uma bomba de refrigeração, que conduzem ar refrigerado até o cocho de matrizes suínas. Nada muito inovador, pois esse processo, chamado resfriamento evaporativo, já era utilizado em bovinos leiteiros. Funcionou.

Deu certo também outra invenção dos pesquisadores, o poleiro refrigerado, criado a partir da constatação de que pelo menos 30% do calor que as aves trocam com o ambiente ocorre a partir dos pés – nada mais lógico, portanto, do que refrescar os pés das aves poedeiras, em vez de providenciar o arejamento de todo o aviário. Esse poleiro, um cano pelo qual passa água fria, atravessa as gaiolas ao longo do corredor da granja. Mas foi o bastante, segundo a pesquisadora, para permitir um aumento de 1,72% na produção de mil aves manejadas em um dos casos estudados. A produtividade elevou-se, mas somente quando esse ganho chegar a 4% é que a lucratividade estará assegurada, alerta a pesquisadora.

As respostas que marcam a conclusão desta etapa da pesquisa têm despertado o interesse dos produtores, que solicitam continuamente as sugestões dos especialistas da Unicamp. Muitas vezes, partem dos próprios especialistas a iniciativa de promover palestras em associações de criadores, às vezes com centenas de interessados. Como indicação desse entrosamento, neste final de ano quase não parava de tocar o telefone das salas de pesquisa da Unicamp – eram produtores em busca de soluções que assegurem a produtividade dos animais no verão que se inicia.

O trabalho amadurecido nos últimos anos partiu do livro Princípios de conforto térmico na produção animal, de 1989, que a pesquisadora elaborou a partir de informações de outros países, já com adaptações para as condições brasileiras, destinado aos estudantes sobretudo de engenharia agrícola. Naquela época, lembra ela, as fórmulas de cálculo do conforto térmico eram mais simples. “O produtor ainda não sentia no bolso as perdas de produtividade, porque as margens de lucros eram muito grandes”, diz. A situação hoje é outra: para a criação sobreviver, as perdas de produtividade devem ser reduzidas ao mínimo.

Com essa finalidade, já se investiu bastante em nutrição e genética, que permitiram o desenvolvimento de variedades mais resistentes e de crescimento mais rápido. Falta agora, na opinião da pesquisadora, dar mais atenção à chamada ambiência ou bioclimatologia animal – um conjunto de fatores climáticos, como Sol, chuva, vento ou brisa, que influenciam nas condições ambientais internas e, se bem regulados, geram o conforto térmico, a temperatura ideal na qual não há estresse do organismo.

Os pesquisadores, ao relacionarem temperatura ambiental, a umidade, a circulação de ar e as trocas de calor entre os animais, tornaram multidisciplinar um estudo que normalmente é conduzido de forma isolada. A Biologia aliou-se a campo da Física, a termodinâmica, abundante em fórmulas matemáticas que indicam como ocorre a troca de calor entre os organismos e o ambiente. Puderam assim compreender a fundo o sistema homeotérmico dos animais, que regula a troca de calor com o ambiente e faz com que os animais transpirem e se movimentem mais ou menos de acordo com a temperatura externa.

Quando os animais gastam energia em excesso para chegar ao conforto térmico – por meio da eliminação de água por meio da respiração, do suor ou da urina ou do aumento da freqüência respiratória e da transpiração, por exemplo -, a produção cai ou perde qualidade. Os limites, lembra a pesquisadora, são bem definidos: vacas leiteiras que produzam menos de 25 litros por dia já estão dando prejuízo ao criador. Do mesmo modo, leitões desmamados sem atingir o peso ideal, de três a cinco kg aos 21 dias, jogam por terra o retorno dos investimentos em melhor nutrição e instalações. No caso das granjas, como a pesquisa atestou, o microclima interfere na resistência das aves a doenças e na formação da casca dos ovos.

Condições específicas
Com base nos conceitos e nos padrões matemáticos de conforto térmico, a equipe da professora Irenilza comprovou que não adianta simplesmente abrigar os animais com o equivalente a uma boa sombra, pois cada tipo de criação exige um microclima, instalações e manejo específicos. O acompanhamento da temperatura corporal em situação de normalidade ambiental ou em condições adversas, como o calor ou frio intensos, permitiu o aprofundamento dos estudos e, por fim, culminou com a elaboração de modelos e de índices de conforto térmico próprios para a criação de aves, suínos e bovinos leiteiros, dentro e fora das instalações em que vivem.

No caso da avicultura, um dos resultados desse trabalho é a verificação de que a faixa de conforto térmico situa-se entre 22ºC e 24ºC. Mais do que a uma solução, Irenilza chegou, sim, a um impasse. Segunda colocada no mercado nacional de proteínas de origem animal, após a bovinocultura, a criação de aves tem promovido um superadensamento de aves nas granjas, com a finalidade de produzir mais carne e ovos. No mesmo espaço onde há alguns anos conviviam dez aves, agora há vinte. O desafio é como manter a boa circulação de ar e a temperatura ideal dentro do aviário já que as aves, mais próximas, trocam mais calor entre si e com o ambiente. Cada ave, ensina Irenilza, gera calor numa equivalência de potência de 20 Watts. Portanto, um lote de 20 galinhas por metro quadrado equivale a 400 Watts, como se nesse espaço houvesse quatro lâmpadas incandescentes de 100 Watts.

Ela sabe que seu trabalho pode promover reviravoltas nos padrões de manejo por mostrar também que não se deve descuidar da amônia, o gás formado a partir dos excrementos e da urina das aves. “O adensamento das aves está diretamente relacionado à concentração de amônia, cujo poder corrosivo compromete a sanidade respiratória e parte das carcaças das aves no abate”, diz Irenilza. A ventilação adequada resolve o problema, embora deixe em aberto as conseqüências da aglomeração das aves.

Conseqüências
No caso das aves poedeiras, o desconforto térmico é uma das causas da baixa eclosão e da malformação dos ovos, com impacto imediato sobre a produtividade e a lucratividade. Regulando o conforto térmico, os pesquisadores começaram a lidar melhor com esse tipo de problemas. As intervenções se tornaram mais eficazes a partir do momento em que concluíram qual o manejo mais adequado para cada fase do desenvolvimento das aves. Para apresentarem um bom crescimento, por exemplo, os pintinhos, as aves de um dia que normalmente viram frango de abate, precisam de aquecimento controlado.

Um dos trabalhos práticos evidenciou a diferença entre o sistema de ventilação controlada e aquecimento do tipo estufa, com cortinas plásticas, e o aquecimento convencional, a gás, revestido com placas de madeira. Com o uso da estufa, a temperatura ambiental oscilou menos. As aves apresentaram um peso médio praticamente igual ao das manejadas convencionalmente, mas a uma taxa mais eficaz de ganho de peso e com menor índice de mortalidade.

Irenilza conta que, de modo geral, a nebulização do ambiente é de fato um dos recursos possíveis para a manutenção do conforto térmico, não apenas para as aves, mas também para os suínos e bovinos. Mas há um detalhe: a água retira calor do corpo dos animais somente no estado gasoso. Não adianta, portanto, regar ou aspergir água sobre os animais – na forma líquida, a água aumentará a umidade, que prejudica imensamente a respiração dos animais. Para a suinocultura, a pesquisa da Unicamp aponta para uma profunda revisão das instalações ainda utilizadas. Segundo Irenilza, salas com pé-direito baixo, janelas pequenas e piso que facilitam a formação de umidade são um convite ao prejuízo. Nessas condições, o ar circula mais lentamente, gerando a rápida saturação do ar, que se torna assim impróprio para as trocas térmicas.

Em uma granja comercial de Campinas, Marilena, com 350 matrizes suínas, os pesquisadores implantaram sistemas de manejo diferenciados de ventilação em três etapas da criação suína. As 36 matrizes em gestação acomodam-se em uma ala nova, com pé-direito mais alto, mas paredes mais baixas que as habituais, de até um metro e meio de altura, e sem janelas. A construção permite assim o uso de cortinados, reguláveis de acordo com o clima. A pesquisadora da Unicamp mostra por que vale a pena cuidar do conforto térmico dos suínos: o acréscimo no peso na desmama equivale a um rendimento de um leitão a mais por matriz ou cerca de três toneladas a mais de carne num rebanho de 350 animais.

Na outra ala da criação, o setor de maternidade, as condições térmicas constituem um desafio aos pesquisadores e ao próprio criador. Para os filhotes, a temperatura deve permanecer entre 28 e 30º Celsius, um pouco mais alta do que a indicada para o conforto térmico da matriz, entre 22 e 24º C. Mas também é importante manter o conforto térmico para as genitoras, pois elas é que vão produzir o leite para os filhotes. A solução encontrada pelos pesquisadores para conciliar as condições ideais a família toda foi a mesma utilizada em rebanhos de gado leiteiro: os tais tubulões de PVC despejam ar refrigerado sobre a cabeça dos animais adultos, de modo a abaixar a temperatura corporal. “Os animais se sentem confortáveis e os filhotes ganham peso”, explica a engenheira agrícola Patrícia Souza, filha de criadores de Minas Gerais, doutoranda em construções rurais e ambiência, que integra a equipe da professora Irenilza, ela própria uma alagoana, filha de pai cearense e mãe paraibana, amboscom família e intensa convivência no campo.

Para os rebanhos leiteiros, compostos no Brasil geralmente por animais da raça holandesa, os estudos apontam de saída um paradoxo, aparentemente de difícil solução: a faixa térmica ideal varia de 5 a 24º Celsius, algo quase impossível no Brasil, onde os dias amanhecem já com temperaturas próximas a 18 graus. Para que os animais vivessem confortavelmente, seria preciso que o inverno durasse o ano todo. A situação só não é assim tão crítica, lembra a pesquisadora, porque existe a aclimatação, que permite os animais se adaptarem – ainda que de maneira inadequada – às condições locais, depois de várias gerações.

Aos poucos, verificaram que os animais de melhor linhagem, resultantes de uma boa seleção genética, responderam com um ganho reduzido de produtividade, ainda assim da ordem de 60%, à medida que se ajustavam as condições de conforto térmico. Segundo Irenilza, o potencial máximo de produção pode chegar a 85% ou até mesmo a 100%, ou seja, dobrar. Em rebanhos de baixo rendimento genético, portanto de baixa produtividade leiteira, o impacto da ventilação manejada, com ventiladores associados à nebulização, mostrou-se maior, com ganhos de produtividade de até 25% acima dos 60% usuais. Segundo a pesquisadora, as mudanças implantadas pelos pesquisadores em criações de médio porte ao redor de Campinas, em São João da Boa Vista (SP) e Pouso Alegre (MG) propiciaram uma melhoria de 20 a 28% na produção de leite, de 8% no índice de parição e de 12% resistência à mastite, fatores ligados a uma melhor resposta hormonal e imunológica.

Irenilza espera mostrar pelo menos a importância da prudência e da vigilância constante e dos limites da tecnologia. Num caso dramático, ocorrido há dois anos, um criatório mantinha 380 avós de frango de corte, material genético precioso, cada uma custando de R$ 300 a R$ 400, em condições ótimas de conforto térmico. Havia dois sistemas de segurança com alarmes que deveriam funcionar caso a temperatura excedesse os limites previstos. Mas, num dia de calor intenso, quando deveriam entrar em ação, o primeiro equipamento falhou e o outro, que deveria dar o alarme geral, ficou mudo – o terminal do relê havia sido envolvido por um casulo feito por abelhas. Quase 300 morreram de calor.

Irenilza de Alencar Nääs, formada pela Faculdade de Engenharia Civil da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), fez o mestrado em Engenharia Agrícola na Universidade Politécnica do Estado da Califórnia e o doutorado em Engenharia Agrícola, na área de Ambiência e Construções Rurais, na Universidade de Michigan, também nos Estados Unidos. É professora do Departamento de Construções Rurais da Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp desde 1990 e membro do Clube de Bolonha, uma comissão de especialistas que assessora os países da União Européia.

Projeto
Avaliação Biofísica de Sistemas Utilizados em Criação Industrial de Animais
Investimento
R$ 35.079,00

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