De San Pedro de Atacama – Depois de 15 anos de planejamento e construção, a um custo de US$ 1,4 bilhão, o maior projeto de observação astronômica erigido em terra firme foi inaugurado hoje em San Pedro de Atacama, nos Andes chilenos, a cerca de 1.600 quilômetros ao norte da capital Santiago. O Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (Alma) entrou oficialmente em operação com o objetivo de desvendar os primórdios do Universo, a Idade das Trevas do Cosmo, quando as primeiras estrelas, galáxias e planetas se formaram.
O Alma é um conjunto de 66 antenas de rádios instaladas no platô de Chajnantor, a 5 mil metros de altitude, que podem funcionar de forma conjunta sincronizada como se fossem um único radiotelescópio de 16 quilômetros. O empreendimento científico é uma iniciativa conjunta do Observatório Europeu do Sul (ESO) – do qual o Brasil faz parte –, do Observatório Nacional Radioastronomia (NRAO) dos Estados Unidos e do Observatório Nacional Astronômico do Japão (Naoj) em cooperação com o governo do Chile. A cerimônia de inauguração contou com a presença do presidente do Chile, Sebastián Piñera, entre muitas outras autoridades dos países envolvidos no projeto.
Do total de antenas do projeto, 57 já estão em funcionamento no platô, onde o ar rarefeito e o clima extremamente seco favorecem as observações astronômicas. As outras 9 se encontram no centro de operações do Alma, situado a 35 quilômetros de distância do Chajnantor, a uma altitude aproximada de 3 mil metros.
“O Alma é um telescópio que nos permitirá dar um zoom em objetos do Universo frio e distante, com uma sensibilidade de 10 a 100 vezes maior do que a que temos disponível hoje”, afirmou o holandês Thijs de Graauw, atual diretor do observatório. O conjunto de radiotelescópios capta uma porção (invisível a olho nu) do espectro de luz com comprimentos de onda entre 0,32 e 3,6 milímetros. A luz nesses comprimentos de onda vem de grandes nuvens frias do espaço interestelar, onde a temperatura é apenas alguns graus acima do zero absoluto, e de algumas das mais antigas galáxias do Universo. Ela pode ser usada para estudar a composição química e a física de regiões densas em gás e poeira onde novas estrelas estão sendo formadas.
Frequentemente tais regiões são escuras e não podem ser observadas nas frequências da luz visível. No entanto, podem ser “vistas” de forma clara na parte do espectro de luz em que o Alma trabalha. “Os primeiros resultados do Alma são espetaculares”, afirmou Pierre Cox, que assumirá a direção do observatório em abril no lugar de Thijs de Graauw. Cox acredita que, no futuro, o observatório poderá detectar até a matéria escura, um misteriosa componente que representa 23% do Universo.
Resultados na Nature
Embora tenha sido oficialmente inaugurado hoje, o Alma está produzindo dados para trabalhos científicos desde setembro de 2011, quando começou a operar com um número reduzido de antenas, em geral 16. Os primeiros estudos com dados coletados lá começaram a ser publicados no ano passado. Os resultados mais interessantes ganham as páginas de revista Nature que circula com a data de amanhã (14/3).
Uma equipe liderada por pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), Estados Unidos, mediu com o Alma, no comprimento de onda ao redor de 3 milímetros, a distância de 26 galáxias longínquas e poeirentas, onde havia grande formação de novas estrelas, e descobriu que elas estavam mais longe e eram, portanto, mais velhas do que se pensava. “Quanto mais distante estiver uma galáxia, mais longe no tempo a estamos vendo. Por isso, ao medir distâncias, podemos reconstruir a linha cronológica de quão vigorosa é a formação estelar no Universo nas diferentes épocas da sua história de 13,7 bilhões de anos”, disse Joaquin Vieira, do Caltech, principal autor do artigo.
Os pesquisadores viram que, em média, os picos de formação estelar ocorreram 12 bilhões de anos atrás, 1 bilhão de anos mais cedo do que se supunha. Duas dessas galáxias são as mais distantes deste tipo já observadas. Tinham 12,7 bilhão de anos. Numa outra galáxia, os astrofísicos detectaram moléculas de água. Segundo os autores do trabalho, essa é a evidência mais longínqua de água já identificada no Universo.
“Antigamente, a radioastronomia era só para especialistas”, disse a astrofísica Beatriz Barbuy, da Universidade de São Paulo (USP), que esteve na inauguração do Alma como representante do Brasil. “Hoje os astrofísicos têm de aprender a trabalhar com todos os comprimentos de ondas.”
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