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Prêmio

Oralidade e drama existencial marcam obra de vencedor do Nobel de Literatura

O escritor e dramaturgo norueguês Jon Fosse lota teatros e escreve em um idioma oficial que é pouco falado no país

Tom A. Kolstad / Det Norske Samlaget

O escritor, dramaturgo, poeta e tradutor norueguês Jon Fosse foi reconhecido com o Prêmio Nobel de Literatura de 2023. Nascido em 1959, o autor escreve em nynorsk, ou neonorueguês, um dos dois idiomas oficiais da Noruega. A Academia Sueca atribuiu o prêmio à prosa inovadora do autor, ao fato de sua literatura “dar voz ao que não pode ser dito” e pela “ação dramática que expõe a ansiedade e as ambivalências do ser humano”.

Fosse escreveu mais de 50 obras, incluindo também contos e livros infantis, que foram traduzidas para cerca de 50 idiomas. Ele tem três livros publicados no Brasil: Melancolia (Tordesilhas, 2015), É a Ales (Companhia das Letras, 2023) e Brancura (Fósforo, 2023), este último sobre a história de um motorista que se perde na floresta e atola o carro. “Toda a ação transcorre enquanto o personagem se senta e levanta de uma pedra. Essa iniciativa banal é marcada por uma esfera de angústia, que também caracteriza as reflexões do personagem”, comenta Leonardo Pinto Silva, tradutor do livro. “Fosse tem a capacidade de fazer o que é próximo se tornar estranho e o que é estranho se tornar próximo. Em seus textos, ele é um escritor que canta a sua aldeia”, comenta Silva, ao apontar a tendência do autor norueguês em versar sobre o imaginário de sua cultura e sociedade local.

Utilizando um idioma marcado pela oralidade, o escritor iniciou sua carreira escrevendo prosa e poesia e só mais tarde começou a escrever peças teatrais. Em comunicado oficial, a Norla, a agência de fomento literário da Noruega, escreveu que “o ritmo musical e poético da língua é reconhecível em toda a obra de Fosse. Sua escrita é dramática e hipnotizante e as palavras são quase cantadas, explorando dramas da existência humana”. Tanto a Companhia das Letras como a Fósforo planejam editar outros livros seus em 2024.

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Fosse é natural de Haugesund, cidade costeira no sudoeste da Noruega onde a maioria das pessoas fala neonorueguês, usado por 10% a 15% da população. Na parte leste da Noruega, onde fica Oslo, prevalece o uso de outra variante do norueguês, que deriva do dinamarquês e é conhecida como “língua dos livros”. “A maioria dos escritores da Noruega escreve nesse idioma, como foi o caso de Henrik Johan Ibsen [1828-1906], o dramaturgo e poeta mais conhecido da Noruega”, compara Silva. Segundo o tradutor, outros autores que escrevem em neonorueguês são Tarjei Vesaas, que teve a obra O castelo de gelo lançada pela editora Todavia em 2023, e o poeta Olav Håkonson Hauge (1908-1994), que não tem livros publicados no Brasil.

A estreia de Fosse na literatura aconteceu em 1981, com a publicação de um conto em um jornal universitário. Em 1983, ele lançou seu primeiro romance, Raudt, svart (Vermelho, preto, em português). Outro trabalho importante do autor é o livro Trilogien – Andvake. Olavs draumar. Kveldsvævd, que foi traduzido em Portugal pela editora Cavalo de Ferro em 2021 sob o título Trilogia – Vigília. Os sonhos de Olav. Fadiga. A obra reúne três romances curtos sobre uma trágica história de amor na zona rural da Noruega. Por esse trabalho, ele recebeu o Nordic Council Literature Prize em 2015, um dos mais importantes prêmios literários de seu país. A mesma editora publicou Septologia, romance de 1,2 mil páginas dividido em sete volumes. “É uma história que se passa em sete dias e não tem um só ponto, somente no fechamento do livro. Nela, Fosse reinventa a sua língua”, observa Silva, que atualmente trabalha na tradução dessa obra para o Brasil.

Lucas Lazzaretti, que faz pós-doutorado sobre literatura e dramaturgia sueca na Universidade Federal do Paraná (UFPR), explica que Fosse é famoso na Noruega, especialmente por causa de sua obra teatral. “Ele é o autor que conta com mais montagens teatrais depois de Ibsen. Desde que escreveu sua primeira peça em 1994, ganha prêmios e lota teatros pelo país afora”, conta.

“Há uma tradição impressionista existencial que perpassa toda obra de Fosse”, analisa Lazzaretti, que também atua como tradutor de línguas escandinavas como dinamarquês e norueguês. Ele menciona uma de suas obras teatrais, Namnet (O nome), que trata da história de um casal que vai morar com os pais da esposa depois do nascimento do primeiro filho. “Toda peça gira em torno de problemas na comunicação familiar. O que na tradição latina poderia ser encenado como uma comédia bufona, nesse texto adquire um tom sério, violento e nervoso. As pessoas são sisudas e não se falam”, observa o pesquisador.

Para Lazzaretti, a obra de Fosse dialoga com o trabalho de Ibsen e de outros nomes da dramaturgia escandinava. No entanto, traz os temas para uma intimidade mais profunda e uma realidade mais sombria. “Muitos personagens de suas peças são conturbados ou alcoólatras”, pontua. O tradutor avalia que pelo fato de o país não contar com um campo de pesquisa estruturado sobre literatura escandinava, a obra de Fosse foi pouco estudada por pesquisadores brasileiros até hoje.

Tradutor de É a Ales, Guilherme da Silva Braga conta que teve seu primeiro contato com a literatura de Fosse em 2014, quando participou de um seminário sobre o autor durante um curso de verão realizado na Universidade de Bergen, na Noruega. “Na época, lemos o breve romance Morgon og kveld”, recorda. “Quando traduzi É a Ales tive de lidar com dificuldades que rondam não apenas esse, como também outros textos do autor: personagens lacônicos que mesmo sem dizer quase nada surgem em situações repletas de sentido; o apagamento de fronteiras entre passado, presente e futuro, bem como entre a vida e a morte”, explica. “No nível estilístico, a linguagem extremamente concisa e minimalista, caracterizada por uma série de repetições e quase-repetições circulares que criam um efeito hipnótico sobre o leitor, foi outro desafio.” Na visão de Braga, o Nobel deverá chamar a atenção para Fosse e também para outros autores nórdicos que permanecem inéditos no Brasil. Atualmente, ele trabalha na tradução de Trilogien – Andvake. Olavs draumar. Kveldsvævd, que será publicado em 2024 pela Companhia das Letras.

O prêmio concedido pela Academia Sueca é de 11 milhões de coroas suecas, ou o equivalente a cerca de R$ 5 milhões. Em 2022, a escritora francesa Annie Ernaux foi a autora premiada. Com uma obra considerada feminista, Ernaux trata de temas como aborto e erotismo, em narrativas com aspectos autobiográficos. Já em 2021, o vencedor foi Abdulrazaq Gurnah, romancista da Tanzânia que escreve em inglês. Fosse é o quarto norueguês a vencer o Nobel de Literatura, depois de Bjørnstjerne Martinus Bjørnson (1903), Knut Hamsun (1920) e Sigrid Undset (1928).

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