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Genética

Origem desvendada

Empresa cria software que torna mais precisos os exames de paternidade

MIGUEL BOYAYANResponda rápido: o que Pelé, Mick Jagger e o senador alagoano Renan Calheiros têm em comum? Simples: os três tiveram que se submeter a um teste de identificação de paternidade para reconhecer um filho (ou filha) nascido fora do casamento. O rei do futebol precisou admitir que era pai da santista Sandra Regina Machado, falecida no ano passado, aos 42 anos. O roqueiro britânico reconheceu Lucas, hoje com 8 anos, nascido de uma relação com a apresentadora de tevê Luciana Gimenez quando esteve no Brasil com a turnê Bridges to Babylon, em 1998. O presidente do Senado Federal assumiu, em dezembro de 2005, uma filha, hoje com 3 anos, com a jornalista Mônica Veloso. Os testes de paternidade por DNA surgiram no final dos anos 1990 e já ajudaram a desvendar a origem de muita gente e, agora, por meio dos esforços de uma empresa de biotecnologia brasileira, eles se tornaram bem mais confiáveis. Com sede em São Paulo, a Genomic Engenharia Molecular criou uma ferramenta computacional, disponível na internet para seus clientes, que permitirá desvendar casos complexos de paternidade, quando o suposto pai já morreu.

Para compreender o avanço proporcionado pela Genomic, criada em 1991, é preciso antes saber como são realizados os exames de investigação de paternidade por DNA com pais vivos. O primeiro passo é colher amostras do sangue da mãe, do filho e do provável pai. Em seguida, o DNA é extraído dos leucócitos, as únicas células sangüíneas dotadas de material genético, e é feita uma comparação entre o material genético dos três. Apenas para relembrar, o DNA, o ácido desoxirribonucléico, é a sede das informações genéticas herdadas dos pais e transmitidas aos filhos. As informações estão dispostas ao longo do cromossomo, em posições denominadas locos. Cada loco possui dois ou mais alelos (uma das várias formas de um gene), um deles herdado da mãe e outro do pai. O exame de paternidade é realizado por meio da análise de certo número de locos e seus respectivos alelos, que são semelhantes em pessoas com vínculo sangüíneo e tendem a ser diferentes em indivíduos não aparentados.

Quando o suposto pai está vivo, o exame de paternidade é mais simples, porque o laboratório responsável pela identificação tem em mãos o material genético dos envolvidos e faz a comparação dos locos e alelos. Por uma questão de confiabilidade, os laboratórios procedem a análise de diversos locos e geram um índice de paternidade para cada um deles, levando em conta a freqüência dos alelos na população brasileira. Depois calculam o índice de paternidade acumulado, que é o resultado da multiplicação desses índices de cada loco. Com isso, conseguem precisar quantas vezes o homem investigado tem chance de ser o pai biológico daquela criança em comparação com outro homem escolhido aleatoriamente na população. O passo final é transformar esse índice em uma probabilidade que indica a chance de um suposto indivíduo ser o pai biológico de outro.

Esses cálculos, no entanto, são bem mais complexos de ser executados quando o provável pai já morreu. “É preciso reconstruir o genótipo do morto, mas nem sempre é fácil extrair DNA de cadáveres e o custo de análise de ossadas é muito caro. Sem falar que a pessoa pode ter sido cremada”, explica o médico e bioquímico Martin Whittle, sócio-diretor da Genomic. Essas situações de exame de paternidade com pai morto ou ausente, explica o especialista, são muito comuns quando um homem rico morre e deixa uma filha ou um filho ilegítimo, que tem interesse em pleitear parte da herança. Nesses casos, a saída é recolher amostras do DNA de parentes do pai ausente, como seus pais, irmãos ou filhos biológicos, que compartilham com ele o mesmo material genético, e, a partir dessas informações, tentar reconstituir o DNA do falecido. “Os laboratórios até conseguem fazer a genotipagem dos envolvidos, mas não sabem como executar o cálculo de probabilidade de paternidade porque não há fórmulas matemáticas padrão para definir esse índice  quando o suposto pai já morreu”, conta Whittle. Segundo ele, o único software que permite tais cálculos, criado por uma instituição da Noruega, é pouco amigável e difícil de usar.

Para desenvolver essas fórmulas, a Genomic teve financiamento do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe) da FAPESP, principalmente para o desenvolvimento do software e compra de servidores, e fez parcerias com a consultoria paulista Supremum, especializada em modelagem matemática e estatística, e com um grupo de pesquisadores do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo, que usaram o conceito de redes bayesianas. Essas redes, baseadas em um teorema proposto pelo matemático britânico Thomas Bayes, em 1763, são um modelo de representação da realidade que trabalha com o conhecimento incerto e incompleto. O primeiro é aquele que apresenta deficiências de dados, podem ser inexatos, imparciais ou apenas uma aproximação da realidade – exatamente o caso da análise de DNA de uma pessoa que já morreu. Concluídos esses cálculos, o passo seguinte da Genomic foi criar uma ferramenta computacional e disponibilizá-la em seu site para os interessados.

Munidos de uma senha, os técnicos do laboratório do cliente entram na página da GenomicCalc (http://genomicalc.com.br) e criam uma espécie de perfil para o exame, definindo quantas pessoas serão analisadas e seu parentesco com o investigado. Em seguida, acrescentam os dados do material genético de cada um, preenchendo o número de alelos de cada loco a ser analisado. A partir daí, o próprio site faz todos os cálculos e fornece o índice de paternidade e a probabilidade. “Uma vantagem do nosso software, o primeiro do gênero disponível na internet, é que ele é capaz de fazer o cálculo com qualquer configuração de indivíduos aparentados ao suposto pai”, destaca Whittle.

“Nossos potenciais clientes são laboratórios nacionais e estrangeiros que trabalham com teste de paternidade, além de órgãos públicos.” Para ter acesso ao software, os interessados pagam cada exame ou fazem uma assinatura por determinado período. A de um ano custa R$ 8 mil e permite a realização de cem cálculos por mês.

O Projeto
Análise computacional de exame genético de paternidade (nº 02/07887-6); Modalidade Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe); Coordenador Martin Ritter Whittle – Genomic; Investimento R$ 382.883,00 e US$ 37.700,00  (FAPESP)

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