Imprimir PDF Republicar

Perfil

Os caminhos de uma invenção

Como Conrado Wessel desenvolveu um novo processo para fabricar papel fotográfico

Wessel em frente de sua fábrica, nos anos 1940: assédio de outras empresas

Wessel em frente de sua fábrica, nos anos 1940: assédio de outras empresas

A fórmula descrita, em 1921, como “novo processo para fabricação de material photographico, sensível à luz, para o processo positivo e negativo, à base de emulsões de saes de prata ou gelatina, albumina ou collodio, servindo de supportes para estas emulsões papel, vidro, celluloide ou qualquer outro supporte que seja appropriado” era o marco final de uma longa trajetória de pelo menos seis anos de pesquisa, mais cinco de aperfeiçoamento da descoberta e expectativa de aprovação oficial. Tratava-se da fórmula descoberta por Conrado Wessel (1891-1993) com a ajuda de seu pai e o apoio do professor de química da Escola Politécnica Roberto Hottinger.

A história começa dez anos antes, em Viena, setembro de 1911. Conrado Wessel acabara de chegar à Áustria para estudar no famoso Instituto K.K. Lehr und Versuchsanstalt, avançadíssimo na tecnologia gráfica, especialmente em fotografia. Sua pretensão era aperfeiçoar-se em fotoquímica e clicheria. Quem garantiu os recursos para isso foi o pai, Guilherme, que considerava a clicheria um segmento de muita perspectiva tendo em vista que em São Paulo, na época, só existiam três oficinas, a de João Baum, a de Wendel e a Riedel, todas com máquinas e processos primitivos.

O pai de Conrado era dono da Guilherme Wessel – Casa Importadora de Artigos para Photographia, aberta na rua Direita, 20, em 1902, e depois transferida para a rua Líbero Badaró, 48, provavelmente em 1905. Filho de pais alemães imigrados para Buenos Aires no século XIX, Guilherme teve seus dois filhos na capital argentina, mas decidiu tentar a sorte no Brasil um ano depois do nascimento de Conrado, em 1892, inicialmente na cidade paulista de Sorocaba. Embora a família Wessel fosse uma tradicional fabricante de chapéus em Hamburgo, Alemanha, Guilherme tinha fascínio por fotografia, paixão herdada por Conrado.

Em 26 de dezembro de 1908, a morte do filho Georg Walter, auxiliar do pai na loja, leva-o a propor ao filho mais novo assumir o lugar do irmão. Conrado, no entanto, preferiu “trabalhar no ramo fotográfico por conta própria”.

Guilherme decidiu fechar o estabelecimento e encerrar a atividade comercial. Mas convenceu Conrado a ajudá-lo de outra forma: aperfeiçoar-se na Europa e trazer o equipamento para ambos trabalharem em casa, com uma clicheria avançada. Enquanto isso, com o apoio de um amigo, H. Prault, Guilherme foi nomeado fotógrafo oficial da Secretaria da Agricultura, em 1909.

Em meados de setembro de 1911, Conrado estava estudando no Instituto K.K. Lehr und Versuchs Antstalt. Catorze dias depois de ter começado suas aulas, casualmente estava no instituto o professor Josef Maria Eder, um especialista em química aplicada à fotografia, fundador do Instituto para Fotografia e Reprodução Técnica, hoje conhecido como Höhere Graphische Bundes-Lehr-und Versuchsanstalt. Seu professor havia perguntado se Wessel já trabalhara com chapas secas. Ele disse que sim. Ato contínuo, recebeu um original para reproduzir. Eram chapas que Wessel não conhecia, muito rápidas na secagem. Ao observá-las, calculou apenas cinco segundos para exposição. Quando Wessel mostrava ao seu professor as reproduções que havia feito, Eder as viu e “disse que estavam muito boas e se via que eu já tinha trabalhado”. A partir disso, os trabalhos mais difíceis, em especial os destinados aos livros de Josef Maria Eder, quem passou a fazer foi Wessel. Ganhou a confiança do seu professor, que o convidou a ir aos sábados ajudá-lo no laboratório. Foi aí que ele encontrou a real oportunidade para iniciar a pesquisa de seu invento.

Conrado com os pais, Guilherme e Nicolina: apoio familiar

Conrado com os pais, Guilherme e Nicolina: apoio familiar

Meio ano mais tarde, como registrou em 3 de novembro de 1912, já conseguia um primeiro resultado. “Eu vou fazer na escola umas experiências como segue: emulsão com Farbstoff Auto, R, B, G, I [tipos de tinta]. Também vou comparar uma chapa feita com emulsão amarela e uma feita com agente banhado a collodion. Vai ser interessante estudo, que os professores mesmos não me podem dizer o resultado. Creio que esta experiência me dará um resultado que talvez aproveitarei na prática”, relatou.

Depois do período em Viena, ele voltou para São Paulo, antes da Primeira Grande Guerra, em 1914. Trazia na bagagem do navio as máquinas e instrumentos que conseguiu adquirir na Áustria, na França e na Alemanha, uma clicheria completa que aqui instalou para seu pai na rua Guayanases, 139.

Wessel, no entanto, logo percebeu que precisava estudar muito mais do que o fizera na Europa. Conseguiu, por influência de Guilherme, inscrever-se na Escola Politécnica como aluno ouvinte e a cursou durante os anos de 1915 a 1919. Lá tornou-se amigo e auxiliar de laboratório do famoso médico veterinário e químico Roberto Hottinger, titular da cadeira de bioquímica, físico-química e eletroquímica do curso de engenharia química. Hottinger confiava-lhe a preparação do laboratório nas aulas práticas. E o incentivava a continuar em sua pesquisa.

Novamente, o laboratório foi-lhe extremamente útil – e a influência de Hottinger, providencial. Passado mais um ano, os resultados já eram suficientes para acreditar na fórmula. Como compartilhava sempre com o pai seus trabalhos, este se preocupou em patentear o invento o quanto antes, assim que a “fórmula” original se definisse, não obstante fosse necessário ir aperfeiçoando-a.

Já em 10 de novembro de 1916 seu pai consultava a empresa International Patent Agency, de Moura & Wilson, “agentes de privilégios” do Rio de Janeiro, para informar-se sobre como requerer a patente. Em 13 de novembro de 1916 a Moura & Wilson responde. A empresa se dispõe a se encarregar de requerer o privilégio desde que fossem remetidos, já preparados, “todos os papeis, como sejam relatorio, desenhos, etc., mediante a quantia de Rs 220$000”. É prometido “um abatimento de Rs 30$000” sobre o preço usual. “Junto lhe remettemos nossa circular a qual ministrará a V.S. todas as informações necessarias para o preparo dos papéis”, segundo respondeu a empresa.

Com equipamento fotográfico

Com equipamento fotográfico

Todas as exigências foram, aos poucos, cumpridas. Levou-se um tempo para a papelada ser devidamente preparada. No final de 1920 já fabricavam o novo papel com sucesso e originalidade. No dia 19 de fevereiro de 1921 foi depositado o “pedido de privilégio” no Ministério da Agricultura. E no início de maio de 1921 o ministro da Agricultura despachou favoravelmente o pedido.

Em 26 de outubro de 1921, Epitácio Pessoa, então presidente da República, assinou a carta-patente do novo papel fotográfico – no mesmo ano Wessel instalou a fábrica de papéis fotográficos na rua Lopes de Oliveira, 198. A caminhada para o total sucesso do empreendimento ainda não estava terminada. O inventor teve de aperfeiçoar a produção até conseguir um papel confiável para o mercado e vencer a resistência inicial dos fotógrafos, seus clientes potenciais, o que ocorreu em definitivo a partir de 1924.

Uma vez ultrapassados os obstáculos, a produção cresceu o suficiente para que fosse comprado um prédio maior para a fábrica. Wessel começou a ser assediado por empresas estrangeiras até que em 1949 o inventor e empresário firmou um contrato com a Kodak garantindo para ela quase a totalidade de sua produção por muitos anos com o nome Kodak-Wessel. A partir de 1954 a patente passou definitivamente à companhia norte-americana. Naquele momento o pioneiro da indústria nacional já havia consolidado seu patrimônio, a raiz das ações que a Fundação Conrado Wessel desenvolve a favor da arte, da ciência e da cultura.

Republicar