A FAPESP conclui mais uma etapa da estratégia de aproximação do sistema de ciência e tecnologia com a sociedade, ao anunciar, no dia 7 de outubro, os 61 primeiros projetos aprovados do Programa de Pesquisas em Políticas Públicas (PP). Lançado no ano passado, o mais novo programa da Fundação faz parte de um plano de desenvolvimento de pesquisas que possam atender a demandas sociais concretas, iniciado há quatro anos com o Programa de Parceria para Inovação Tecnológica, que coloca em interação universidades e indústrias, e logo seguido por outros dois, o de melhoria do Ensino Público e o de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas.
Como os anteriores, o PP será regido pelo esforço de resolver problemas iminentes e relevantes. Terá, porém, uma abrangência maior. As pesquisas devem beneficiar a formulação e a implantação de políticas públicas em diversas áreas, como administração e gestão, ambiente, agricultura e pecuária, educação, saúde, cultura e história, entre outras. Os projetos aprovados, selecionados entre as 226 propostas recebidas, pretendem avaliar, por exemplo, o uso atual e o uso potencial do solo em São Carlos, o processo de municipalização dos serviços de saúde no Estado ou a relação entre os custos e os benefícios do tratamento integrado de água, esgoto e lixo.
Devem também realizar um diagnóstico voltado à gestão da bacia hidrográfica do Rio Jundiaí-Mirim ou propor formas de monitoramento de autogestão das cooperativas paulistas, de reformulação do ensino médio, uma tecnologia para previsão de ozônio na baixa atmosfera.Com um modelo próprio, o PP vai funcionar por meio da interação de duas forças. Uma são os grupos de pesquisa, responsáveis pela aplicação do conhecimento e pela geração de novas frentes de pesquisa. A outra são as entidades parceiras, como prefeituras, fundações, autarquias, secretarias e órgãos de governo ou mesmo não-governamentais, às quais caberá a execução das medidas aprovadas nos projetos. “Esta é uma experiência inédita”, afirma o diretor científico da FAPESP, José Fernando Perez. “Não conheço qualquer referência nacional ou internacional semelhante.”
O Programa de Políticas Públicas, no qual a FAPESP investiu R$ 924.890,00 neste primeiro momento, pretende promover um salto qualitativo na reflexão acadêmica, ao proporcionar uma visão mais concreta das necessidades sociais do Estado, nas mais diversas áreas em que as pesquisadores vão atuar. As entidades parceiras também devem ganhar, com a produção de metodologias de avaliação e de alternativas inovadoras de gestão pública. “Não pretendemos substituir a ação do poder público, mas balizar essa ação por meio da reflexão dos grupos de pesquisa”, destaca o diretor científico da FAPESP.
Na prática, os procedimentos de política pública poderão ser revistos, revigorados ou “oxigenados com o espírito científico”, segundo Paula Montero, coordenadora adjunta da FAPESP e responsável pelo processo de avaliação dos projetos, em conjunto com a diretoria científica. “Grande parte dos problemas de política pública é que as soluções se repetem continuamente, sem saber o que está dando certo ou errado”, diz ela. A associação entre pesquisa e a demanda pública vai colocar a FAPESP numa posição estratégica para equacionar os problemas da so-ciedade. “O Programa de Políticas Públicas torna mais visível para a sociedade o papel da pesquisa”, afirma.
Ao longo do processo de avaliação dos projetos, Paula observou que muitas propostas tratavam de organizar a gestão pública, por meio da criação de banco de dados que facilitem o acesso a informações e mostrem por que as decisões funcionam ou não. “Um programa como esse é importante para o País”, diz ela. Também lhe chamou atenção, em mais de um projeto, a interdisciplinaridade, que reduz os esforços e multiplica os resultados, conciliando, por exemplo, química e educação ambiental, com base em pesquisas acadêmicas.
Os critérios
Nesta primeira versão do PP concorreram 226 propostas, entregues em outubro do ano passado e reduzidas para 162 na fase de pré-qualificação, realizada ao longo do primeiro semestre deste ano. A avaliação de cada projeto, realizada por dois assessores externos, levou em conta sobretudo a definição de objetivos, a metodologia e a experiência do coordenador do projeto e da equipe da entidade parceira. “Muitas propostas potencialmente boas não foram aprovadas por apresentarem objetivos excessivamente genéricos”, acentua Perez.
Já a metodologia, conta Paula Montero, tinha de ser descrita e percebida como adequada ao problema apresentado. Tão importante quanto apresentar um problema relevante era descrever o projeto de uma pesquisa de boa qualidade.Os pesquisadores responsáveis pelo projeto, que vão também coordenar a ação com as instituições parceiras, receberão um financiamento de até R$ 30 mil na primeira fase, com duração de seis meses. Espera-se que nesse tempo a parceria amadureça a ponto de permitir a elaboração de diagnósticos ainda mais precisos sobre o problema apresentado. “Esperamos que os pesquisadores e a equipe parceira desenhem em conjunto o trabalho que interesse aos dois, com base no problema real”, diz Paula.
Encerrada essa fase, os projetos considerados aptos, após uma avaliação dos resultados obtidos, avançam para a segunda fase do programa, com duração de 24 meses, e receberão, cada um, até R$ 200 mil. A FAPESP financiará apenas até a realização do projeto em escala piloto. “Esperamos que o trabalho em conjunto culmine com a apropriação do conhecimento e da tecnologia exercitada para, no futuro, a instituição parceira poder resolver com autonomia problemas semelhantes”, comenta Paula.
Gestão compartilhada da represa de Guarapiranga
Há avaliações positivas a respeito do programa de recuperação da qualidade da água da represa de Guarapiranga, um dos maiores reservatórios da região metropolitana de São Paulo, que termina este ano. Ocorreram avanços no saneamento ambiental e na urbanização das favelas próximas. Como resultado dos investimentos de cerca de US$ 300 milhões, cessou a degradação acelerada da sub-bacia hidrográfica de Guarapiranga, que ocupa uma área de 630 quilômetros quadrados, nos municípios de São Paulo, Embu e Itapecerica da Serra, e integra a Bacia do Alto Tietê.
Mas ainda existem situações cujo desfecho é incerto. O cientista político Ricardo Toledo Neder, pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), está preocupado especialmente com a passagem do modelo interno de gestão do programa, aplicado nos últimos anos tão-somente pelo poder público, para um modelo de gestão compartilhada, entre os municípios ligados à represa, as entidades da sociedade civil e os órgãos estaduais, de acordo com a nova lei de proteção dos mananciais, de novembro de 1997.
Com apoio da FAPESP, Neder pretende acompanhar a implantação do chamado Plano de Desenvolvimento de Proteção Ambiental (PDPA) de Guarapiranga, que prevê a gestão compartilhada, ao longo do trabalho que ele coordena, intitulado Sistema de Diagnóstico e Avaliação de Projetos Executados por Municípios, Órgãos Estaduais e Associações de Sociedade Civil no Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê , no âmbito do Programa de Pesquisas em Políticas Públicas. “O projeto tem a pretensão de ajudar os membros da sociedade com informações e propostas, para que possam elaborar suas dificuldades e assumir o papel de entidades ativas na gestão compartilhada”, diz o pesquisador.
Em parceria com o Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê e o Instituto de Economia Agrícola da Unicamp, o projeto prevê também uma avaliação da eficácia de 77 projetos apresentados entre 1996 e 1998 ao comitê, financiados pelo Fundo Estadual de Recursos Hídricos e executados por entidades da sociedade civil, prefeituras e órgãos do governo estadual. Como resultado, devem ser criados um sistema de acompanhamento dos projetos e uma base de dados, disponível no site do Comitê, com a finalidade de criar meios adequados para a tomada de decisões a respeito do uso do solo e dos investimentos relacionados às demandas sociais, como urbanização e preservação ambiental em regiões de manancial.
Mais bibliotecas nos bairros
A bibliotecária Gláucia Maria Mollo Pécora, coordenadora das bibliotecas públicas de Campinas, observou, durante anos, que a biblioteca pública municipal, ao lado da prefeitura, era procurada por cerca de 700 estudantes às vésperas de entrega de trabalhos escolares sobre datas comemorativas, como o dia do Folclore ou do Índio. Depois, a freqüência caía pela metade. “Para fazer trabalhos de escola, os alunos vêm de longe”, diz ela. “Mas não saem dos bairros para buscarem um livro ou lerem jornal.” Insatisfeita com a situação, procurou outra bibliotecária, Else Benedetti Marques Válio, professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas, que concordava com ela: para uma cidade com quase um milhão de habitantes, é pequena demais a atual rede de bibliotecas, formada por uma unidade central, duas de bairro e uma infanto-juvenil.
Juntas, as duas bibliotecárias elaboraram o projeto Implantação de Rede de Biblioteca Pública: uma proposta de política educa-cional de promoção da leitura para moradores de bairros periféricos de Campinas , por meio do qual pretendem preparar cuidadosamente a ampliação da atual rede de bibliotecas e será conduzido em conjunto por uma equipe de bibliotecárias da PUC e da Secretaria Municipal de Educação.
Acervos apropriados
A professora Else, responsável pela coordenação da pesquisa, conta que não se trata apenas de escolher entre os 850 bairros de Campinas os mais indicados para a implantação de bibliotecas setoriais, mas sim de conhecer as necessidade e os interesses de leitura de cada comunidade, examinados por meio de uma pesquisa de campo e testados, numa etapa seguinte, por meio de um estudo piloto. Num bairro industrial, a princípio, o acervo seria voltado mais para máquinas e tecnologias, por exemplo. “Pretendemos atender aos interesses dos moradores de bairro e, ao mesmo tempo, propor um acervo culturalmente enriquecedor”, diz Else.
À medida que o projeto avançar, as bibliotecas podem deixar de atender apenas os estudantes e atrair também a comunidade dos bairros, com o incentivo à leitura conjugado com atividades de música e teatro. “As bibliotecas setoriais podem atender a diversos públicos”, lembra Gláucia, em cujo mestrado recém-concluído comprovou que as tais pesquisas escolares não passam, geralmente, de simples cópia de livros ou enciclopédias. O levantamento dos interesses dos moradores dos bairros devem auxiliar a Secretaria de Educação na implantação das novas bibliotecas e indicar um rumo também para aperfeiçoar as pesquisas escolares e evitar as filas às vésperas da entrega dos trabalhos escolares.
O perfil da cidadania em Ribeirão Preto
Conhecer um grupo de pessoas apenas pelo perfil socioeconômico, como normalmente se faz, é muito pouco para a socióloga Maria Esther Fernandes, professora aposentada da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Franca em 1996, que leciona atualmente a disciplina Medicina, Sociologia e Humanismo para futuros médicos na Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp). À frente do projeto Bairros periféricos: integração ou marginalidade? Tentativa de diagnóstico do universo de vida das camadas populares , pretende caracterizar o perfil da cidadania, constituído pelos costumes, valores, desejos e a memória perdida, mantida ou reconstruída, dos moradores de bairros distantes do centro de Ribeirão Preto, uma cidade de quase 600 mil moradores.
Maria Esther, que trabalha em pesquisa de campo desde 72, incluindo um período em regiões agrícolas do interior da França, pretende realizar pesquisas qualitativas com no máximo 500 moradores e um levantamento de documentação em creches e igrejas de três bairros da periferia, o Horto, o Conjunto Anhangüera e o Jardim Avelino Alves Palma. São áreas peculiares, embora igualmente marcadas pela pobreza e pela violência. O Horto era uma área destinada à preservação ambiental, ocupada em novembro de 1996 por moradores sem-teto. Ali, atualmente, residem cerca de 2 mil famílias, a maioria formadas por migrantes do Nordeste. Os outros bairros são mais antigos. O Jardim Avelino é um conjunto habitacional entregue à população em agosto de 1982 e o Conjunto Anhangüera originou-se de um loteamento de uma fazenda. Em ambos, os moradores provêm geralmente de outras cidades de São Paulo ou de Minas Gerais.
Integração à cidade
No Conjunto Anhangüera, há uma favela, o Jardim Zara, com cerca de 5 mil habitantes, cujo impacto chama a atenção de Maria Esther. “Os moradores da favela parecem se sentir parte de um universo muito próprio, enquanto os moradores dos bairros vizinhos se sentem invadidos pela proximidade deles”, observa a pesquisadora. Há outras questões que ela pretende resolver. Até que ponto ocorreu o desenraizamento cultural dos moradores desses bairros? Como recriam o cotidiano? De que recursos se valem para reconstruírem as raízes no novo solo? São aceitos pelos vizinhos? Que forças os segregam ou os integram aos bairros e à cidade?
O estudo da migração para a periferia das cidades não é, em si, novo, reconhece a pesquisadora. A intenção da pesquisadora da Unaerp, em parceria com Secretaria de Cidadania e Desenvolvimento, é aplicar os conhecimentos já consolidados para conhecer as implicações desse fenômeno na vida dos moradores de Ribeirão Preto. Segundo ela, as informações sobre a fisionomia dos bairros, a seu ver, poderão servir para uma revisão da política administrativa do município. “Uma pesquisa desse teor poderá apontar possíveis contradições entre as políticas sociais, cuja racionalidade pode estar distante das expectativas da população, e a qualidade de vida dos moradores desses bairros”, comenta.
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