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Física

Os quarks e suas combinações exóticas

Partículas recém-descobertas revelam novos arranjos possíveis para os principais componentes da matéria

O acelerador de partículas Tevatron, em Batavia, Estados Unidos: o mais poderoso antes do LHC

FERMILAB VISUAL MEDIA SERVICES O acelerador de partículas Tevatron, em Batavia, Estados Unidos: o mais poderoso antes do LHCFERMILAB VISUAL MEDIA SERVICES

No dia 25 de fevereiro, físicos da colaboração internacional DZero anunciaram a descoberta de uma nova partícula subatômica: a X(5568). A nova partícula não é elementar – ou seja, indivisível – como o elétron, o fóton ou o bóson de Higgs. Em vez disso, a X(5568) é composta de quatro partículas menores de um tipo já conhecido: os quarks, razão por que é classificada como tetraquark.

A novidade da X(5568) é a combinação incomum de seus quatro quarks. Esse tipo raro de partícula – as mais comuns são formadas por dois ou três quarks – vem sendo observado desde 2003. Mas a X(5568) é o primeiro tetraquark feito de tipos totalmente distintos. Verificar todas as possíveis maneiras como os quarks podem se combinar ajuda os físicos a entenderem melhor a chamada interação nuclear forte. Ela é a força fundamental que mantém os quarks unidos e origina a maior parte da massa e da energia dos prótons e nêutrons que constituem os núcleos atômicos.

Os pesquisadores observaram indícios da existência do novo tetraquark ao analisar os dados coletados durante nove anos pelo detector de partículas DZero, um dos instrumentos do acelerador Tevatron no Laboratório Nacional Fermi (Fermilab), nos Estados Unidos. O acelerador foi desativado em 2011, três anos depois de perder o título de acelerador de partículas mais energético do mundo para o Grande Colisor de Hádrons (LHC), da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (Cern), na Suíça. A colaboração DZero conta com a participação de pesquisadores de sete instituições de pesquisa brasileiras, entre elas o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro.

060-063_Pentaquark_242-01O anúncio da descoberta motivou outras colaborações internacionais de físicos a buscarem evidências da existência da X(5568) em seus dados. Até o término desta edição, apenas o grupo que opera o experimento LHCb, um dos quatro detectores de partículas do LHC, havia anunciado o resultado de suas análises. “Procuramos indícios do tetraquark encontrado pelo DZero e não achamos nada”, diz Ignácio Bediaga, coordenador dos físicos do CBPF que colaboram com o LHCb. “O resultado do DZero, entretanto, é muito bom e sua análise bastante consistente”, ressalta. “Meu palpite é que estejamos diante de um novo fenômeno.”

Bediaga explica que a equipe do LHCb procurou sinais da existência da X(5568) em seus dados da criação das partículas chamadas de méson b e méson pi, cada uma formada por dois quarks.

Equipamentos como o LHC costumam acelerar partículas formadas por muitos quarks, como os prótons, a velocidades próximas à da luz. Quando se chocam, os prótons se desfazem e originam partículas fugidias de toda espécie possível, algumas formadas por quarks. Uma delas poderia ser a X(5568), uma partícula de vida muito breve, que em uma fração de segundo se desmancharia em dois tipos de partículas de massa menor. Cada X(5568) poderia originar um méson b e um méson pi, ambos com valores de energia bastante específicos. Os físicos observariam, então, um excesso de mésons b e pi com essa energia – algo que o DZero viu e o LHCb não.

Há, porém, uma diferença estrutural importante entre os dois detectores que pode estar permitindo ao tetraquark escapar do LHCb, explica Bediaga. O LHCb foi construído para detectar as partículas que surgem muito próximo à direção de propagação dos feixes de prótons que colidem. Já o DZero era um detector semelhante ao CMS e ao Atlas, dois outros detectores do LHC. Esses detectores têm o formato de um barril e foram projetados para captar as partículas que surgem em todas as direções ao redor do feixe. É possível que a X(5568) esteja sendo criada nas colisões do LHC, mas percorra apenas trajetórias fora do alcance do LHCb.

“Se o CMS ou o Atlas encontrarem a X(5568), estaremos diante de um quebra-cabeça muito interessante”, diz Bediaga. “Se não acharem, pode ser que a análise do DZero tenha algum problema que passou despercebido.”

060-063_Pentaquark_242-02Dinâmicas coloridas
“Quando apenas uma colaboração experimental vê um novo tetraquark, ficamos com um pé atrás”, diz a física teórica Marina Nielsen, da Universidade de São Paulo (USP). Ela coordena uma equipe que foi uma das primeiras no mundo a realizar cálculos verificando que, caso seja confirmada, a X(5568) observada pelo DZero pode mesmo ser um tetraquark.

Marina e seus colegas Jorgivan Dias e Alberto Torres, da USP, e Kanchan Khemchandani e Carina Zanetti, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, correram contra o tempo entre os dias 25 e 29 de fevereiro para verificar se a massa e outras propriedades do novo tetraquark poderiam ser explicadas pela interação nuclear forte.

Tetraquarks são partículas extremamente raras, que começaram a ser observadas apenas nos últimos anos com o aumento da energia das colisões dos aceleradores de partículas e da sensibilidade de seus detectores. Sua existência foi prevista em 1964 pelos físicos teóricos George Zweig e Murray Gell-Mann, os primeiros a conceberem a ideia de que várias das dezenas de partículas observadas nos aceleradores da época, incluindo os prótons e os nêutrons, seriam feitas de duplas ou trios de quarks. As teorias de Zweig e Gell-Mann foram comprovadas e refinadas por vários físicos nas décadas seguintes, dando origem à cromodinâmica quântica, teoria que também prevê a existência de quartetos e quintetos de quarks (ver infográfico acima).

Foi só a partir de 2003 que experimentos em diferentes aceleradores de partículas comprovaram a existência de um tetraquark, o X(3872). De lá para cá, colaborações internacionais já confirmaram a observação de 15 candidatos a tetraquarks e, em julho do ano passado, o grupo que opera o experimento LHCb anunciou a descoberta de dois pentaquarks: o Pc(4450) e o Pc(4380).

Podem ainda existir outras partículas formadas pela combinação de mais quarks e suas antipartículas, os antiquarks, desde que os arranjos sigam as regras da cromodinâmica quântica. “Essa teoria permite que exista qualquer combinação formada por quatro, cinco ou mais quarks, desde que uma propriedade chamada carga de cor seja sempre neutra”, diz Marina.

Ela e seus colegas são especialistas em um método matemático chamado de “regras de somas”, que permite realizar cálculos próximos aos propostos pela cromodinâmica quântica. Esse método é necessário porque a cromodinâmica quântica apresenta princípios gerais aparentemente simples, mas as suas equações matemáticas estão entre as mais intratáveis de toda a física, sendo impossível de resolvê-las com exatidão, mesmo com a ajuda de supercomputadores.

Com base nas regras de somas, Marina e seu grupo calcularam a massa e as outras propriedades observadas da X(5568) e concluíram que elas podem ser explicadas se a partícula for composta por dois quarks (up e bottom) e dois antiquarks (strange e down). Seus cálculos, porém, não descartam outra possibilidade. Em vez de formar um verdadeiro tetraquark, a X(5568) poderia ser interpretada como dois mésons (cada um contendo dois quarks) unidos muito fracamente. Essa combinação, chamada de molécula de mésons, é uma maneira alternativa de se anularem as cargas de cor sendo, portanto, permitida pela cromodinâmica quântica. Os colaboradores de Marina devem concluir em breve novos cálculos nos quais assumem que a X(5568) é uma molécula de mésons. Se chegarem a uma massa diferente da medida pelo DZero, saberão que a X(5568) não é uma molécula de mésons. Já se o valor calculado for próximo ao medido, a dúvida permanecerá.

Projeto
Física de hádrons (nº 2012/50984-4); Modalidade Projeto Temático; Pesquisadora responsável Marina Nielsen (IF-USP); Investimento R$ 290.720,00.

Artigos científicos
ABAZOV, V. M. et al. Observation of a new B0s π ± state. Physical Review Letters. No prelo.
DIAS, J. M. et al. A QCD sum rule calculation oftheX±(5568) → B0s π ± decay width. arxiv.org pdf/1603.02249v1.pdf.
ZANETTI, C. M.; NIELSEN, M. e KHEMCHANDANI, K. P. A QCD sum rule study for a charged bottom-strange scalar meson. arxiv.org/pdf/1602.09041.pdf.

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