A Orquestra Sinfônica da Universidade de São Paulo (Osusp) completa 50 anos de atividade em 2025 como um dos conjuntos universitários mais atuantes do país. No concerto em comemoração aos 90 anos da USP, realizado no ano passado, com a participação da cantora Marisa Monte, a sinfônica reuniu 55 mil pessoas na praça do Relógio, no campus do Butantã, na capital paulista, totalizando um público anual de 70 mil pessoas, sete vezes superior ao registrado em 2023.
Sem contabilizar a multidão que prestigiou a apresentação de aniversário da USP, a presença nos concertos cresceu perto de 20% no ano passado em relação a 2023, apesar de uma ligeira queda no número de apresentações, de 42 para 39. “Nossos principais objetivos são a divulgação da música de concerto e a formação de público”, diz a flautista Cássia Carrascoza Bomfim, diretora da Osusp e professora do Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP).
Atualmente, a orquestra é composta por 39 músicos profissionais, todos concursados. Os alunos de graduação de música estão alocados na Orquestra de Câmara da USP, voltada à formação desses estudantes. Fundada em 1975 pelo compositor e maestro Camargo Guarnieri (1907‑1993), com a ambição de ser uma sinfônica com 90 componentes, a Osusp nunca chegou a esse tamanho. Segundo Bomfim, a orquestra preserva um forte vínculo com a identidade nacional. “É um legado de Guarnieri. Ele foi um dos principais nomes no Brasil do movimento conhecido como Nacionalismo Musical e costumava inserir em suas composições eruditas elementos do folclore brasileiro”, conta a flautista.
A pesquisa “Osusp em números”, iniciada em 2021 e coordenada pelos músicos Fábio Cury (diretor da orquestra entre 2018 e 2022 e professor da ECA-USP) e João Batista de Brito Cruz, mostra que, ao longo de 465 concertos realizados entre 1976 e 2019, cerca de 30% desse repertório foi formado por música erudita brasileira. “Há uma presença marcante da música brasileira na programação, embora o cânone europeu ainda predomine”, diz Cruz, que não faz parte da Osusp e concluiu doutorado em musicologia no ano passado naquela universidade.
De qualquer forma, segundo Cruz, no cômputo geral, a quantidade de música brasileira no repertório da Osusp difere da programação de parte das orquestras no país, que abrem pouco espaço para compositores nacionais. “Isso pode acontecer por vários motivos: gosto pessoal dos músicos, custos de programação, edições de partituras disponíveis e até mesmo a exigência do público por músicas europeias mais conhecidas”, diz.

Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São PauloA Osusp com seu criador, o compositor e regente Camargo Guarnieri, em registro sem dataInstituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo
“Por estar em uma universidade, a Osusp tem maior liberdade para experimentar outros repertórios além dos cânones europeus”, avalia Tobias Volkmann, maestro titular da sinfônica desde o ano passado. Como lembra o regente, que também é diretor artístico da Orquestra Sinfônica de Cuyo, vinculada à Universidade Nacional de Cuyo, em Mendoza, Argentina, instituições de ensino superior têm sido abrigo para importantes orquestras na América Latina desde o início do século passado.
Um dos atuais palcos para experimentação da Osusp é o projeto “Torre do relógio”, criado em 2023 por Gil Jardim, então maestro da orquestra e hoje professor aposentado da ECA-USP. O ciclo de concertos procura criar diálogo entre as artes e as ciências com uma programação temática. “A partir do assunto escolhido, como, por exemplo, a crise climática, é feita a seleção de repertório, que une essas áreas do conhecimento”, explica a linguista Marli Quadros Leite, atualmente à frente da Pró-reitoria de Cultura e Extensão Universitária (PRCEU) da USP, que, além da Osusp, abarca outras nove iniciativas, como o Estação Ciência.
Nessas ocasiões, pesquisadores da universidade vinculados ao tema em questão ajudam o maestro a montar o programa e discorrem sobre o assunto durante o espetáculo. Os concertos, que não têm periodicidade definida, costumam acontecer no Anfiteatro Camargo Guarnieri, no campus paulistano da USP, com 435 lugares. “Estão sempre lotados”, afirma Volkmann.
De acordo com Bomfim, outros projetos vêm colaborando para ampliar e fidelizar o público da orquestra. Um deles é o Memórias Sonoras, criado neste ano pela Osusp e que integra o programa USP 60+, iniciativa da PRCEU com atividades acadêmicas, esportivas e culturais voltadas ao público idoso. “Muitas dessas pessoas assistem a um concerto de música erudita pela primeira vez na vida”, conta o músico Lucas Coelho, assistente de direção artística da orquestra.

Cortesia Filarmônica da Universidade Federal do Rio Grande do NorteO maestro André Muniz e a filarmônica da UFRN com o papa Francisco, em 2018Cortesia Filarmônica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
A Osusp integra o orçamento anual da universidade por meio da PRCEU, mas atualmente vem também captando recursos via Lei Rouanet. “Nossos concertos são gratuitos e os gastos com uma orquestra são altos”, diz Bomfim. Segundo Leite, a Osusp obteve autorização em 2024 para levantar R$ 6 milhões e custear a realização de uma série de concertos em 2025 e 2026. Para o ano que vem, estão previstas apresentações em Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Salvador, bem como em seis cidades do interior de São Paulo. Pela lei, é necessário captar pelo menos 20% do valor total (ou seja, R$ 1,2 milhão) para usufruir do benefício. Até agora foram levantados R$ 800 mil. “Queremos incrementar nossa ligação com a iniciativa privada, mas sem perder nossa autonomia artística”, afirma Leite.
Parcerias com empresas e outras instituições fazem parte do cotidiano da Orquestra Sinfônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a mais antiga do gênero no país – em 2024, o corpo orquestral completou 100 anos. A orquestra é institucionalizada, ou seja, faz parte do plano de desenvolvimento daquela universidade e está em seu orçamento anual.
Criada para ser formada exclusivamente por estudantes do então chamado Instituto Nacional de Música, a sinfônica sofreu algumas mudanças ao longo de sua trajetória. Em 1931, com a reforma de ensino feita pelo presidente Getúlio Vargas (1882-1954), passou a contar exclusivamente com músicos profissionais. “Hoje, ela é híbrida, com 47 músicos profissionais e 90 alunos da graduação de música”, diz André Cardoso, professor de regência orquestral da UFRJ e maestro titular da sinfônica.
Segundo Cardoso, o repertório é definido a partir do que os músicos em formação precisarão executar em orquestras profissionais, principalmente o cânone europeu, que incluiu obras de autores como Beethoven (1770-1827) e Brahms (1833-1897). “Mas, na temporada de 2024, de um total de 29 concertos apresentados, fizemos 12 estreias de compositores contemporâneos, em grande parte brasileiros, como Ernani Aguiar e Marisa Rezende”, relata.
Para o regente, diante das dificuldades econômicas das universidades federais, agravadas nos últimos anos, as parcerias com entidades ajudam a tornar viáveis determinados programas da orquestra. “Por meio de parcerias com a Sala Cecília Meirelles, a Funarte [Fundação Nacional de Artes] e consulados, por exemplo, conseguimos pagar o cachê de solistas e maestros convidados. Isso permite que os alunos trabalhem com outros regentes”, exemplifica.

Acervo OsuspA partir da esquerda, capas de programas da OsuspAcervo Osusp
Parcerias com a iniciativa privada têm sido também uma forma de a Filarmônica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) contornar seus desafios financeiros. Graças a esse aporte, o maestro André Muniz, professor daquela instituição, conseguiu levar a orquestra para apresentações na Alemanha e no Vaticano. Em 2018, os músicos executaram para o papa Francisco (1936-2025) um repertório sacro exclusivo de compositores brasileiros, como Grande missa nordestina, de Clóvis Pereira (1932-2024).
Para atrair um público mais diversificado, a orquestra costuma realizar concertos unindo o repertório sinfônico com a música popular. Um deles, com a participação da cantora potiguar Roberta Sá, conhecida nacionalmente pelo trabalho com samba e bossa nova, reuniu mais de 5 mil pessoas.
Formada por 50 estudantes bolsistas, a orquestra é institucionalizada e tem como objetivo principal a formação dos alunos. “Um de nossos maiores desafios é a alta rotatividade”, constata o regente. “Quando os músicos estão afiados, concluem o curso de graduação e partem para a carreira profissional, fazendo com que tenhamos que começar do zero novamente. Mas esse é o ciclo natural de uma universidade.”
Já para a Orquestra Sinfônica da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), um dos maiores desafios é conquistar um espaço próprio. Com 70 componentes, quase todos estudantes de graduação, ela vem se apresentando em locais cedidos por terceiros, como igrejas. No início de agosto, os músicos tocaram no Teatro de Santa Isabel, no Recife, para comemorar o aniversário da UFPE. “Como o centro de convenções da universidade está em reforma há mais de 10 anos, precisamos procurar espaços na região metropolitana para nossos concertos”, conta o maestro Helder Passinho Jr., que coordena a orquestra com a maestrina Maria Aida Barroso.
Barroso, que também chefia o Departamento de Música da UFPE, explica que a orquestra contou com bolsas cedidas pela universidade até 2018. Hoje é um projeto do próprio departamento. “Não temos mais bolsas e a participação dos alunos é garantida por meio de disciplina obrigatória”, diz. Segundo Passinho Jr., por ser um projeto de extensão, a orquestra costuma fazer chamadas para atrair músicos da comunidade, que geralmente tocam instrumentos ausentes no conjunto.

Lucas Emanuel / cortesia Orquestra Sinfônica da Universidade Federal de PernambucoApresentação da orquestra da UFPE no Teatro de Santa Isabel, no Recife, em agostoLucas Emanuel / cortesia Orquestra Sinfônica da Universidade Federal de Pernambuco
A diversidade do repertório é uma preocupação, embora a ênfase esteja nos cânones europeus. O maestro emérito Sérgio Dias, que fundou a orquestra em 2009 e permaneceu nela até 2023, lembra que o concerto que marcou a volta das atividades depois da pandemia foi o MPB sinfônico, que deu tratamento orquestral à música nordestina, choro e samba. “Hoje, a zabumba e o tambor de maracatu são instrumentos que fazem parte da nossa sinfônica”, comemora.
Entre os conjuntos universitários do país, a Orquestra Sinfônica Nacional (OSN) está vinculada à Universidade Federal Fluminense (UFF), que, entretanto, não possui um curso de música. Sem viés pedagógico, o corpo orquestral é formado por 78 músicos profissionais, que executam concertos para a comunidade de Niterói, onde fica o campus.
Fundada em 1961 como Orquestra da Rádio Nacional, com a meta de difundir a música orquestral brasileira, ela foi absorvida em 1984 pela UFF. O salário dos músicos, que são concursados, é pago pela universidade. Porém o restante dos gastos, que incluem a contratação do maestro, é bancado pela bilheteria dos espetáculos (todos pagos) e eventualmente pela UFF.
Hoje, os concertos se dividem em três programas principais: o Alvorada, série apresentada nas manhãs de domingo com obras nacionais e internacionais; o OSN Popular, com músicas populares em roupagem sinfônica; e o OSN Cine, que exibe filmes nacionais com a execução da trilha sonora ao vivo.
“Em 2025, nosso foco está nas obras do compositor Guerra Peixe [1914-1993] e dentro desse arco artístico vamos incorporando outras vertentes musicais para compor um repertório”, explica o violinista Deivison Branco, que presidiu a comissão artística da OSN até agosto. “Não abrimos mão da música brasileira, que representa 70% do nosso repertório.”
A reportagem acima foi publicada com o título “Música, maestro!” na edição impressa nº 355 de setembro de 2025.
Artigo científico
CRUZ, J. B. de B. e CURY, F. “De onde vem essa música?: Um mapeamento de programações da Osusp entre 1976-2019.” In: XXXIII Congresso da ANPPOM. São João Del-Rey, 2023.
Livro
CARDOSO, A. Orquestra Sinfônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro – 100 anos, 1924-2024. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2024.
Capítulo de livro
BOMFIM, C. C. e CURY, F. “OSUSP 50 anos: Trajetória e papel na Universidade de São Paulo.” In: LEITE, M. Q. (org). Cultura e Extensão na USP – Reflexões e impactos. São Paulo: Publicações BBM, 2025.
