Floresta, pastagens e a periferia de uma cidade podem parecer a mesma coisa quando vistas a milhares de metros de altura por radares em aviões ou em satélites que monitoram a superfície da Terra. Os detalhes que diferenciam cada tipo de paisagem escapam por causa da interferência gerada pelo encontro das ondas emitidas pelo radar e as refletidas pela superfície do terreno.
Em conseqüência, o sensor recebe poucas informações claras e o resultado são mapas com falhas, que aparecem na forma de pontos na imagem, nem sempre decifráveis, mesmo com o auxílio das técnicas de processamento de imagens mais utilizadas. O problema pode estar bem próximo do fim: uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) desenvolveu um método matemático que, se não elimina totalmente o ruído, o reduz ao mínimo, permitindo chegar a resultados mais próximos da realidade.
Depois de dois anos de trabalho, a equipe de Recife aperfeiçoou um método estatístico conhecido como bootstrap (termo em inglês que significa realizar uma tarefa sem auxílio externo), muito adotado em estatística para a solução de problemas que não podem ser resolvidos por meio de expressões matemáticas simples, mas praticamente não utilizado no processamento de imagens.
O novo bootstrap, como vem sendo chamado, não é aplicável apenas à análise de imagens de radares do tipo SAR (Radar de Abertura Sintética), como os utilizados no Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), que usam radiação eletromagnética na faixa de microondas que consegue atravessar as nuvens e copas das árvores para detectar desmatamentos, mapear o uso do solo e localizar minerais no subsolo. Segundo um dos autores desse trabalho, Francisco Cribari Neto, do Departamento de Estatística da UFPE, o novo método pode também ser aplicado para melhorar a resolução e a precisão de exames feitos com outros tipos de radiação que permitem detectar volumes, como as imagens de microscópios a laser ou de ultra-sonografia, usadas, por exemplo, para ver bebês no útero ou o coração em funcionamento.
Pseudo-imagens
O passo inicial para solucionar o problema da interpretação das imagens surgiu de uma idéia de Cribari, a quem Alejandro Frery, do Centro de Informática da UFPE, pediu ajuda em 1998 para resolver um problema: a dificuldade de processar as imagens por causa da falta de informações gerada pelas interferências das ondas da Terra, vistas como ruído. Juntos, passaram a produzir dados extras sobre essas regiões, por meio de cálculos matemáticos, mas com base nas informações originais.
Em colaboração com Frery e com o aluno de mestrado Michel Ferreira da Silva, Cribari desenvolveu cálculos (algoritmos) computacionais que permitiram trabalhar com setores da imagem original do radar e reproduzir milhares de cópias com pequenas variações – as pseudo-imagens. “É como clonar uma pessoa e obter resultados semelhantes, mas não idênticos”, explica Cribari.
Dessa forma, a equipe passou a analisar cerca de 2 mil pseudo-imagens, em vez de uma única imagem real, para obter o chamado ponto de máximo de uma função matemática, que nesse caso indica a rugosidade da superfície. Como resultado, os pesquisadores obtiveram informações muito mais precisas. “É como se quebrássemos a imagem em vários pedacinhos e fôssemos encaixando um ao lado do outro com pequenas alterações, como num quebra-cabeças com várias soluções possíveis, de modo que um ponto não precise cair necessariamente onde estava antes”, explica Cribari.
Teste na Alemanha
Para verificar se a idéia funcionaria na prática, os pesquisadores aplicaram o novo bootstrap e a técnica tradicional, chamada método de máxima verossimilhança, a uma imagem de radar da cidade de Oberpfaffenhofen, próximo a Munique, na Alemanha, fornecida pelo centro aeroespacial daquele país, cujos especialistas conheceram o método e cederam o material para testar sua eficácia. E deu certo. Enquanto os dados obtidos pela técnica da verossimilhança indicavam uma área de floresta nos arredores da cidade, os dados do novo bootstrap apontavam, no mesmo local, um terreno coberto por pastagem. O que é, de fato, realidade: existe ali uma pastagem, como atesta o artigo aceito para publicação no Computational Statistics and Data Analysis. O resultado obtido varia caso a caso. “A nova técnica aprimorou a forma como os números são traduzidos em informação útil”, diz Frery. “Com isso, algumas decisões podem mudar por completo.”
Apesar do aprimoramento obtido, a nova técnica permanecia ineficiente para os casos em que havia poucas observações de uma determinada região – menos de 50 pixels (cada pixel é a menor unidade gráfica da imagem e pode corresponder a 1 metro na superfície observada). A equipe da UFPE resolveu também esse problema. Trabalhando em parceria com Marcelo Souza, outro aluno de mestrado, Cribari e Frery desenvolveram uma forma de rastrear a superfície estudada em busca do ponto de máximo, que indicava a rugosidade da superfície, alterando a estratégia de usar cálculos matemáticos já conhecidos. Em vez de varrer a área aleatoriamente até encontrar o tal ponto, o programa traça retas paralelas cortadas por outras retas perpendiculares, formando quadrados sobre a superfície. Em seguida, passa a percorrer essas linhas, varrendo de forma mais eficiente a área.
Perspectivas
Os pesquisadores testaram o modelo em 80 mil imagens criadas por computadores – com tamanhos variando de 3 por 3 pixels de lado a até 11 por 11 pixels – e em mil segmentos da imagem de radar da cidade alemã. O modelo tradicional não conseguiu realizar os cálculos em quase metade dos casos – quanto menor a área observada, maior foi o índice de erro, que variou de 30% a 60%. Já o novo método, chamado algoritmo alternado, que melhora os resultados do novo bootstrap, descobriu o ponto de máximo em todas as situações reais e falhou em apenas 6 das 80 mil imagens artificiais, de acordo com o estudo da equipe da UFPE apresentado no Simpósio Brasileiro de Computação Gráfica e Processamento de Imagens, realizado no início de outubro em Fortaleza, no Ceará.
Além do Centro Aeroespacial da Alemanha, o novo bootstrap chegou ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). “Temos interesse em avaliar o novo método”, comenta Corina da Costa Freitas, pesquisadora da Divisão de Processamento de Imagens do instituto. “Se ele se revelar eficiente, muito provavelmente será incorporado em nossos trabalhos.”
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