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Resenha

Para entender Arnaldo Vieira de Carvalho

Memória do Saber: Arnaldo Vieira de Carvalho | Maria Amélia Mascarenhas Dantes e Márcia Regina Barros da Silva (orgs.) | Fundação Miguel de Cervantes / CNPq, 360 páginas, R$ 35,00

Eduardo CesarO livro Arnaldo Vieira de Carvalho e a história da medicina (1867-1920), organizado pelas professoras da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Maria Amélia Mascarenhas Dantes e Márcia Regina Barros da Silva para a Coleção Memória do Saber, reúne sete estudos escritos por um seleto grupo de historiadores especialistas em história da medicina e das ciências.

Os autores assumem o desafio de refletir sobre a trajetória de Arnaldo no “campo médico” de sua época associando a ação do indivíduo singular aos contextos sociais e institucionais pertinentes. O resultado é uma “biografia” científica e profissional não convencional na qual os laços familiares, as lutas políticas, as ideologias cientificistas, os conhecimentos e as práticas médicas, as políticas sanitárias, os interesses da corporação médica e o estilo de vida das elites urbanas paulistanas são acionados para dar inteligibilidade à vida pública e privada do ilustre personagem.

Em capítulo dedicado à articulação entre a produção científica e a atuação médica, Márcia Barros acompanha o jovem médico escolhido para comandar a “nova fundação” hospital da Santa Casa da Misericórdia, iniciada em 1894, que resultou na renovação das práticas médicas vigentes na instituição. Apesar de ainda inexperiente, Arnaldo foi, à frente desse hospital, o realizador dos interesses e ideias da nova geração de médicos identificados com a “medicina experimental”. Sem reputação clínica e científica consolidada, sua ascensão aos primeiros cargos institucionais não pode deixar de ser atribuída ao capital social herdado de sua família, especificamente de seu pai, o advogado e político Joaquim José Vieira de Carvalho.

Maria Amélia estudou a atuação de Arnaldo como diretor do Instituto Vacinogênico de São Paulo, ressaltando seu papel de modernizador institucional. Ao assumir em 1890 a repartição técnica do governo estadual responsável pela produção da vacina antivariólica, Arnaldo tinha como tarefa viabilizar uma das principais metas da política de saúde pública em implantação: produzir e difundir uma vacina eficiente contra a varíola.

Luiz Antônio Teixeira e Vanessa Luna mostram que à frente da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo Arnaldo desenvolveu ações filantrópicas como a Policlínica de São Paulo (1896), entidade que prestava assistência médica e vacinação contra a varíola para as famílias pobres.

O tema da filantropia remete a outra faceta do médico: a adesão à agenda de reforma social defendida pelo “positivismo ilustrado”. Esse é o tema explorado por Maria Gabriela Marinho ao analisar a atuação de Arnaldo como diretor da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo entre 1912 e 1920. Apesar dos fortes vínculos mantidos por ele com Luiz Pereira Barreto – representante do “positivismo ilustrado” em São Paulo –, fica demonstrado que sua atuação no comando do processo de implantação da faculdade foi mais pragmática do que pautada pela agenda positivista.

Já a visão cientificista de Arnaldo é bastante evidente quando se observa seu entendimento a respeito do papel do médico na adoção de práticas que visavam ao “aperfeiçoamento” físico-moral do “homem brasileiro”. Como explica Regina Cândida Elerro Gualtieri, ele defendeu ideias eugênicas pouco comuns, entre as quais se destacava a do “valor biológico da mulher”. Catedrático de ginecologia, ele defendia que o sexo feminino deveria ser aperfeiçoado do ponto de vista fisiológico e moral.

O cuidado com sua imagem foi uma preocupação constante do médico, segundo conclui James Roberto Silva depois de analisar fotografias da época. Atento à importância simbólica da imagem para o homem público, Arnaldo teria sido meticuloso com sua aparência pessoal, expondo uma estética que o distinguia claramente de seus pares médicos e deixando evidente seu poder institucional e prestígio pessoal.

No território da memória coletiva, que nos é apresentado por André Mota, as ações e realizações de Arnaldo Vieira de Carvalho tornam-se a matéria-prima para construção social do “herói paulista da medicina brasileira”. Equiparado a Oswaldo Cruz, o herói republicano da medicina brasileira, o mito de Arnaldo foi incorporado às lutas simbólicas relativas à construção da identidade regional paulista.

Luiz Otávio Ferreira é doutor em história social, professor e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

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