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Física

Para enxergar o invisível

Nanotubo de carbono aumenta a resolução de microscópio

DANIEL UGARTE / UNICAMPNa ponta da ponta: nanotubo soldado sobre base de silícioDANIEL UGARTE / UNICAMP

Durante meses Denise Nakabayashi e Alberto Moreau passaram várias horas por dia manuseando uma alavanca de joystick como a de um video-game em uma pequena sala do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas. Quem os via até podia pensar que estivessem brincando. Não estavam. Com o joystick conectado a um cubo de metal um pouco menor que uma caixa de sapatos, eles controlavam duas pequeníssimas barras usadas para manipular um cilindro formado por alguns milhares de átomos de carbono. O objetivo era fixar esse tubo – chamado nanotubo de carbono por ter uns poucos nanômetros de diâmetro – ao ápice de um cone de silício centenas de vezes maior e, desse modo, aumentar ainda mais a resolução de um microscópio de força atômica. Esse equipamento torna possível produzir imagens tridimensionais da matéria na escala do nanômetro (milionésimos de milímetro) e ainda manipular átomos e moléculas, já que mapeia as superfícies de modo semelhante ao dedo de uma pessoa que lê braile. Quanto menor o diâmetro da ponta, mais detalhes detecta.

Foram necessárias dezenas de tentativas, cada uma consumindo de 5 a 6 horas de trabalho, antes que desse certo. Denise e Alberto aproximavam o nanotubo que prontamente aderia ao cone de silício, atraído pelas forças elétricas de Van de Waals, observadas apenas na escala de átomos e moléculas. Mas não funcionava. Extremamente flexível, o nanotubo se dobrava facilmente caso eles o encostassem na superfície a ser mapeada. Mesmo no interior de uma câmera de vácuo, o nanotubo passava a vibrar como uma corda agitada nos ares em conseqüência da energia térmica, quando ficava muito longo, com mais de mil nanômetros de comprimento.

Outras vezes esse tubo aparentemente delicado, mas tão resistente à tensão quanto a seda ou o fio da teia de aranha, descolava-se do cone de silício. Denise e Alberto, então, decidiram soldá-lo ao cone, usando o feixe de elétrons do próprio microscópio. Apontado para a região em que o nanotubo toca o cone de silício, esse feixe faz átomos de carbono dispersos no vácuo – quase sempre restam impurezas no vácuo criado em laboratório – se acumularem no ponto de contato. Mas nem sempre o resultado era bom. “O nanotubo continuava a vibrar e, às vezes, se soltava”, conta Denise.

A saída foi melhorar a solda. Denise e Alberto aumentaram o tempo de soldagem de 20 para 60 minutos. Quando olharam novamente a ponta, viram que uma crosta havia se formado em torno do nanotubo. A um só tempo, solucionaram dois problemas: fixaram o nanotubo e eliminaram a vibração indesejada. “O resultado foi semelhante ao que se consegue com o concreto usado na construção civil, que é flexível e resistente”, diz o físico Daniel Ugarte, que orientou o trabalho de Denise e desenvolve instrumentos nanométricos no LNLS e na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Depois de preparar três pontas, Alberto, aluno de doutorado da física Mônica Cotta, da Unicamp, as utilizou para fazer imagens da superfície de materiais semicondutores. Para a surpresa de todos, a mesma ponta produziu mais de 400 imagens, sem sofrer danos nem perder resolução. É uma durabilidade pelo menos 20 vezes superior à das pontas de microscópio de força atômica comercialmente disponíveis, feitas com silício, que se quebram depois de10 ou 20 imagens. “As pontas de silício são frágeis e se partem se tocam por acidente a superfície analisada. Já as pontas de nanotubos, que são flexíveis, dobram e retornam à posição original”, diz Mônica, que agora começa a usar esses equipamentos para investigar sistemas biológicos, como as bactérias Xylella fastidiosa e o biofilme que formam no interior dos vasos das laranjeiras. “As pontas de nanotubo reforçadas não danificam as células”, diz Mônica.

Como não entendiam ao certo por que a ponta de nanotubo soldada com carbono se tornava mais estável, Mônica, Alberto, Ugarte e Denise tiveram de pedir ajuda a físicos teóricos. Procuraram Douglas Galvão e Vitor Coluci, também da Unicamp, que usam programas de computador para tentar compreender o que acontece no nível dos átomos. Em uma série de simulações, eles notaram que a camada extra de carbono ao redor do nanotubo absorve o impacto do choque contra os obstáculos, como descrevem os pesquisadores em artigo a ser publicado na Nano Letters. Como conseqüência, a ponta reforçada é mais estável – e produz imagens mais bem definidas – do que as pontas que outros grupos já construíram apenas com nanotubos.

Se o resultado é tão bom, não valeria a pena patentear o método de produção? Para Ugarte, não. “O mercado para esses objetos é restrito e o investimento para produzi-los em escala maior, muito alto”, diz. Além do mais, comenta, caso consigam pontas que aumentem ainda mais a resolução desses microscópios, seria mais vantajoso usá-las em suas próprias pesquisas. “Assim”, diz Ugarte, “conseguiríamos uma vantagem durante algum tempo”.

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