Em apenas um dia na cidade de São Paulo, em 29 de dezembro de 2015, caíram 337 árvores em meio a chuva e ventos fortes – em média, uma a cada quatro minutos, durante a tempestade. Foi um recorde histórico. Tombaram tipuanas, sibipirunas, figueiras, jacarandás, entre tantas outras plantadas há décadas nas ruas e praças da capital, e derrubaram muros e postes, arrastando fios de eletricidade, telefonia e internet, bloqueando ruas, destruindo carros e, às vezes, causando mortes.
De 2013 a 2021, a prefeitura registrou 3.776 quedas em média por ano, em razão não apenas dos eventos climáticos extremos. Por falta de planejamento e manutenção, as árvores ocuparam espaços inadequados para seu porte. Muitas têm pouco espaço para crescerem, perdem o equilíbrio por causa de podas malfeitas, não são substituídas quando envelhecem e apodrecem, entre outros motivos (ver quadro).
Para evitar acidentes e transtornos, equipes dos órgãos públicos têm trabalhado com pesquisadores de universidades para localizar as árvores com alto risco de queda, mapear as áreas mais vulneráveis e aprimorar os cuidados com plantio, poda e manutenção das cerca de 650 mil árvores da cidade.
“As árvores caem com maior frequência nas áreas mais antigas da cidade, como o centro, porque foram plantadas há muitas décadas e as raízes de muitas delas foram cortadas durante obras de manutenção dos serviços de água, luz e esgoto”, informa o biólogo Giuliano Locosselli, do Centro de Energia Nuclear da Agricultura da Universidade de São Paulo (Cena-USP), campus de Piracicaba, que trabalha com equipes da prefeitura desde 2020.
A observação de 456 árvores em bairros centrais, como Bela Vista e Consolação, indicou que as partes que se romperam com mais frequência foram galhos grandes (46%), raízes (33%) e tronco (21%), como detalhado em um trabalho realizado por equipes da USP, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Secretaria do Verde e Meio Ambiente (SVMA) da capital. O estudo foi publicado em janeiro na revista científica Urban Forestry & Urban Greening.
O risco de queda é maior em ruas com corredores de prédios de mais de cinco andares que canalizam fortes correntes de vento, de acordo com outro estudo do grupo, de julho de 2022, publicado no mesmo periódico. Algumas espécies, como o pau-ferro (Caesalpinia ferrea), resistem bastante aos ventos e, em vez de tombar, apenas perdem galhos. Outras podem cair dias depois da chuva, porque as raízes escorregam no solo encharcado, como detalhado em maio de 2021 na revista Trees.
Outra conclusão dos pesquisadores é de que os prédios dificultam a dispersão dos poluentes e limitam a luz que chega às árvores, prejudicando seu crescimento. “Espécies de menor porte do Cerrado e da Mata Atlântica, que crescem em ambientes confinados, poderiam ser plantadas nessas ruas”, sugere Locosselli.
Rovena Rosa/Agência Brasil
9 de janeiro de 2024, bairro da Bela Vista, cidade de São Paulo: árvore tomba sobre casa, fios elétricos e carro
Rovena Rosa/Agência BrasilDificuldades de remoção
Não é simples remover as árvores. Uma de cerca de 12 metros (m) que ameaçava cair e danificar a fiação elétrica e as casas de uma rua estreita do bairro da Lapa, na zona oeste da cidade, começou a ser removida em uma quinta-feira chuvosa do final de março. O tronco estava rente ao asfalto, as raízes deformavam a calçada e deixavam pouco espaço para os pedestres. Como parte dos galhos maiores já havia sido removida, o peso da copa estava visivelmente deslocado para um dos lados. Dentro de um cesto suspenso por um guindaste preso a um caminhão, um técnico da empresa contratada pela prefeitura começava a cortar um dos galhos quando a chuva aumentou e a chefe da equipe fez sinal para que ele interrompesse o trabalho diante do risco de acidente.
A legislação municipal de São Paulo estabelece que toda árvore removida deve ser substituída por outra, de preferência uma espécie nativa do Brasil ou da região: as sibipirunas (Caesalpinia peltophoroides) são nativas do Rio de Janeiro e as paus-ferro, do Nordeste A maioria das espécies plantadas na capital ainda são de outros países ou regiões do Brasil: por exemplo, as tipuanas (Tipuana tipu) foram trazidas da Argentina e da Bolívia e as figueiras (Ficus spp.) do Sudeste Asiático.
Republicado em 2015, o Manual técnico de arborização urbana indica 419 espécies nativas, entre elas a copaíba (Copaifera langsdorffii), com até 18 m de altura, madeira resistente e frutos que atraem pássaros, e o palmito-juçara (Euterpe edulis), palmeira ameaçada que, na Mata Atlântica, atrai diversos animais que se alimentam dos seus frutos.
Em seu livro Arborização urbana (1944), um dos primeiros manuais desse tipo distribuído para os prefeitos do estado, o botânico Frederico Carlos Hoehne (1882-1959), então diretor do Jardim Botânico de São Paulo, apresenta 261 espécies nativas, das quais 90 constam do atual guia da prefeitura.
No livro, Hoehne comenta que as árvores de grande porte sofrem recriminações injustas quando plantadas em local inadequado: “Se levantam os ramos são perseguidas pelos que zelam pelos fios telefônicos e de energia elétrica; se abrem os ramos e tocam as paredes ou cobrem demais a rua, são atacadas pelos proprietários e pelos condutores de veículos”.
A bióloga Aline Cavalari, da Unifesp, campus de Diadema, explica que as raízes das árvores não conseguem crescer por baixo do asfalto, onde o solo é compactado. Segundo ela, nos parques da cidade, onde há espaço livre, o diâmetro das raízes chega a ser três vezes maior que o da copa.
Cavalari coordena, com o engenheiro-agrônomo Carlos Alberto da Silva Filho, da SVMA, um curso sobre arborização urbana, oferecido há cinco anos para funcionários de órgãos públicos e empresas privadas dedicadas à gestão das árvores. “Os participantes levam problemas de suas cidades e, com os colegas e professores, propõem soluções para serem implementadas”, conta a bióloga.
Planos
“Já sabemos quais árvores correm mais risco de queda e em quais regiões”, comenta a engenheira-agrônoma Priscilla Cerqueira, da SVMA, que coordenou a elaboração do Plano Municipal de Arborização Urbana (PMAU) em 2020. Segundo ela, a primeira revisão do plano, prevista para o próximo ano, deverá incorporar conclusões dos estudos, como os do grupo da USP, que conferem mais atenção aos bairros antigos da cidade.
O incentivo ao plantio de espécies nativas desde 2003, como resultado de uma política pública para a gestão de árvores, e o aumento da cobertura vegetal para 54% do território urbano, registrado no ano passado, conferiram à capital paulista em 2023 e 2024 o título de Cidade Árvore do Mundo, concedido pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO/ONU) e pela Fundação Dia da Árvore, organização não governamental norte-americana que promove o plantio de mudas. Foram premiadas 32 cidades brasileiras, incluindo João Pessoa, capital da Paraíba, e São José dos Campos, no interior paulista.
Outra iniciativa para adequar as árvores às cidades brasileiras ocorreu no norte do país. Em 2022, pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB), do Instituto Tecnológico Vale (ITV) e do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) selecionaram 49 espécies nativas da região amazônica, com destaque a sete que mais se adequaram aos critérios de seleção, que poderiam ser plantadas em Belém, capital do Pará, onde uma espécie exótica, as mangueiras, são abundantes.
Benefícios
Árvores em ruas resfriam a temperatura das cidades em até 3,8 graus Celsius (ºC), tanto quanto as varandas com vegetação, e os jardins botânicos em até 4,9 ºC, de acordo com um estudo internacional, do qual participaram pesquisadores de São Paulo, publicado em março na The Innovation.
“Áreas verdes reduzem a poluição, os problemas respiratórios, geram bem-estar, promovem a vida social e as atividades físicas, como reiterado por vários estudos recentes”, relata Cavalari.
Locosselli confirmou sua conclusão de que a queda de árvores não é inevitável ao visitar Singapura, na Ásia, em 2019. A cidade-estado ao sul da Malásia tem quase 6 milhões de habitantes e 10 vezes mais árvores do que São Paulo. Segundo o pesquisador da USP, equipes especializadas verificam o estado de saúde das plantas, auxiliados por câmeras automáticas e sistemas de inteligência artificial. Desse modo, as árvores são substituídas antes de cair, e as mais velhas recebem atenção especial, porque podem precisar de escoras para segurar galhos inclinados e de para-raios para evitar descargas elétricas.
Projeto
Florestas funcionais: Biodiversidade a favor das cidades (nº 19/08783–0); Modalidade Jovem Pesquisador; Pesquisador responsável Giuliano Maselli Locosselli (USP); Investimento R$ 2.020.426,66.
Artigos Científicos
CAVALARI, A. A. et al. Predicting tree failure to define roles and guidelines in risk management, a case study in São Paulo/Brazil. Urban Forestry & Urban Greening. v. 91. jan. 2024.
KUMAR, P. Urban heat mitigation by green and blue infrastructure: Drivers, effectiveness, and future needs. The Innovation. v. 5, n. 2. 100588. 4 mar. 2024.
LOCOSSELLI, G. M. et al. Climate drivers of tree fall on the streets of São Paulo, Brazil. Trees-Structure and Function. v. 35, p. 1807-15. 17 mai. 2021.
MANFRA, R. et al. Average height of surrounding buildings and district age are the main predictors of tree failure on the streets of São Paulo/Brazil. Urban Forestry & Urban Greening. v. 74. 3 ago. 2022.
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