A FAPESP e a National Science Foundation (NSF) deram um passo a mais para fortalecer a parceria estabelecida em 2011 voltada ao estudo da biodiversidade no Brasil. Em dezembro passado foi lançada a terceira chamada de propostas de cooperação científica vinculadas às principais linhas de financiamento de estudos sobre a diversidade biológica das duas agências, os programas Biota-FAPESP e Dimensions of Biodiversity. O objetivo é estimular a colaboração em pesquisa entre cientistas por meio de projetos que contribuam para o avanço dos estudos em biodiversidade no Brasil e Estados Unidos. Os projetos aprovados receberão até US$ 2 milhões de cada fundação.
A ideia é que as propostas integrem as três dimensões da biodiversidade — genética, taxonômica e funcional —, com o propósito de tentar compreender como elas contribuem para a saúde, o funcionamento dos ecossistemas e a adaptação biológica em resposta às mudanças ambientais. “O caráter interdisciplinar que os projetos submetidos precisam atender é um dos principais diferenciais dessa parceria”, diz Regina Costa de Oliveira, diretora da área de biologia, agronomia e veterinária da Diretoria Científica da FAPESP e coordenadora da chamada de propostas. Segundo ela, a FAPESP preza as parcerias com grandes instituições, como a NSF, porque envolvem muitos pesquisadores e intensa produção científica.
A seleção de propostas integra uma chamada mais ampla, publicada todos os anos pelo Dimensions of Biodiversity, voltada à participação de pesquisadores de instituições americanas em projetos financiados pela NSF ou lançados em parceria com outras fundações. De 2003 a 2007 houve intensa troca de experiências entre a coordenação do programa Biota e a administração da NSF. Esses contatos contribuíram para que, em 2010, a NSF iniciasse um projeto de 10 anos de investimentos em pesquisa, infraestrutura de tecnologia, força de trabalho, coleta e síntese de dados, numa campanha de estudos integrados com o objetivo de caracterizar a dimensão da diversidade biológica da Terra. Na mesma época, a FAPESP renovou por mais 10 anos a continuidade do Biota-FAPESP. Dentre os objetivos da segunda fase estão as parcerias internacionais, a expansão da abrangência geográfica para além do estado de São Paulo, a ampliação de pesquisas sobre a biodiversidade costeira e marinha e a prioridade à vertente educacional, o que vem sendo feito.
Em 2013, o programa organizou, em parceria com Pesquisa FAPESP, uma série de palestras para discutir os desafios ligados à conservação dos principais ecossistemas brasileiros, como contribuição para a melhoria da qualidade da educação científica e ambiental no país. Com 13 anos de história em caracterização, conservação, restauração e uso sustentável da biodiversidade, o Biota-FAPESP já financiou mais de 120 projetos de pesquisa, cujos resultados têm contribuído para que tomadores de decisão possam identificar e caracterizar melhor as áreas prioritárias para conservação e restauração no estado de São Paulo.
“As relações entre pesquisadores brasileiros e americanos têm promovido avanços importantes quanto a nossa compreensão dos processos que regulam a diversificação, manutenção e perda de biodiversidade no Brasil”, diz Simon Malcomber, coordenador do Dimensions of Biodiversity. A expectativa, segundo ele, é que essas atividades colaborativas promovam o desenvolvimento científico e econômico dos dois países, gerando uma força de trabalho amplamente treinada e internacionalmente engajada na pesquisa ambiental.
Projetos aprovados
O resultado da primeira chamada foi anunciado em setembro de 2012. Um projeto ambicioso, coordenado pela bióloga Lúcia Lohmann, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), pretende entender o que levou a floresta amazônica a abrigar a maior variedade de plantas e animais do mundo (ver Pesquisa FAPESP nº 200). Para isso, uma equipe multidisciplinar de 30 pesquisadores brasileiros e americanos trabalha para tentar reconstruir o parentesco, história evolutiva e distribuição espacial de grupos animais e vegetais, como as Bignoniáceas, família de plantas que inclui os ipês e os jacarandás, e as Lecythidaceae, grupo no qual está a castanheira-do-brasil.
Se o projeto avançar, os pesquisadores esperam poder identificar os principais momentos de diversificação das espécies desses grupos e reconstruir suas histórias biogeográficas. Com isso, pretendem entender melhor a origem e evolução da biodiversidade da região. “Queremos reconstruir a história da Amazônia nos últimos 20 milhões de anos”, conta Lúcia. “Mas antes precisamos entender melhor a história da biodiversidade da região, bem como as transformações que ocorreram no ecossistema. Só assim conseguiremos entender a influência de eventos geológicos específicos, como o surgimento dos Andes, na diversificação de espécies na Amazônia.” A pesquisadora também planeja investigar se esses eventos de diversificação estão associados a fenômenos climáticos e ciclos biogeoquímicos, entre outros aspectos ambientais do passado.
Análises integradas
Os trabalhos estão bastante avançados e já resultaram em quatro artigos publicados até agora, além de outros cinco que estão no prelo. No ano passado, o projeto foi citado pela revista Science, que enfatizou seu potencial na produção de insights ligados à biodiversidade amazônica. Os grupos ainda trabalham de forma isolada, mas Lúcia pretende reuni-los entre os dias 16 e 21 de fevereiro, no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus, para discutir os avanços deste primeiro ano de pesquisas e estabelecer novas metas e protocolos de trabalho para 2014.
Lúcia está paralelamente envolvida em outro projeto, este de caracterização da distribuição e diversidade de espécies animais e vegetais na mata atlântica. O projeto foi aprovado em 2013, na segunda chamada de propostas FAPESP-NSF. Sob coordenação da bióloga Cristina Miyaki, do Instituto de Biociências da USP, pesquisadores de diversas áreas estão trabalhando para entender melhor a história do ecossistema, um dos mais degradados do país. Em fevereiro, eles se reunirão em um workshop na sede da FAPESP em São Paulo. “O objetivo é juntar os pesquisadores para delinear o que cada um está fazendo, de modo a começarmos a pensar como os avanços de cada grupo podem ajudar a melhorar a documentação dos padrões da biodiversidade na mata atlântica”, explica Cristina, que também é uma das organizadoras do evento. Essa será a primeira vez que as equipes estarão frente a frente, conta Regina Costa de Oliveira. “Queremos promover esses encontros anualmente”, diz.
“Estamos animados com o potencial desse e de outros projetos conjuntos de expandir nosso conhecimento sobre os processos que influenciam a biodiversidade desses dois ecossistemas brasileiros”, comenta Malcomber, do Dimensions of Biodiversity. Apesar de terem apenas dois anos, ele diz estar satisfeito com a natureza colaborativa dos trabalhos. “As equipes de pesquisadores têm feito progressos significativos”, diz. “Esperamos que continuem a empurrar as fronteiras da ciência da biodiversidade.” Para Regina Costa de Oliveira, parcerias como essa aumentam a massa crítica pensante sobre os diversos temas relacionados à biodiversidade. “Estamos usando a biodiversidade brasileira como ponto de partida para uma análise envolvendo uma grande mistura de especialidades, cujas pesquisas reverberarão por vários outros países”, afirma.
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