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Engenharia Química

Pastilhas da limpeza

Empresa desenvolve dispositivos que eliminam bactérias e fungos dentro de aparelhos de ar-condicionado

Colegas no programa de doutorado na área de química inorgânica no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) no início dos anos 90, Carlos Alberto Alves de Carvalho e Rubén Dario Sinisterra Milllán já nutriam expectativas de, um dia, transformar seus conhecimentos científicos em produtos tecnológicos que beneficiassem a sociedade. A realização desse projeto aconteceu em 2000, quando eles montaram uma empresa para produzir pastilhas impregnadas de bactericidas e fungicidas com a finalidade de higienizar equipamentos de ar-condicionado.

Muito da idéia empresarial foi fortalecida por Sinisterra nos Estados Unidos, de onde ele voltou no final da década de 1990 depois de um pós-doutorado no Massachusetts Institute of Technology (MIT), instituição que o inspirou ainda mais na perspectiva de aliar pesquisa e desenvolvimento com objetivos empresariais. Atualmente, ele é professor do Departamento de Química da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O amigo Carvalho, que mora em São Paulo, viaja toda semana para trabalhar no Departamento de Química da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop).

Os dois, mais a professora Nelcy Della Santina Mohallem, também do departamento de Sinisterra, na UFMG, são os três sócios fundadores da Scientia Tecnologia Química (STQ). A empresa está instalada no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec) abrigado no prédio do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), localizado na Cidade Universitária, em São Paulo. “Fizemos uma avaliação cuidadosa dos nossos conhecimentos e sobre o potencial de possíveis produtos no mercado e decidimos nos concentrar no desenvolvimento de uma solução eficaz e com efeito duradouro para o combate a bactérias e fungos em sistemas centrais de condicionamento de ar”, conta Carvalho.

Trata-se de um problema grave e muito comum. Ao reciclar o ar que circula nos espaços fechados, os aparelhos de ar-condicionado de prédios comerciais, aviões e trens, por exemplo, condensam uma parcela do vapor d’água que se forma durante o processo de resfriamento, gerando um acúmulo de líquido em suas bandejas internas. Se não receber tratamento adequado, a água parada inevitavelmente se transforma em um ambiente altamente propício para a formação de colônias de bactérias e fungos dos mais variados tipos. E o ar que passa pelo equipamento leva os microrganismos para dentro dos prédios.

Edifícios doentes
Por isso, os sistemas de condicionamento de ar acabam contribuindo para a configuração da chamada síndrome dos edifícios doentes. A contaminação do ar interno pode causar dores de cabeça, irritação nos olhos e na garganta, rinites, bronquites, crises de asma e pneumonia nas pessoas que permanecem por muito tempo em lugares contaminados. “Além do impacto sobre a saúde e o bem-estar humano, o ar contendo agentes biológicos afeta a produtividade das empresas e é responsável por muitos afastamentos do trabalho”, explica Carvalho. De acordo com o empresário, a suspeita de síndrome deve ser levada em conta sempre que 20% dos freqüentadores de um prédio apresentem problemas respiratórios e alergias em curtos intervalos de tempo ou quando os sintomas não se manifestarem em outros ambientes.

“Para higienizar os aparelhos de ar-condicionado, os produtos hoje disponíveis comercialmente têm dois tipos de limite: matam bactérias e fungos, mas exigem manutenção diária, ou têm ação prolongada, mas apenas inibem o crescimento de microrganismos, não agindo sobre aqueles que já se acumularam nos equipamentos”, explica. “Além disso, existem produtos no mercado para a limpeza dos ductos que removem poeira e materiais particulados que são necessários também para uma manutenção completa do equipamento de ar-condicionado em conjunto com o produto da STQ.”

A opção tecnológica da STQ foi, desde o início, o desenvolvimento de uma pastilha de matriz cerâmica que contém um bactericida e um fungicida extensivamente testados e que não agridem o ambiente natural e as pessoas. Esses produtos são preparados para serem liberados de maneira progressiva. Para que isso aconteça, os princípios ativos são encapsulados em uma substância chamada ciclodextrina, um oligossacarídeo (do grupo dos açúcares) que permite incluir ou hospedar moléculas no interior de suas cavidades.

Em todo o mundo, as ciclodextrinas são cada vez mais utilizadas por diversas indústrias, como, por exemplo, a farmacêutica, a de alimentos e a têxtil. “Esse produto que utilizamos torna os princípios ativos mais solúveis em água, deixando a matriz cerâmica absolutamente intacta”, comenta a pesquisadora Mariângela de Burgos Martins de Azevedo.

Antes de se juntar ao time da STQ, em 2002, ela acumulou experiência na área de compostos com ciclodextrinas para encapsulamento de hormônios vegetais com o objetivo de aumentar, com pulverizações desse produto, a massa e as sementes de vários tipos de planta. Ela fez pós-doutoramento no Laboratório de Química Biológica do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e depois atuou como pesquisadora no Instituto Agronômico de Campinas (IAC), com um projeto do Programa Jovens Pesquisadores da FAPESP (veja Pesquisa FAPESP nº 80).

Capital inicial
A constatação de um problema de saúde pública e o domínio de uma tecnologia com potencial para solucioná-lo não eram suficientes, porém, para a empreitada de Carvalho e Sinisterra. “Faltava-nos capital inicial para comprovar a viabilidade técnica do projeto”, lembra Carvalho. “O que possibilitou a criação da empresa foi o apoio da FAPESP, que, por meio do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), garantiu verba para a compra de equipamentos para o laboratório e a remuneração de assessorias de negócios, além de permitir a nossa instalação no Cietec”, diz ele.

Também o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnologico (CNPq), por meio do Programa de Fixação de Doutores (Profix), aprovou em abril de 2002 um projeto coordenado por Mariângela, em conjunto com os empresários da STQ, para o desenvolvimento de tecnologia para os dispositivos bactericidas usados nos equipamentos de ar-condicionado. No final do ano passado, conta Mariângela, a viabilidade técnica da pastilha foi comprovada.

“Agora na segunda fase do projeto, estamos trabalhando na simplificação e na viabilização econômica”, diz. A idéia é testar novas matrizes de suporte para o bactericida, o fungicida e a ciclodextrina que apresentem boa resistência mecânica sem exigir muito aquecimento no processo de produção. A necessidade de utilizar fornos industriais com temperatura de até 500 graus centígrados encarece a fabricação das pastilhas em razão da enorme demanda energética para produção de calor.

Liberação gradual
“Já obtivemos resultados promissores com um material de custo relativamente baixo e de grande disponibilidade no país”, afirma Carvalho. Esse material, além dos nomes dos fungicidas e bactericidas encapsulados na pastilha, e o tipo da ciclodextrina que assegura a liberação gradual dos princípios ativos são segredos do negócio e não podem ser revelados. Mariângela diz, contudo, que nos primeiros testes o novo candidato a matriz assegurou a ação dos princípios ativos por mais de 15 dias. E, pelo menos no mercado brasileiro, dobrar a duração do efeito será suficiente.

“No início, trabalhamos com a perspectiva de efeito prolongado por três meses, que era então o intervalo mínimo para a manutenção dos sistemas de ar-condicionado, conforme norma da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”, conta Carvalho. Hoje, a Portaria número 9, de abril de 2003, desse órgão exige que os aparelhos sejam verificados a cada mês. Evidentemente, a necessidade de limpar os equipamentos e purificar a água neles acumulada com maior freqüência aumenta os custos de sua manutenção. Nos testes a serem realizados daqui para a frente também existe o objetivo de avaliar o desempenho da pastilha fora do laboratório, e a STQ já mantém parcerias com algumas empresas de manutenção de aparelhos de ar-condicionado.

Recentemente, uma delas sugeriu o desenvolvimento de mais um produto, voltado para a manutenção de sistemas de condicionamento de ar em automóveis. A sugestão está em análise pelo grupo de pesquisadores-empresários. Para o produto que motivou a fundação da STQ, que deve estar pronto para o lançamento comercial no final de 2004, mercado é o que não falta. Conforme dados da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava), cerca de 400 companhias, na maior parte de pequeno e médio porte, atuam nesse segmento, movimentando, no total, cerca de R$ 1,1 bilhão por ano.

E o mercado de sistemas de ar-condicionado central está em plena expansão já há oito anos – sua taxa de crescimento gira em torno dos 20% ao ano. Se a STQ vai produzir a pastilha é uma questão ainda em aberto. “Talvez optemos pela terceirização do processo de produção e até mesmo pela transferência da tecnologia para uma grande companhia”, comenta Carvalho. E um novo projeto em fase de detalhamento talvez fortaleça a perspectiva de prestação de serviços high tech, com receita baseada em projetos e royalties.

No final do ano passado, a STQ, que logo no início de suas operações passou a ter apenas três sócios-fundadores – além de Carvalho, Sinisterra e Nelcy Mohallem -, atraiu para a sociedade o professor Robson Santos, do Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que vai trabalhar em projetos de formulações farmacêuticas e sistemas de liberação controlada de fármacos e testes pré-clínicos para companhias do setor. “Três delas já manifestaram interesse pelos nossos conhecimentos, com o objetivo de encapsular seus produtos em ciclodextrinas e polímeros biodegradáveis”, revela Carvalho.

O Projeto
Desenvolvimento de um Dispositivo Químico de Liberação Controlada de Princípios Bioativos para Tratamento Microbiológico do Ar Interior em Ambientes Climatizados (nº 00/12776-3); Modalidade Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE); Coordenador Carlos Alberto Alves de Carvalho – STQ; Investimento R$ 312.271,72 e US$ 4.000,00

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