Podcast: Maria da Glória Motta Garcia
O novo inventário contempla uma área com vestígios da exploração de ouro nos séculos XVI e XVII em uma mata na periferia do município de Guarulhos, na Grande São Paulo. “Neste local havia um veio de quartzo, com o qual o ouro estava associado”, descreve o geólogo Edson Barros, da prefeitura de Guarulhos, indicando o fundo de uma cavidade. Muros de pedras em meio à mata e túneis de escoamento de água constituem outros vestígios das primeiras minas de ouro abertas pelos portugueses no Brasil, no final do século XVI, 100 anos antes do início da mineração em Minas Gerais.
Descritos em um artigo publicado em janeiro deste ano na revista Geoheritage ,os sítios – ou geossítios – constituem lugares cientificamente relevantes. “Devem ser conservados pelos órgãos responsáveis de modo a preservar a história geológica do estado”, observa a geóloga Maria da Glória Motta Garcia, professora do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (IGc-USP) e coordenadora do trabalho. “Na Europa, inventários desse tipo fundamentaram a criação ou adequação de leis para a proteção do patrimônio geológico.” Um dos autores do levantamento, o geólogo José Brilha, professor da Universidade do Minho, coordenou um inventário similar, concluído em 2010, que apresentou 320 geossítios em Portugal.
Com base no valor científico e nas políticas de conservação, sete geossítios já foram reconhecidos pelo governo do estado de São Paulo como monumentos geológicos do estado e estão abertos à visitação. Monumentos geológicos são geossítios que impressionam pela beleza ou pela importância cultural, como o Corcovado, no Rio de Janeiro, ou a Foz do Iguaçu, no Paraná. Rochas com sinais de geleiras de 260 milhões de anos estão conservadas em dois parques nos municípios de Itu e Salto. O morro do Diabo, com depósitos de arenitos formados há cerca de 80 milhões de anos, integra um parque estadual no município de Teodoro Sampaio, a 660 quilômetros (km) da capital.
Outros lugares, porém, estão bastante vulneráveis, como as rochas com icnofósseis – pegadas fósseis – no município de Rosana, que correm o risco de ser decompostas em razão da variação do nível da água em consequência da operação da Usina de Porto Primavera. “Os icnofósseis de Porto Primavera estão em antigos depósitos de areia, no interior de um grande deserto que existiu ali entre 90 milhões e 65 milhões de anos”, diz o geólogo Luiz Fernandes, professor da Universidade Federal do Paraná que participou do levantamento.
O geógrafo Rogério Rodrigues, diretor técnico do Núcleo de Monumentos Geológicos do Instituto Geológico de São Paulo, recomenda: “As equipes das prefeituras e os proprietários das áreas com sítios geológicos primeiramente devem adotar medidas de segurança e conservação, instalando cercas, portarias e infraestrutura para visitantes, antes de explorar o potencial turístico dos lugares”.
“No Brasil, falta uma legislação específica para a preservação dos patrimônios geológico e da geodiversidade”, afirma o geólogo Gustavo Beuttenmuller, da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo. Mesmo assim, há avanços. Segundo o geólogo Oswaldo Landgraf Júnior, também da Secretaria do Verde, a prefeitura prevê a expansão do parque municipal cratera de Colônia, no bairro de Parelheiros, na capital, criado em 2007, para proteger as encostas e o interior de uma concavidade criada pelo impacto de um corpo celeste há cerca de 35 milhões de anos. Barros, com sua equipe e outros grupos, trabalha para preservar e dar visibilidade às estruturas geológicas e construções ligadas à mineração em Guarulhos.
O passado gravado nas rochas
Os geossítios representam a história geológica do estado de São Paulo
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