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Agronomia

Pequenos e poderosos

Pesquisadores constatam efeitos protetores do cogumelo-do- sol e indicam forma correta de uso

MIGUEL BOYAYANShitake cultivado no campo sobre toras de eucaliptoMIGUEL BOYAYAN

Carnudo e macio ao toque, o fungo Agaricus blazei, conhecido popularmente como cogumelo-do-sol, estimula o sistema imunológico e funciona como poderoso coadjuvante no tratamento da hepatite C, na medida em que melhora o apetite dos pacientes, que costumam emagrecer muito. Ele também diminui os efeitos colaterais dos medicamentos antivirais, como fadiga e dores musculares. Além disso, é uma excelente fonte de proteínas e vitaminas.

Cada 100 gramas do cogumelo desidratado contém 35 gramas de proteínas, além de ferro, fósforo, cálcio e vitaminas do complexo B. Essas foram algumas das conclusões a que chegou a equipe de pesquisadores coordenada pelo professor Augusto Ferreira da Eira, do Departamento de Produção Vegetal da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu, após quatro anos e meio de estudos.

Eles verificaram ainda que muitos dos resultados divulgados pela mídia para o cogumelo-do-sol, como a diminuição de tumores, só são obtidos com o extrato concentrado do fungo e não com comprimidos e chás.O estudo das propriedades medicinais do A. blazei e também do Lentinula edodes, cogumelo conhecido por shitake, foi um dos objetivos da pesquisa.

A crescente procura dos produtores por técnicas que garantissem melhores resultados no cultivo desses cogumelos também serviu de incentivo. Financiado pela FAPESP, o projeto já possui resultados agrícolas, principalmente do cogumelo-do-sol, que estão sendo repassados aos produtores, concentrados nas cidades paulistas de Sorocaba, Piedade e no eixo oeste do estado (Boituva, Conchas, Lençóis Paulista, Marília e outras).

Consumo tradicional
O A. blazei, como outros cogumelos do mesmo gênero, possui um formato que lembra um guarda-chuva. É originário das regiões serranas da Mata Atlântica do sul do Estado de São Paulo. Na década de 1970 foi levado para o Japão, onde suas propriedades medicinais começaram a ser estudadas. Já o shitake fez o caminho inverso. Foi trazido da Ásia por japoneses e chineses e aclimatado às condições brasileiras. Embora seja o segundo cogumelo mais consumido no mundo, com cerca de 14% do mercado, ele ainda está muito atrás do imbatível líder, Agaricus bisporus, o famoso champignon originário da França, com mais de 50%.

Existem no mundo cerca de 10 mil espécies conhecidas de cogumelos, segundo alguns especialistas, das quais 700 são comestíveis, 50 tóxicas e de 50 a 200 usadas em práticas medicinais. Entre os asiáticos, a tradição de consumo medicinal de cogumelos vem de longa data, conforme atestam relatos datados de quase 2 mil anos.

E são eles os maiores consumidores do produto brasileiro, segundo os dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Apenas no primeiro trimestre deste ano, de 6.243 quilos (kg) de cogumelo-do-sol seco exportados, no valor de US$ 557.901,00 (US$ 89,36, o quilo), a quase totalidade, ou 6.223 kg, foi destinada ao Japão. Em 2003, dos 20.072 kg vendidos, 19.368 seguiram para o mercado japonês.

Nos últimos anos, o A. blazei tornou-se bastante conhecido em função de relatos populares sobre os benefícios proporcionados pelo chá desse cogumelo, que seria responsável pela recuperação e melhora do quadro clínico de pacientes com tumores cancerígenos, quando administrado junto com os tratamentos convencionais, como a radioterapia e a quimioterapia. “Entramos na pesquisa para ver o que é verdade e o que é mentira nos relatos propalados pela mídia”, diz Augusto.

Participaram do projeto pesquisadores ligados a várias áreas, como biotecnologia, imunologia, patologia, bioquímica e agronomia, somando, pelas contas do coordenador, cerca de 80 profissionais distribuídos em sete equipes. A primeira tarefa dos pesquisadores envolvidos no projeto, iniciado em 1999, consistiu em verificar se o fungo que seria estudado era exatamente o A. blazei. Para isso, foram escolhidas linhagens dos estados de São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

A análise, feita por micologistas (estudiosos de fungos) brasileiros com a participação de israelenses, resultou na proposição de que as linhagens brasileiras sejam identificadas como Agaricus blazei (Murr.) ss. Heinem ou como uma nova espécie, denominada Agaricus brasiliensis, porque elas são realmente diferentes das linhagens encontradas na Flórida, Estados Unidos, e descritas pelo micologista norte-americano William Murrill em 1945. O estudo que identifica a espécie brasileira, encabeçado por Solomon Wasser, da Universidade de Haifa, em Israel, foi publicado em 2003 no International Journal of Medicinal Mushrooms, ou revista internacional de cogumelos medicinais, e aguarda o parecer de outros micologistas.

Em paralelo a esse trabalho, os cogumelos obtidos em várias situações de cultivo eram enviados para as demais equipes. O grupo responsável pela caracterização bioquímica, coordenado pelo professor Edson Rodrigues Filho, do Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), analisou várias substâncias em extratos apolares (ácidos graxos, ou gordurosos, que estão presentes no cogumelo) e também polares (solúveis em água, como proteínas e aminoácidos). “No caso dos extratos apolares do A. blazei, foram detectadas várias substâncias, entre elas o ácido linoleico, descrito na literatura científica como possuidor de propriedades anticancerígenas em animais”, diz Augusto.

Para saber em que fase do cogumelo o ácido linoleico encontrava-se mais presente, foram analisadas várias linhagens colhidas na fase jovem, caracterizada pelo fechamento da parte superior do fungo, conhecida como chapéu, e na etapa em que ele já está plenamente aberto. Segundo Augusto, o mercado elege o cogumelo mais branquinho, fechado, para consumo. “Mas nem sempre o cogumelo jovem é o que contém mais princípios ativos”, completa.

Proteção celular
Os testes, realizados por Ana Paula Terezan, aluna de mestrado do Departamento de Química da UFSCar, apontaram que em algumas linhagens o ácido linoleico, por exemplo, está mais concentrado na fase aberta, enquanto em outras isso ocorre na jovem. As variações estavam relacionadas à linhagem e ao material usado como cobertura, onde é feito o cultivo, que pode ser turfa, xisto ou a mistura de terra e carvão.

Outra equipe, coordenada por Lúcia Regina Ribeiro, do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Unesp de Botucatu, avaliou a eficiência dos extratos aquosos do cogumelo-do-sol e do shitake em ratos contra tumores e outros danos celulares induzidos quimicamente. Esse estudo tinha como objetivo avaliar se as tão propaladas propriedades medicinais do cogumelo ingerido sob a forma de sucos ou chás realmente tinham fundamento. Os experimentos demonstraram que os extratos aquosos protegem contra alterações genéticas das células. “Quando o cogumelo foi moído e incorporado à ração, o benefício foi o não aparecimento de tumores”, conta Augusto.

As pesquisas também trouxeram novas luzes sobre a forma de extração e a dosagem diária indicada de cogumelos. Alguns produtores recomendam consumir, diariamente, até 40 gramas de A. blazei desidratado, em infusão aquosa de 1 litro à temperatura de 100 °C e fervido durante uma a duas horas.

Dados obtidos pela equipe coordenada por Ramon Kaneno, do Departamento de Microbiologia e Imunologia do Instituto de Biociências da Unesp, contrariam totalmente essas recomendações. “Os testes mostraram que extratos aquosos do cogumelo-do-sol obtidos por fervura diminuíram a sobrevida de camundongos portadores de tumores cancerígenos, em relação aos tratamentos com sucos, provavelmente pelos efeitos hepatotóxicos”, relata Augusto. Em função desses resultados, os pesquisadores estudam doses bem menores do que 40 gramas em forma de pó ou na forma de suco.

Segundo Augusto, quase tudo aquilo que se fala a respeito de diminuir a progressão de tumores, aumentar a sobrevida de doentes e até contribuir para a regressão tumoral não se comprovou com a ingestão de chás (infusão a quente). Esses efeitos podem ser observados apenas quando são utilizadas frações concentradas do cogumelo-do-sol, em que os princípios ativos encontram-se mais fortemente presentes. “Em frações solúveis em oxalato de amônia (extrato ATF), os pesquisadores da área de imunologia observaram que os tumores paravam de proliferar.

Eles não regrediam, mas estagnavam em determinado ponto”, relata. “Cerca de 80% dos extratos concentrados (ATF) são compostos por betaglucanas (polissacarídeos), que têm realmente efeito controlador do tumor. Ele ressalta que as propagandas dirigidas para o consumidor utilizam resultados científicos que foram obtidos com extratos concentrados, o que não corresponde aos produtos que estão à venda, em forma de comprimidos, por exemplo. “Apesar de o cogumelo-do-sol ser conhecido há bastante tempo com esse nome, um empresário entrou com o pedido de registro da marca”, conta Augusto. O caso lembra o do cupuaçu, fruto típico da Amazônia que teve o registro cassado no Japão.

Augusto lembra que o cogumelo-do-sol tem efeito na neutralização de radicais livres (moléculas ligadas a processo celulares degenerativos) e funciona como auxiliar importante em alguns tipos de tratamento, como a quimioterapia, porque elimina, em parte, os efeitos colaterais. Quanto à radioterapia, testes da equipe coordenada pela professora Alzira Teruio Yida-Satake, do Departamento de Dermatologia e Radioterapia da Faculdade de Medicina da Unesp de Botucatu, mostraram que os chás de algumas linhagens são modificadores das radiorrespostas.

Se ingeridos antes da radiação, não interferem no tratamento. Entretanto, o mesmo chá administrado após a radiação torna o indivíduo resistente à radioterapia. O efeito radioprotetor também foi observado com os sucos administrados tanto antes como após a radiação. Portanto, o tratamento poderá não surtir o efeito desejado se o chá for tomado após a radiação e o suco antes ou depois.

Quando o projeto temático estava na etapa final, Milena Costa Menezes, aluna de mestrado orientada por Carlos Antônio Caramori, da Faculdade de Medicina da Unesp de Botucatu, começou a avaliar a influência da suplementação dietética com o cogumelo-do-sol na evolução do estado nutricional e do tratamento da hepatite C em pacientes do ambulatório universitário. Durante seis meses, uma mistura de seis diferentes linhagens foi ministrada a cinco portadores da doença, em forma de pó.

O estudo acompanhou os pacientes no início do tratamento antiviral, sem o uso do cogumelo, e depois da administração do novo preparado. O grupo controle recebeu o mesmo tratamento antiviral. Os resultados apontaram que o grupo experimental apresentou melhora em todos os efeitos colaterais relatados – em comparação com o grupo controle – após o primeiro mês de tratamento medicamentoso.

Temperaturas alternadas
A outra parte da pesquisa, que trata da tecnologia de cultivo, também avançou bastante. Antes de o projeto ter início, os produtores que cultivavam o cogumelo-do-sol empregavam a mesma tecnologia utilizada para produzir o champignon. No entanto, o cogumelo nativo do Brasil necessita da alternância de temperaturas para frutificar (dez a 14 dias de calor, seguidos de três a cinco dias de frio e, novamente, o mesmo período de calor). Para chegar a essa conclusão, foram reproduzidas, em estufas adaptadas dentro de contêineres, as condições de cultivo de campo. Todas as variáveis foram controladas por um programa de computador desenvolvido pelos pesquisadores.

Para o A. blazei, além da escolha de linhagens selecionadas, é necessário escolher o composto mais propício para o cultivo. Capim, bagaço de cana, farelo, esterco e outros resíduos agroindustriais são alguns dos substratos utilizados para inocular a “semente” do fungo. Nessa fase, ele fica em um ambiente úmido, que lembra uma sala mofada, mas exala um cheiro peculiar de amêndoa doce. A reprodução se faz com pequenos filamentos finos (hifas) extraídos do chapéu do cogumelo.

Inicialmente, o A. blazei era cultivado apenas em canteiros desprotegidos no campo, por isso ficou conhecido como cogumelo-do-sol. Mas, mesmo ao ar livre, ele é cultivado com uma cobertura de capim e não recebe luz. No caso do shitake, o cultivo é feito em toras de madeira, um método antigo e rústico, mas bastante utilizado por ser debaixo investimento.

Os resultados do projeto temático sugerem que ainda há muito campo de pesquisa para o shitake e o cogumelo-do-sol, embora várias respostas já tenham sido encontradas. A próxima etapa, pelos planos do professor Augusto, é direcionar o foco para os princípios ativos concentrados nos extratos e correlacionar a intensidade dos efeitos medicinais à época de colheita, substrato e clima.

O projeto
Cogumelos Comestíveis e Medicinais: Tecnologia de Cultivo, Caracterização Bioquímica e Efeitos Protetores dos Cogumelos Agaricus blazei Murrill (cogumelo-do-sol) e Lentinula edodes (Berk.) Pegler (shitake) (nº 98/07726-5); Modalidade Projeto Temático; Coordenador Augusto Ferreira da Eira – Unesp de Botucatu; Investimento R$ 542.578,00 e US$ 261.003

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