Um estudo de uma equipe internacional de paleontólogos, coordenada por Max Langer, do campus de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), propõe uma nova hipótese sobre a origem dos pterossauros, répteis alados que foram os primeiros vertebrados capazes de voar e dominar os céus por 150 milhões de anos enquanto os dinossauros reinaram em terra firme. Segundo o trabalho, publicado hoje (9/12) na versão on-line da revista Nature, um grupo pouco conhecido e relativamente raro no registro fóssil de pequenos bípedes terrestres, os lagerpetídeos, é reconhecido como os precursores dos pterossauros. Até hoje, fósseis de apenas seis espécies de lagerpetídeos, que viveram entre 237 e 210 milhões de anos atrás, foram descobertos em quatro países (Brasil, Argentina, Estados Unidos e Madagascar).
Os pesquisadores analisaram e reconstruíram os traços anatômicos dessas espécies, inclusive com o emprego de tecnologias avançadas, como microtomografia computadorizada, e montaram árvores genealógicas que situaram os lagerpetídeos como o grupo mais próximo aos pterossauros. Antes desse estudo, os lagerpetídeos costumavam ser considerados como precursores dos dinossauros, e não especificamente dos pterossauros. Todas essas formas de vida — dinossauros, pterossauros e lagerpetídeos — têm algum grau de parentesco e são linhagens que derivaram de um grupo ainda maior e mais antigo de répteis, os arcossauros. Atualmente, apenas as aves e os crocodilos são descendentes vivos dos arcossauros.
No artigo, os paleontólogos classificaram os lagerpetídeos, cujo comprimento variava entre 10 centímetros e 1 metro com peso máximo de 5 quilos, como grupo irmão dos pterossauros. “Eles são os parentes conhecidos mais próximos, em termos evolutivos, dos pterossauros”, diz Langer, que participou da descrição científica em 2016 do Ixalerpeton polesiensis, lagerpetídeo encontrado na região de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. “Embora não tivessem asas e, portanto, não pudessem voar, os lagerpetídeos tinham algumas características anatômicas, na mandíbula, no cérebro, no ouvido interno e nos dentes, similares às dos pterossauros.”
A origem dos pterossauros é um dos grandes mistérios da paleontologia. A razão é relativamente simples. No registro fóssil, os exemplares mais antigos até agora descobertos desse grupo, com idade aproximada de 220 milhões de anos, como o Caelestiventus hanseni, já exibem uma anatomia totalmente adaptada para voar. Não há formas intermediárias conhecidas que poderiam ser interpretadas como “rascunhos evolutivos” do que viria a ser um pterossauro. Todos os fósseis desse grupo parecem ter surgido prontos para alçar voo, o que dificulta estabelecer de que linhagem de répteis os pterossauros teriam surgido.
Os pterossauros apresentam o característico quarto dedo dos membros superiores extremamente alongado, criando um mecanismo de sustentação para a formação e o funcionamento de uma membrana alar. “Nunca foram encontrados fósseis de pterossauros que não tivessem esse mecanismo de voo”, comenta o paleontólogo argentino Martín Ezcurra, do Museo Argentino de Ciencias Naturales Bernardino Rivadavia, de Buenos Aires, primeiro autor do artigo, também assinado por colegas dos Estados Unidos e Europa. Aves e morcegos, outros dois grupos de vertebrados também dotados de asas, apresentam adaptações anatômicas distintas que lhes permitiram alçar voo.
“Ezcurra e seus colegas jogam luz sobre a origem desse impressionante grupo [os pterossauros]”, escreve o paleontólogo Kevin Padian, da Universidade da Califórnia em Berkeley, em um artigo, também publicado na Nature, em que comenta a importância do novo trabalho. “Os resultados apresentados não traçam o caminho evolutivo completo que levou um pequeno réptil terrestre a gerar o primeiro vertebrado capaz de voar. Mas um dia um ancestral de pterossauro deverá emergir das rochas do Triássico para preencher alguns dos espaços em branco, da mesma forma que a descoberta do Archaeopteryx forneceu as pistas centrais para os primeiros estágios de voo das aves.”
O fóssil de Archaeopteryx foi o primeiro vestígio de dinossauro descoberto que tinha penas e figura como um exemplar de transição entre as linhagens terrestres e as avianas (das aves) desse popular grupo de répteis.
A edição 299 da revista Pesquisa Fapesp traz uma versão ampliada dessa reportagem
Projeto
A origem e irradiação dos dinossauros no Gondwana (Neotriássico – Eojurássico) (nº 14/03825-3); Pesquisador responsável Max Langer (USP); Modalidade Projeto Temático; Investimento R$ 2.411.452,01.
Artigos científicos
EZCURRA, M. D. et al. Enigmatic dinosaur precursors bridge the gap to the origin of Pterosauria. Nature. 9 dez. 2020.
PADIAN. K. Close kin of the first flying vertebrates identified. Nature. 9 dez. 2020.