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Saúde

Perda salvadora

Cirurgia de redução do estômago controla obesidade, diabetes e, aparentemente, protege do câncer

REPRODUÇÃO/INTERVENÇÃO GRÁFICA DE LAURA DAVIÑADavi, de MichelangeloREPRODUÇÃO/INTERVENÇÃO GRÁFICA DE LAURA DAVIÑA

Ao longo de 2001, Olívia deixou de ver na balança os 85 quilogramas adequados para seu 1,80 metro e chegou a 167 quilos. Ela sentia uma fome imensa por causa de medicamentos para controlar uma doença que lhe causava dores lancinantes, depressão, e a impossibilitava de caminhar. Já não cabia nos aparelhos de exames médicos, e 4 anos depois do início dos problemas o neurologista previu que ela não resistiria mais de 6 meses com aquele peso. A equipe de psicólogos responsável por avaliá-la autorizou então a cirurgia bariátrica, redução do estômago usada como último recurso contra obesidade extrema. Vista por muitos como uma forma preguiçosa de dar vazão à vaidade, a cirurgia tem revelado efeitos importantes além do emagrecimento, como curar diabetes do tipo 2 e reduzir a propensão ao câncer. Mas não é uma solução fácil. Ao contrário, condena o paciente a mudanças permanentes no estilo de vida.

A obesidade mórbida, em que o Índice de Massa Corpórea ou IMC – o peso dividido pelo quadrado da altura – é maior que 40, aumentou 255% no Brasil entre 1974 e 2003, chegando a 0,64% da população adulta. Ainda modesto se comparado aos 4,9% dos Estados Unidos, mas são mais de 600 mil brasileiros com um peso tão excessivo que acarreta complicações como diabetes do tipo 2 e problemas ortopédicos e cardiovasculares graves. A avaliação está no trabalho de Isabella Oliveira coordenado por Leonor Pacheco, pesquisadora ligada à Universidade de Brasília (UnB). O estudo mostrou que a prevalência de obesidade – IMC maior que 30 – aumentou de 4,4% em 1974/1975 para 11,1% em 2002/2003. A proporção de obesos é maior entre as mulheres (13% no levantamento mais recente, de 2002/2003) do que em homens (8,8%), mas neles o índice cresceu mais rapidamente nessas 3 décadas. O peso de Olívia, que chegou a ter um IMC de 51,5, tornou-se tão insustentável que ela chegou a quebrar o tornozelo. Com uma dieta rigorosa perdeu 20 quilos, insuficientes para reduzir os danos da obesidade à saúde.

A cirurgia bariátrica tem se mostrado a opção mais eficaz de perder peso para quem já tentou todas as outras maneiras e não conseguiu resultado. No Brasil, que só fica atrás dos Estados Unidos no número de cirurgias, ela foi regulamentada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em 1999, seguindo diretrizes internacionais. Recomenda-se intervenção cirúrgica para obesos mórbidos e também para obesos (IMC entre 35 e 40) com complicações graves associadas à obesidade como falta de ar, diabetes e hipertensão. O artigo de Leonor e Isabella, publicado na Obesity Surgery e que também tem como co-autores Lilian Peters, do Ministério da Saúde, e Wolney Conde, do Departamento de Nutrição da Universidade de São Paulo (USP), mostra que entre 1999 e 2006 foram feitas mais de 10 mil cirurgias bariátricas pelo SUS, praticamente metade delas na Região Sudeste. O número anual de cirurgias vem crescendo, mas até hoje atendeu somente 0,29% do número estimado de obesos mórbidos no país.

As filas para cirurgia pelo SUS podem levar anos, e mesmo quem pode pagar – por um procedimento que só em material custa em média R$ 20 mil – está limitado. Segundo o médico José Carlos Pareja, do Laboratório de Investigação em Metabolismo e Diabetes (Limed) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), hoje há no Brasil cerca de 600 cirurgiões oficialmente habilitados a fazer cirurgias bariátricas. Mesmo somando os atendimentos público e particular, só cerca de 1% dos obesos que precisam de cirurgia têm acesso às 25 mil feitas por ano. Para ele, filas não resolvem. “Antes tínhamos uma fila na Unicamp e entre 3% e 4% dos pacientes morriam esperando”, conta, “agora nossa mortalidade é zero”. A nova estratégia é montar grupos preparatórios em que os pacientes são obrigados a comparecer à universidade todas as semanas e perder peso durante esse período. Ao longo de 3 a 4 meses recebem in­­­formações, emagrecem e têm a garantia de serem operados no fim desse período caso sigam o processo.

Na modalidade mais comum de cirurgia bariátrica, com resultados comprovados por anos de uso, o cirurgião separa o estômago em dois. A parte menor, com cerca de 5% do total, mantém a função de receber alimento. A porção maior do estômago permanece no abdômen e produz sucos digestivos, lançados mais adiante no intestino – que fica um pouco mais curto. Depois da cirurgia é preciso mudar para sempre os hábitos alimentares: comer aos poucos e mastigar muito bem. Indisciplinados sofrem, pois um anel de silicone limita o fluxo de alimento no estômago reduzido.

Com estômago menor e intestino mais curto, alguns pacientes que passam pela cirurgia têm carência de nutrientes essenciais como ferro, zinco e potássio. Complicações mais graves também podem acontecer, como cálculos na vesícula e problemas na parte isolada do estômago, que se torna difícil de examinar por técnicas comuns como a endoscopia, em que uma câmera mostra o sistema digestivo por dentro. Por isso nos pacientes já mais debilitados pela obesidade alguns médicos preferem uma cirurgia menos traumática: a gastrectomia vertical, que se limita a retirar cerca de 60% do estômago. Mas antes de adotar a cirurgia o cirurgião João Luiz Azevedo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), resolveu compará-la à técnica estabelecida para verificar se é mesmo mais segura. “A maior parte do que se publica nessa área são relatos de séries de casos”, critica, “mas a ciência exige que se façam ensaios clínicos controlados”.

Seu grupo então sorteia qual cirurgia fará em cada paciente e assim compara os riscos e benefícios de cada uma. “É a única investigação clínica no Brasil de cirurgias comparadas sistematicamente pela mesma equipe cirúrgica”, afirma o médico. Os resultados, ainda preliminares, indicam que a gastrectomia vertical não é tão benigna quanto se apregoa. Depois da cirurgia, em 7% dos pacientes a pressão dentro do estômago chega a romper a sutura que delimita o novo estômago. Isso acontece porque a técnica preserva o piloro, constrição que retém o alimento no estômago. Em camundongos, o grupo da Unifesp está detalhando os efeitos anatômicos e fisiológicos das duas cirurgias. Para o cirurgião Otávio Azevedo, filho e assistente do professor da Unifesp, caso a gastrectomia vertical se confirme mais perigosa no pós-operatório imediato, ela não será recomendada para os pacientes mais debilitados – exatamente aqueles que supostamente deveriam recorrer a ela.

Olívia colecionou uma série grave de complicações e sua barriga teve que ser reaberta quatro vezes em pouco mais de 1 ano: primeiro para desfazer uma alça que se formou no intestino, depois para extrair secreções da vesícula biliar acumuladas que obrigaram a equipe médica a refazer as suturas do estômago, em seguida para retirar acúmulos de pus da cavidade abdominal e finalmente para retirar os anéis de silicone que controlavam o fluxo de alimento e de enzimas nas duas partes do estômago, que estavam se fundindo e causando dores terríveis. Apesar das complicações, o estudo de Leonor Pacheco mostrou que sete a cada mil pacientes morreram após as cirurgias realizadas pelo SUS, uma taxa comparável à observada em outros países.

Por isso a cirurgia é considerada bastante segura pelos médicos. E eficaz. “Ela é bem-sucedida para 90% dos obesos mórbidos, que perdem por volta de 70% do excesso de peso”, diz Pareja. Um estudo de seu grupo, publicado em junho na Obesity Surgery, acompanhou 782 pacientes por pelo menos 2 anos após a cirurgia e verificou que por volta de 50% deles voltou a ganhar cerca de 9% do menor peso atingido – o que não compromete o sucesso do procedimento. Para os autores, porém, isso indica a necessidade de estudos de longo prazo para entender o que há de especial no organismo das pessoas que não conseguem manter o peso. Por enquanto o estudo revela que entre os pacientes que engordaram 60% não fizeram o acompanhamento nutricional e 80% não freqüentaram um psicólogo após a cirurgia. O SUS exige que todas as equipes de cirurgia bariátrica ofereçam essas especialidades, mas não há como garantir que pacientes compareçam depois de operados. Pareja ressalta que em países grandes como este é muito difícil reavaliar pacientes ano após ano, sobretudo no atendimento público. “Em minha clínica consigo acompanhar em torno de 70% dos pacientes porque tenho um funcionário dedicado exclusivamente a mandar e-mails convocando que retornem para consultas periódicas.”

Para o cirurgião João Ettinger, da Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública, a dificuldade no acompanhamento pós-cirúrgico é o problema mais grave. “Já examinamos por volta de 1.300 pacientes operados, e os que não seguem as orientações do médico e do nutricionista voltam a engordar e sofrem conseqüências como osteoporose e deficiências nutricionais.” Os problemas que ele tem observado associados à cirurgia não são causados pela operação em si, mas pelo excesso de peso – que pode dar origem a lesões musculares quando o paciente passa várias horas na mesma posição, sob anestesia geral.

Causada por múltiplos fatores comportamentais e fisiológicos, como compulsões e desequilíbrios hormonais, a obesidade é um dos maiores desafios da medicina atual e vem crescendo sobretudo nos países mais ricos, mas também onde quer que se instale na cultura um estilo de vida sedentário e uma alimentação industrializada de fácil absorção.

Para tratar uma doença tão complexa é preciso uma equipe médica com psicólogos, nutricionistas, cirurgiões e endocrinologistas. Em 2007 um grupo norte-americano mostrou, após a cirurgia bariátrica, uma redução na incidência de diabetes, problemas cardiovasculares e câncer, reduzindo a mortalidade em 40% se comparado a obesos tratados clinicamente. Mas a mortalidade por acidentes e suicídios aumentou em 58% nos operados, indicando a importância de cuidados psicológicos. Niraldo de Oliveira Santos, da equipe de psicólogos coordenada por Mara de Lucia que atende pacientes obesos no Hospital das Clínicas da USP, conta que é preciso acompanhamento psicológico antes e depois da cirurgia bariátrica. Ele e Mara coordenaram um levantamento, que aplicou em 90 pacientes a versão para o português de um inventário elaborado nos Estados Unidos para avaliar o histórico de peso e o estilo de vida de obesos.

O estudo detectou compulsão alimentar em quase metade dos pacientes e depressão em 64% deles, cerca de três vezes mais do que na população, e mostra que na maior parte das vezes o ganho de peso está sobretudo ligado a problemas em relacionamentos familiares ou amorosos, como mortes e rompimentos. Os resultados revelaram ainda que o problema maior não vem de ingerir alimentos altamente gordurosos ou doces, mas comer em grandes quantidades. “Mostramos que a realidade alimentar brasileira é muito diferente do que se observa nos Estados Unidos, daí a importância de não só traduzirmos, mas também adaptarmos o inventário ao que observamos aqui”, explica Niraldo.

REPRODUÇÃO/INTERVENÇÃO GRÁFICA DE LAURA DAVIÑAVênus de Milo, de PraxítelesREPRODUÇÃO/INTERVENÇÃO GRÁFICA DE LAURA DAVIÑA

Parte do trabalho do psicólogo é verificar se o paciente tem condições de melhorar com a cirurgia. Se ele tiver compulsão por comer, certamente terá problemas: se tentar comer demais sofrerá dores, vômitos ou poderá causar danos sérios ao novo estômago. Na impossibilidade de comer, muitas pessoas acabam por substituir a comida por outra compulsão, como bebidas alcoólicas, drogas ou jogo. Por isso, o ideal é fazer psicoterapia para controlar os fatores psicológicos antes da operação. “Não há consenso, mas consideramos que sintomas de esquizofrenia, tentativas de suicídio no último ano, consumo de drogas e deficiências no QI que causem dificuldade de compreensão são fatores que aumentam enormemente os riscos de fracasso”, completa Niraldo, que nesses casos não aconselha a cirurgia. Mas às vezes não é possível esperar, como aconteceu com Olívia. Nessas situações, Niraldo ressalta a necessidade de acompanhar o paciente por quanto tempo for necessário após a intervenção.

Antes da cirurgia, psicólogos, nutricionistas e grupos de obesos e de operados buscam mostrar ao paciente o que a intervenção significa: se tudo correr bem, terão que passar 1 mês à base de líquidos e o resto da vida com uma alimentação altamente controlada. “Tenho mais problemas agora do que tinha antes”, contou Olívia em seguida a uma sessão de terapia. Ela toma diversos comprimidos de suplementos alimentares, precisa comer a cada 2 horas e suas refeições se limitam a duas colheres de arroz, uma de feijão e carne vermelha – mais rica em proteínas do que outras carnes. Tudo isso devagar e muito bem mastigado. E mesmo assim o corpo ainda não se adaptou à nutrição que recebe: Olívia ainda perde muito cabelo e a pele de seu rosto tem um tom levemente esverdeado.

Ainda mais do que o corpo, a mente demora para se acostumar às novidades. “A imagem corporal só muda depois de 5 anos de peso estável, às vezes até mais”, conta o psiquiatra da USP Adriano Segal. Ele explica que os obesos passam por dietas sucessivas, perdem e ganham peso várias vezes e isso acaba desregulando os mecanismos do cérebro envolvidos na imagem corporal. “Desde que comecei a engordar, não me olho no espelho. Uso só espelhinho para batom”, conta Olívia. E ainda se imagina obesa. Por isso, quando terminou a longa série de cirurgias, ela continuou a emagrecer e chegou a pesar 70 quilos, tornando-se visivelmente magra demais. Foi preciso um tratamento intensivo com uma nutricionista para fazer com que voltasse a ganhar os 15 quilos indispensáveis para que tenha um físico saudável. “A perda de peso é sempre rápida, então o descompasso entre corpo e mente é inevitável”, reforça Segal. O que o médico pode fazer é mostrar como a pessoa está fisicamente melhor.

Psicólogos e psiquiatras têm que trabalhar, de certa maneira, na penumbra: de acordo com Segal, não há estudos que detalhem os problemas mentais associados à obesidade e não há maneira de prever como cada paciente reagirá à cirurgia. Por isso ele defende que não há fundamento científico em se limitar o acesso à cirurgia por causa de transtornos psiquiátricos. “Com as evidências atuais, o que se pode dizer é que basta que o paciente seja capaz de arrazoar sobre o procedimento”, diz o psiquiatra, “que ele possa tomar uma decisão sobre a cirurgia”.

Para ele, os pacientes que precisam de acompanhamento depois da cirurgia são os que já tinham transtornos psicológicos ou psiquiátricos antes. “Há quem desenvolva depressão ou outros problemas de humor depois da cirurgia, mas esses são exceção”, conta. Em geral acontece o contrário: pessoas que têm depressão quando obesas tendem a se sentir melhor no pós-cirúrgico.

Estudos recentes mostram que emagrecer não é o único benefício da cirurgia. A redução do estômago e alteração do trânsito do alimento no intestino aumenta a produção de insulina e controla o diabetes. “Cerca de 80% dos pacientes diabéticos já saem do hospital sem a doença”, conta o endocrinologista Bruno Geloneze, colega de José Carlos Pareja na Unicamp. É uma esperança para quem sofre desse mal que aflige 200 milhões de pessoas no mundo, cerca de 8 milhões no Brasil. Com base nesses resultados, Geloneze e Pareja propõem, em 2006 nos Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia, que se desenvolva uma cirurgia metabólica para curar o diabetes do tipo 2. Esse tipo de diabetes é um dos primeiros problemas causados pelo excesso de peso, por isso pode se instalar antes que a pessoa possa ser qualificada como obesa: 75% dos diabéticos têm IMC menor que 35, um quadro leve de obesidade.

Está então aberta a corrida para desenvolver a cirurgia metabólica. A partir de um modelo desenvolvido em ratos, o grupo de Geloneze e Pareja fez em 15 diabéticos não obesos um procedimento que preserva o estômago intacto, mas cria um pequeno atalho: ao sair do estômago, os alimentos não passam pela primeira parte do intestino – o duodeno. Ao detectar um volume inesperado de comida, o intestino induz à secreção de hormônios responsáveis por estimular a produção de insulina e gerar uma sensação de saciedade. Os resultados, apresentados em junho no congresso da Sociedade Americana do Diabetes em São Francisco, nos Estados Unidos, são preliminares mas promissores: 6 meses após a cirurgia, apenas um dos 15 pacientes continuava precisando tomar injeções de insulina para controlar a doença. “Temos que esperar mais resultados para apresentar ao SUS e mudar o regulamento”, prevê Pareja.

À frente da corrida está o cirurgião Áureo Ludovico de Paula, do Hospital de Especialidades de Goiânia, que em 2002 desenvolveu uma cirurgia que visa unicamente tratar o diabetes do tipo 2. Sua equipe transfere parte do íleo, no final do intestino delgado, para o início do intestino. Células do íleo produzem hormônios importantes em estimular o pâncreas a produzir insulina, cuja deficiência está na origem do diabetes. O bom funcionamento dessas células depende de receberem alimentos não completamente digeridos, o que deixa de acontecer nas dietas ricas em comidas industrializadas, que o organismo absorve com mais facilidade. Transferir parte do íleo para uma porção mais inicial do intestino, o jejuno, resolveria esse problema. “É um procedimento completamente novo que desenvolvemos com base em princípios fisiopatológicos”, conta o cirurgião. Em artigo deste ano na revista Surgical Endoscopy, ele relata um sucesso de 95% em 60 pacientes acompanhados ao longo de, em média, 7 meses. Até agora já operou cerca de 400 pacientes.

João Luiz Azevedo, da Unifesp, defende que cirurgias passem por testes em animais e estudos clínicos controlados em seres humanos antes de serem usadas em pacientes. Além disso, é preciso seguir pacientes por vários anos para avaliar se o efeito persiste. Com base nisso, seu grupo está testando em ratos o procedimento de Áureo de Paula. O trabalho ainda está no início, mas João Luiz e Otávio Azevedo relatam que quando as células do íleo transplantado morrem o tecido produz novas células conforme instruções do ambiente – que após a cirurgia passou a ser o jejuno. Por isso, ao microscópio essas células se parecem com as do jejuno e não têm mais a arquitetura rica em células secretoras dos hormônios essenciais para o metabolismo da insulina. Por enquanto, os pesquisadores da Unifesp são céticos quanto à possibilidade de uma cirurgia metabólica eficaz para pacientes não obesos. O endocrinologista da USP Alfredo Halpern, colaborador de Áureo de Paula, contesta: “O íleo transposto fica parecido com o jejuno, mas é sabido que a secreção de hormônios continua a mesma”. O debate continuará.

Outro efeito colateral promissor da cirurgia de obesidade foi destaque no congresso da sociedade norte-americana de endocrinologia, que aconteceu em São Francisco logo em seguida ao encontro científico dedicado ao diabetes. Alfredo Halpern e sua aluna de doutorado Cristiane Moulin viram que células do sistema imunológico chamadas natural killers são muito pouco ativas em obesos, e que essa deficiência é revertida pela cirurgia bariátrica. “É importante porque essas células são uma linha de defesa inata muito importante no combate a infecções e ao câncer”, explica Halpern. O resultado se encaixa com observações publicadas pelo Scandinavian Obesity Survey, ou SOS, estudo sueco que acompanha pacientes por um longo período após a cirurgia e é considerado por especialistas o melhor projeto do mundo na área. O artigo mais recente do grupo, publicado em 2007 no New England Journal of Medicine, relatou uma incidência de câncer bem menor nos pacientes que fizeram a cirurgia em comparação aos que não fizeram.

Halpern e Cristiana mostram por quê. Numa abordagem inédita, ela analisou substâncias que estimulam a atividade das natural killers e detectou três que são produzidas em maior quantidade após a perda de peso súbita que se segue à cirurgia. “É provável que seja esse o mecanismo por trás da observação do SOS”, comemora o endocrinologista, para quem os resultados são um ponto forte a favor da cirurgia. “Há riscos, mas os benefícios são muito maiores.”

Mesmo bem-sucedida, a cirurgia não deixa de ser uma solução cara e drástica para um problema que cresce no mundo todo e que, até certo ponto, poderia ser evitado. “É preciso planejar as cidades de maneira a promover mudanças no estilo de vida, como estimular as pessoas a caminhar ou andar de bicicleta. O sistema de saúde fica com o ônus do resultado final de um problema que só pode ser prevenido de maneira integrada”, pondera Leonor Pacheco. Além de pôr o corpo em movimento, uma dieta com menos calorias e mais frutas e verduras reduziria enormemente o problema de obesidade. Mas quando distúrbios metabólicos impedem o organismo de funcionar corretamente a cirurgia se torna a única opção.

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