Reconhecida internacionalmente pelo trabalho que realiza em mecânica quântica, a física Cristiane de Morais Smith costuma relacionar essa área de estudos ao cubismo, movimento artístico que tem o espanhol Pablo Picasso (1881-1973) como um de seus principais representantes. “Além de terem surgido no início do século XX, ambos oferecem diferentes possibilidades de observação de um mesmo objeto”, diz a pesquisadora, que utiliza a metáfora visual do artista como referência para descrever as múltiplas perspectivas de compreensão da realidade que caracterizam seu campo de conhecimento.
Desde 2004 atuando como professora e líder de um grupo de pesquisadores do Instituto de Física Teórica na Universidade de Utrecht, na Holanda, Morais Smith foi a vencedora de 2019 do Prêmio Emmy Noether, oferecido pela Sociedade Europeia de Física, entidade que representa 42 sociedades científicas e está sediada em Mulhouse, na França. A distinção reconhece suas contribuições para a teoria dos sistemas de matéria condensada e átomos ultrafrios ao revelar novos estados quânticos da matéria. “Fico honrada com esse prêmio, entre outros motivos, porque leva o nome de uma cientista [1882-1935] que trouxe grandes contribuições para a física, apesar de ser matemática.”
As habilidades de Morais Smith para o estudo da física foram percebidas aos 13 anos, durante uma aula sobre cinemática na disciplina de ciências em uma escola pública de Paraguaçu Paulista, sua cidade natal, localizada no interior do estado de São Paulo. “Acabei solucionando um problema considerado difícil para a idade, o que deixou o professor bastante entusiasmado. Decidi, então, que queria brincar mais com aquilo”, conta. Em 1981, ao iniciar os estudos da graduação em física na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Morais Smith ficou intrigada com a mecânica quântica, durante as aulas do físico carioca Amir Caldeira. “Me apaixonei por essa teoria, que traz uma nova conceituação sobre a matéria, capaz de descrever fenômenos estranhos que acontecem em escala atômica.”
No mestrado em mecânica quântica concluído em 1989, também pela Unicamp, Morais Smith trabalhou com a descrição de sistemas quânticos dissipativos. Foi durante o doutorado, com período de pesquisa no Instituto Federal de Tecnologia da Suíça em Zurique (ETHZ), que a física daria início a sua trajetória internacional. Defendida em 1994, em sua tese a pesquisadora trata da dinâmica dissipativa de vórtices em supercondutores de alta temperatura crítica.
Além de utilizar o cubismo para tratar de um campo de estudos que soa bastante abstrato para a maioria das pessoas, Morais Smith também gosta de dizer que trabalha com sociologia de elétrons. “Podemos relacionar a interação entre os seres humanos em sociedade com essas partículas. Isso porque, quando colocado em conjunto, um elétron vai se comportar de forma diferente de quando está sozinho”, explica. “Na mecânica quântica, o elétron deixa se ser apenas aquela bolinha de gude que bate em outra e espalha-se. Em algumas situações ele vai se comportar como uma onda, estendendo-se no espaço”, completa.
Além dos estudos com grafeno, considerado excelente condutor de eletricidade, e simuladores quânticos, o grupo de pesquisa conduzido por Morais Smith foi responsável pela criação do primeiro fractal quântico, estrutura que pode revelar novos tipos de comportamento de elétrons. Definidos como formas padronizadas que se repetem produzindo a imagem do todo completo, os fractais são bastante comuns na natureza, mas difíceis de encontrar em escala quântica. “A descoberta traz possibilidades de estudo sobre fios quânticos e a dimensão intermediária de sistemas eletrônicos”, completa.
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