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Ecologia

Pesquisa aponta áreas prioritárias para restauração da vegetação nativa do Brasil

A regeneração de 30% dos 76 milhões de hectares mapeados nos seis biomas poderia aumentar a disponibilidade de hábitat para mais de 11 mil espécies animais e vegetais, além de ajudar a mitigar as mudanças do clima

Cecropia distachya na Amazônia: as embaúbas são espécies pioneiras na regeneração

André Giles / UFSC

O novo Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), lançado em dezembro pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), atualizou as estratégias brasileiras para alcançar a meta de recuperar 12 milhões de hectares (ha) de vegetação nativa até 2030. O compromisso foi assumido no Acordo de Paris, tratado internacional assinado por 195 países em 2016 que prevê medidas para conter os impactos das mudanças climáticas e limitar o aquecimento global abaixo de 2 graus Celsius.

Segundo o Planaveg 2025-2028, serão combinadas quatro “estratégias transversais” (monitoramento, fomento à cadeia produtiva, financiamento e pesquisa) com “arranjos de implementação”, que preveem a recuperação da vegetação nativa em áreas de preservação permanente, reserva legal e uso restrito, além de áreas públicas e propriedades rurais de baixa produtividade.

A bióloga Rita Mesquita, secretária de Biodiversidade, Florestas e Direitos Animais do MMA, defende o resgate da diversidade de espécies, de processos ecológicos e de serviços ambientais para evitar a perda da capacidade do sistema natural de responder a impactos futuros, como os provocados pelas mudanças do clima. “Para isso, é muito importante ter boas informações sobre todos os biomas, porque cada ecossistema vai seguir uma trajetória diferente, típica daquele lugar”, enfatiza, sobre o comportamento na regeneração.

Um estudo publicado em fevereiro na revista Biological Conservation pode contribuir para o trabalho dos órgãos ambientais e de gestão do território ao identificar áreas prioritárias para recuperação em cada um dos seis biomas brasileiros: Amazônia, Cerrado, Caatinga, Pampa, Pantanal e Mata Atlântica. Sua seleção deve levar em conta a expansão do hábitat disponível para as espécies nativas e a melhoria da conectividade funcional, que é quando a paisagem permite o deslocamento, a dispersão e o estabelecimento das espécies pelo fluxo de pólen, sementes e organismos entre fragmentos de vegetação.

O trabalho envolveu mais de 80 pesquisadores de universidades, instituições de pesquisa e organizações ambientais do Brasil e do exterior e apresenta os resultados de uma metodologia que combina o desenvolvimento de modelos de distribuição de espécies e de conectividade do território, com aplicação de um algoritmo de programação linear para otimizar a restauração, priorizando áreas com maior impacto para a diversidade e integração dos ecossistemas.

“O que o modelo vai fazer é simular como cada pixel de uma área desmatada seria restaurada e identificar como cada critério pode ser potencializado”, explica a bióloga Luisa Fernanda Liévano-Latorre, primeira autora do artigo e pesquisadora do Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS), uma organização ambiental privada com base no Rio de Janeiro. Uma das funcionalidades do modelo é saber qual a distribuição potencial de cada espécie na área escolhida.

Os autores mapearam 76 milhões de ha prioritários para a restauração, distribuídos nos seis biomas. As áreas anteriormente eram cobertas por ecossistemas naturais e agora estão ocupadas por agricultura, pastagens e silvicultura. Foram excluídas regiões urbanas e de mineração, onde a regeneração da vegetação nativa é inviável.

Em relação à biodiversidade, o grupo analisou 8.692 espécies de plantas (angiospermas) e 2.699 de animais, abrangendo ambientes terrestres e aquáticos. De acordo com as conclusões, se 30% das áreas prioritárias identificadas fossem regeneradas, seria possível aumentar em até 10% o hábitat disponível para essas espécies e em 60%, em média, a conectividade funcional, em relação ao cenário atual, utilizado como controle.

Regeneração florestal em paisagem de agricultura de corte e queima na Amazônia CentralCatarina Jakovac / UFSC

O estudo analisou organismos com diferentes capacidades de dispersão, abrangendo um espectro mais amplo de fauna e flora e tornando o trabalho mais robusto. Os benefícios são mais expressivos no Cerrado, onde a conectividade aumentaria em mais de 80%, seguido pela Amazônia, Mata Atlântica e Caatinga (acima de 70%), e pelo Pampa e Pantanal (até 50%).

Para Mesquita, além de destacar as áreas onde se deve concentrar esforços, os dados de conectividade apresentados são importantes para a gestão pública, uma vez que eles precisam “estar cada vez mais presentes nas tomadas de decisão, incluindo os arranjos produtivos, pois não existe produção efetiva em paisagens inviáveis”. Para a bióloga, que não participou do estudo, a restauração de vegetação nativa deve buscar devolver a a resiliência das paisagens.

O estudo da Biological Conservation classificou algumas das áreas identificadas como altamente prioritárias, por abrigarem grande biodiversidade e estarem sob forte pressão. Comumente, são territórios de transição entre biomas. No caso da Amazônia, as áreas estão concentradas principalmente no arco do desmatamento, localizado no limite sul do bioma.

Se 30% das áreas restauráveis da região fossem recuperadas, ela poderia reter mais de 50% do seu potencial máximo de armazenamento de carbono, segundo a publicação, contribuindo significativamente para a mitigação das mudanças climáticas. A Amazônia tem a maior capacidade de captura de carbono entre os ecossistemas analisados.

“Pensando na Amazônia como um todo, o sucesso é limitado por dois fatores, principalmente: o número de vezes que aquela mata foi cortada, ou seja, a frequência de desmatamento; e o histórico de uso antes de começar a regeneração”, ressalta o biólogo André Giles, pesquisador em estágio de pós-doutorado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ele é o primeiro autor de um estudo publicado em dezembro na revista Communications Earth & Environment, que se propõe a fornecer indicadores para medir o sucesso da regeneração e apoiar ações voltadas à conservação do território e mitigação das mudanças climáticas na Amazônia.

O trabalho reúne 29 pesquisadores de instituições nacionais e internacionais – incluindo Mesquita, do MMA – que identificaram quatro indicadores-chave: a área basal, que representa a estrutura da floresta e a densidade da vegetação; a heterogeneidade estrutural, que mede a variação no tamanho das árvores, indicando um ecossistema mais equilibrado; a riqueza de espécies nativas, que avalia a biodiversidade da floresta secundária; e a biomassa acima do solo, que indica a quantidade de carbono estocado na vegetação, essencial para estimar o papel da floresta na mitigação das alterações do clima.

“Não se trata apenas de plantar árvores, mas de reconstruir ecossistemas complexos”, ressalta a engenheira-agrônoma Ima Vieira, do Museu Paraense Emílio Goeldi e coautora do estudo. “Nossos indicadores mostram exatamente como fazer isso de forma eficiente e mensurável.”

Os autores definiram esses indicadores a partir de análises de 448 parcelas de floresta secundária em 24 localidades da Amazônia e estabeleceram valores de referência para avaliar a integridade das florestas com 5, 10, 15 e 20 anos de regeneração, permitindo a comparação do desenvolvimento florestal com padrões ideais de recomposição.

Samaúma (Ceiba pentandra) remanescente de floresta original em área restaurada na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, no ParáAndré Giles / UFSC

“Criamos um modelo com um cenário ótimo de regeneração natural para definir quais seriam os valores dessa trajetória de restauração”, explica Giles. “A partir disso, chegamos em indicadores que são importantes para a integridade, e eles têm que agir juntos para se alcançar o resultado esperado na restauração vegetal.”

A partir das análises realizadas para traçar a trajetória de recuperação, os pesquisadores perceberam que os impactos são mais severos em áreas que sofreram múltiplos desmatamentos ou longos períodos de uso agrícola ou para pastagem. Além disso, a textura e a compactação dos solos influenciam a recomposição da floresta. “Solos mais argilosos podem limitar o estabelecimento de novas espécies, possivelmente por serem mais suscetíveis à degradação pelo uso”, destaca Giles.

Embora os dados e indicadores sejam restritos à Amazônia, pode ser possível adaptá-los a ecossistemas semelhantes. Para a bióloga Fátima Arcanjo, que não participou do estudo, os dados para a Mata Atlântica, ecossistema com o qual trabalha, ainda são restritos. “Aqui, o cenário mudaria porque há uma degradação maior e menos conectividade ecológica. Com isso, é preciso considerar a restauração ativa”, ressalta, sobre a prática que envolve o plantio de mudas nativas.

Arcanjo é docente da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e lidera um projeto de restauração vegetal no Laboratório de Ecologia Aplicada da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). O estudo investiga as mudanças ecológicas graduais que ocorrem ao longo do tempo na composição, na estrutura e no funcionamento da vegetação na Mata Atlântica em áreas de restauração ativa.

Nesse bioma, 186 mil ha de florestas maduras deram lugar, entre 2010 e 2020, a áreas agrícolas, de silvicultura e pecuária, além de pastagens. É o que alerta um estudo publicado em fevereiro na revista Nature Sustainability. Os autores identificaram 14.401 locais de desmatamento, totalizando 186.289 ha, grande parte deles com indícios de ilegalidade.

Os dados indicam que 73% da perda de floresta madura ocorreu em terras privadas, sendo que a maior quantidade de área desmatada (40% do total) estava em grandes propriedades. “Os tamanhos das áreas estão diretamente relacionados aos modos de produção e ao tipo de ator das atividades de supressão da vegetação nativa”, detalha a ecóloga Silvana Amaral, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e primeira autora do estudo.

Nem áreas protegidas, como unidades de conservação e terras indígenas, escaparam da destruição da mata nativa, evidenciando falhas na fiscalização da Lei da Mata Atlântica, que desde 2006 estabelece regras específicas para o uso, a exploração e a conservação do bioma (ver reportagem sobre desmatamento nessa região).

O estudo utilizou uma metodologia combinada de sensoriamento remoto, estatísticas espaciais e dados geoespaciais para mapear e entender a perda de florestas antigas, sem sinais de degradação visíveis por imagens de satélite. Essa abordagem permitiu identificar os principais vetores do desmatamento, os atores envolvidos e as falhas nas políticas de conservação, e poderia ser aplicada a outros biomas.

“Além de disponibilizar os dados utilizados e os resultados, descrevemos todas as etapas realizadas. Adaptar o método a outro bioma exigiria ter profissionais especialistas naquele ecossistema que sejam aptos a reconhecer os diferentes usos e coberturas da terra para a qual a vegetação nativa tenha sido convertida”, explica Amaral.

Artigos científicos
LIÉVANO-LATORRE, L. F. et al. Addressing the urgent climate and biodiversity crisis through strategic ecosystem restoration in Brazil. Biological Conservation. v. 302, 110972. fev. 2025.
GILES, A. L., SCHIETTI, J. et al. Simple ecological indicators benchmark regeneration success of Amazonian forests. Communications Earth & Environment. v. 5, 780. 20 dez. 2024.
AMARAL, S. et al. Alarming patterns of mature forest loss in the Brazilian Atlantic Forest. Nature Sustainability. on-line. 13 fev. 2025.

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