A apenas 38 quilômetros do centro da capital paulista, entre os municípios de Franco da Rocha e Caieiras, o Parque Estadual do Juquery guarda centenas de espécies características do cerrado, algumas delas, inclusive, consideradas extintas em outras regiões do Estado. A constatação é de um grupo de pesquisadores do Instituto Florestal (IF), vinculado à Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Com base em um levantamento florístico realizado no parque, eles identificaram 420 espécies, das quais 273 são exclusivas da vegetação de cerrado, do tipo campestre e savânica. Detalhes do estudo foram publicados em março na Série Registros, editada pelo próprio IF.
Segundo João Batista Baitello, botânico do Instituto Florestal e responsável pela pesquisa, impressiona a quantidade de espécies presentes no parque que fizeram ou ainda fazem parte oficialmente do chamado livro vermelho de espécies ameaçadas. Na última edição deste catálogo (Resolução SMA 48 de 2004), cinco espécies com populações dentro dos limites do parque foram consideradas “presumivelmente extintas”. É o caso da Oxypetalum capitatum, subarbusto da família Asclepiadaceae recorrente em vegetação de campo-cerrado. Isso porque não havia registros de sua ocorrência nos herbários nos 50 anos anteriores à publicação.
A Ipomoea argentea, arbusto da família Convolvuloaceae, com maior ocorrência em áreas de campo-cerrado, também já esteve na penúltima edição do mesmo livro (Resolução SMA 28 de 1998). Baitello explica que esse tipo de levantamento já havia sido feito antes, mas em escala muito menor. “Nosso estudo foi o primeiro a ser realizado naquela área. Concluímos que o Parque Estadual do Juquery engloba fragmentos de cerrado do Estado com elevado valor biológico”, afirmou.
A partir das espécies identificadas, os pesquisadores constataram que o parque está protegendo 28 espécies de plantas ameaçadas de extinção. “O resultado desse levantamento poderá implicar em uma revisão e enquadramento de novas categorias, de menores graus de ameaça, nas próximas edições do livro vermelho, visto que as espécies estão protegidas em uma unidade de conservação de proteção integral localizada em plena Região Metropolitana de São Paulo”, explicou o botânico. Para ele, essa ocorrência reforça a importância do parque como uma das principais unidades de conservação dessas populações no Estado.
O cerrado é o nome dado ao bioma brasileiro caracterizado principalmente pela vegetação campestre e savânica – formada, sobretudo, por gramíneas, subarbustos, arbustos e pequenas árvores que se desenvolvem em regiões de áreas planas e de clima tropical com recorrência de períodos de seca. Atualmente, ele cobre cerca de 2 milhões de quilômetros quadrados (km²), o que representa quase 23% do território nacional – é menor apenas que a Amazônia, que ocupa cerca de 3,5 milhões de km².
Um dos 25 biomas terrestres mais biodiversos e ameaçados do planeta, o cerrado em São Paulo ocupava 35 mil km² do território em 1800. Até 1962, 96,9% de sua cobertura original manteve-se preservada. Mas, segundo Baitello, a forte expansão da ocupação humana por todo o Estado a partir da segunda metade do século XX reduziu significativamente a vegetação original do bioma. “Em 39 anos de análise, o cerrado no Estado perdeu 94,1% de sua área original”, disse.
Hoje, o cerrado remanescente encontra-se altamente fragmentado e comprometido biologicamente, visto que ocupa apenas 0,83% da superfície do Estado. “Apenas 8,5%, aproximadamente, dos fragmentos remanescentes estão protegidos em unidades de conservação, o que corresponde a cerca de 17 mil hectares (170 km²)”, ressaltou o botânico. Na sua avaliação, não bastasse isso, o processo de fragmentação das vegetações de cerrado tem desencadeado a perda de habitats e de biodiversidade, reduzindo drasticamente o tamanho das populações, especialmente das de espécies raras. “Ela [a fragmentação] afeta o ecossistema em todos os níveis, interrompendo interações entre insetos e plantas, fauna e flora em geral, além de diminuir a rede de polinização, fragilizando e diminuindo a capacidade de recuperação dos ecossistemas”, explicou.
No Parque Estadual do Juquery, a área de ocorrência de cerrado é de 1.173 hectares, o que representa 0,5% da área total remanescente no Estado de São Paulo, que é de 238 mil hectares. “Embora não tenhamos dados concretos é provável que o remanescente de cerrado periférico no Planalto Paulistano não represente mais que 0,8% da área restante do bioma no Estado”, disse.
De acordo com os pesquisadores, a ocorrência de vegetação de cerrado em áreas de influência da mata atlântica se deve, entre outros fatores, à presença de solos de baixa fertilidade e as chamadas “stones lines” – uma linha de pedra a cerca de 30 centímetros de profundidade –, condição que dificulta o desenvolvimento de vegetação de porte maior. A região onde se insere o parque revela um regime climático com estação seca menos severa do que nas áreas principais de ocorrência dos cerrados no Estado.
Por isso, os pesquisadores recomendam a busca de outras áreas de ocorrência desses cerrados periféricos no domínio da mata atlântica na região de entorno do parque, com o intuito de criar novas unidades de conservação que preservem a diversidade biológica particular da região. “O cerrado é um banco de moléculas ainda a explorar e a sua biodiversidade é matéria-prima para a biotecnologia com ilimitadas possibilidades futuras”, afirmou Baitello. “É preciso estimular políticas públicas que levem à criação de novas unidades de conservação, instrumento que ainda está longe do mínimo requerido para uma proteção efetiva dessas particularidades”, concluiu.
Publicação científica
BAITELLO, J. B., AGUIAR, O. T., PASTORE, J. A. e ARZOLLA, F. A. R. D. P. Parque Estadual do Juquery: refúgio de cerrado no domínio atlântico. Série Registros. IF Sér. Reg. São Paulo n. 50, p. 1-46. mar. 2013.