Um novo processo industrial irá permitir que garrafas descartáveis para refrigerantes e água mineral, entre outros produtos fabricados com polímeros, possam ser produzidas em menor tempo, reduzindo os custos industriais e, quem sabe, o preço final ao consumidor. A inovação que está prestes a sair dos laboratórios do Departamento de Engenharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (DEMa/UFSCar) é formada por um sistema óptico para monitorar e controlar a cristalização de materiais poliméricos durante o processo de produção.
O sistema poderá trazer ganhos importantes de produtividade para as indústrias especializadas na fabricação de garrafas produzidas com o polímero poli (tereftalato de etileno), mais conhecido como PET, além de outras peças moldadas por injeção, a técnica de moldar algo plástico a partir de matéria-prima fundida que é empregada na produção de pára-choques de automóveis, carcaças de computadores, de impressoras e de celulares. O processo, segundo os pesquisadores, permite identificar o momento exato em que o polímero é cristalizado dentro do molde, levando à economia de preciosos segundos no processo de fabricação. Estimativas feitas pelos pesquisadores do DEMa revelam, por exemplo, que uma fábrica com capacidade para produzir anualmente 160 milhões de garrafas PET poderia ter um ganho adicional de US$ 600 mil, caso o sistema reduzisse em 1 segundo parte do ciclo de moldagem das garrafas de 2 litros de PET, que dura, em média, 22 segundos.
A grande novidade do sistema, cujo registro de patente já foi encaminhado ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), é conseguir fazer o monitoramento da cristalização do polímero e, ao mesmo tempo, o controle de produção de cada peça, independentemente de seu tamanho, volume ou forma. A cristalização é um mecanismo físico pelo qual um polímero semi cristalino no estado fundido se solidifica. Atualmente, o monitoramento da cristalização não é feito ao longo do processo de moldagem por injeção do polímero, mas somente depois de sua conclusão, com o uso de várias técnicas como microscopia óptica e eletrônica. Segundo a engenheira química Rosario Elida Suman Bretas, coordenadora das pesquisas que resultaram no desenvolvimento da nova tecnologia, o estudo da cristalização do polímero é importante porque todas as propriedades mecânicas, ópticas e elétricas desse material dependem de sua cristalinidade. “É por meio da morfologia e do volume de cristalinidade existente no polímero, desenvolvidos durante o processo de cristalização, que se determinam as características de rigidez, flexibilidade, resistência mecânica e transparência,” diz a pesquisadora.
Laser na safira
Composto por um molde metálico, um laser, duas fibras ópticas, um detector e um atenuador de laser, o sistema pode ser adaptado a qualquer máquina injetora, que molda as peças, possibilitando a redução do tempo de trabalho do equipamento e do processo. Ele funciona assim: dentro da cavidade do molde da garrafa ou de qualquer outra peça é inserida uma fibra óptica que envia, através de uma janela de safira, um feixe de laser. A safira é usada porque é transparente ao laser e suporta as altas temperaturas e pressões existentes dentro do molde. O feixe atravessa o polímero, que é injetado no estado fundido, e o sinal é coletado do outro lado do molde por outra fibra óptica. O resultado é mostrado por meio de um software que analisa a intensidade da luz, a pressão e a temperatura dentro da cavidade. Essas informações revelam o momento exato da cristalização. Hoje não há exatidão do momento em que a garrafa de PET, por exemplo, está pronta.
Mesmo quando o polímero não cristaliza ou quando os seus cristais são muito pequenos, como no caso do PET sob algumas condições de produção, o novo sistema permite que se detecte o momento do descolamento da peça dentro do molde ou então falhas no preenchimento de pontos específicos da cavidade, evitando assim defeitos no produto. O processo, desenvolvido no DEMa pela professora Rosario e dois alunos de doutorado, Marcelo Farah e Alessandra Marinelli, poderá em breve estar disponível para o mercado. “A empresa Quantum Tech, de São Carlos, se mostrou interessada em desenvolvê-lo para uso comercial em indústrias de transformação. É importante dizer que não existem sensores iguais no Brasil ou no exterior e mesmo os similares ainda não são empregados comercialmente,” diz Rosario.
O desenvolvimento do sistema óptico para a indústria de moldagem por injeção de polímeros foi apenas um dos avanços conseguidos pela equipe de Rosario durante a realização de um projeto temático financiado pela FAPESP. O grupo também realizou dentro desse projeto um estudo centrado na viabilidade de incorporar borracha desvulcanizada por meio de ultra-som ao poliestireno, outro tipo de polímero, para produzir blendas. Blenda é o nome dado a um material polimérico feito a partir da mistura de dois ou mais polímeros. Um dos usos mais comuns desse tipo de material é a fabricação de boxes de banheiro, que são conhecidos popularmente como boxes de “plástico ou acrílico”. A finalidade da pesquisa foi adicionar a borracha desvulcanizada, oriunda de pneus usados e descartados, ao poliestireno para melhorar sua resistência ao impacto. A desvulcanização por ultra-som da borracha foi realizada na Universidade de Akron, nos Estados Unidos, por outro aluno de doutorado do grupo, Carlos Scuracchio.
“Normalmente, utiliza-se uma borracha sintética de polibutadieno virgem para reforçar o poliestireno, o que dá origem a uma blenda conhecida como poliestireno de alto impacto. A vantagem de usar a borracha desvulcanizada por ultra-som é conferir um fim nobre aos pneus usados, que constituem um grave problema ambiental,” afirma Rosario. “Nossas pesquisas ainda estão em andamento, mas já sabemos que a mistura da borracha desvulcanizada com o polímero aumentou sua resistência, embora não no mesmo nível da mistura com borracha de polibutadieno. Acreditamos que o tamanho das partículas de borracha desvulcanizada misturada ao poliestireno não foi ainda suficientemente pequeno para elevar de forma significativa sua resistência ao impacto.”
Outra pesquisa relacionada à morfologia de polímeros envolveu o uso de redes neurais artificiais, um conceito de inteligência artificial que visa trabalhar de forma semelhante ao cérebro humano, acumulando informações, processando-as e tomando decisões. Neste trabalho foram investigadas blendas formadas por poli (sulfeto de parafenileno), conhecida como PPS, e um elastômero ou borracha termoplástica. O PPS é normalmente usado na fabricação de conectores elétricos de computadores e de certos componentes da indústria automobilística. Por ser muito rígido, esse material tem baixa resistência ao impacto, mas, em compensação, suporta temperaturas muito elevadas, de até 250°C. A doutoranda Cybele Lotti misturou ao PPS uma borracha termoplástica, conhecida como Sebs, um terpolímero, ou polímero formado por três monômeros, feito de estireno, etileno e butadieno. “Nosso objetivo foi melhorar a flexibilidade e a resistência ao impacto da blenda polimérica,” explica Rosario.
Com o auxílio de redes neurais artificiais, os pesquisadores conseguiram predizer propriedades como a morfologia, a quantidade ou volume de cristalinidade da blenda, resistência ao impacto e as propriedades mecânicas em situação de tração. “No processo convencional, teríamos que injetar e testar uma enorme quantidade de peças para conseguir informações sobre essas propriedades, o que consumiria tempo e dinheiro. Com o uso do sistema de redes neurais, o número de peças injetadas e testadas caiu para 5% do que seria necessário em um processo tradicional,” afirma Rosario. “As redes neurais nunca antes haviam sido usadas para relacionar os parâmetros do processo de moldagem por injeção com a microestrutura e as propriedades de blendas poliméricas.”
Tigela de cobras
Outra vertente do temático envolveu o estudo da orientação molecular em blendas formadas por PET e vários cristais líquidos poliméricos, conhecidos pela sigla LCP (de Liquid Crystal Polymer), que são materiais resistentes a altas temperaturas e usados na produção de bobinas, conectores elétricos, sensores, equipamentos cirúrgicos, embalagens de líquidos corrosivos, vestuário de astronautas etc. O LCP também possui como característica uma relativa organização molecular quando fundido, ao contrário da maioria dos polímeros tradicionais que não têm nenhuma organização no estado líquido.
Para usar uma metáfora, os polímeros fundidos se assemelham a uma tigela cheia de cobras de diferentes tamanhos, em permanente movimento, enquanto o LCP mantém-se organizado, com estruturas retas e paralelas, na forma de uma caixa de lápis. O objetivo dessa pesquisa foi melhorar a propriedade de impermeabilidade da blenda, porque o LCP possui baixíssima taxa de permeabilidade, uma das menores entre os polímeros, sendo impermeável à maioria dos gases. O problema, no entanto, é que ele é ainda muito caro, cerca de US$ 25 o quilo.
“Entender a orientação molecular dessa blenda foi fundamental para compreendermos as propriedades mecânicas e de permeabilidade desse material,” diz Rosario. Para compreender essas características, as blendas poliméricas foram submetidas a estudos de orientação molecular na UFSCar e no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em Campinas, pela pós-doutoranda Marcia Branciforti. Para produzir as blendas de PET e LCP, o grupo superou outro desafio: construir um acessório que confere o formato final a um produto, porque não existiam no mercado equipamentos específicos para essa finalidade. Essa matriz foi construída pela doutoranda Lucineide da Silva. “Percebemos que a nossa matriz proporcionou orientação molecular ao PET e melhorou a do LCP,” diz Rosario. Agora a equipe do DEMa está realizando estudos de permeabilidade para melhorar essa propriedade das películas de PET e LCP.
O projeto
1. Estudo e simulação do desenvolvimento da microestrutura de blendas e compósitos poliméricos durante o processamento (nº 00/06942-8); Modalidade Projeto Temático; Coordenador Rosario Elida Suman Bretas – UFSCar; Investimento R$ 183.578,92 e US$ 80.698,52 (FAPESP)
2. Invenção de um método e sistema para monitorar a cristalização de materiais poliméricos durante a moldagem por injeção (nº 04/00025-4); Modalidade Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (Papi); Coordenador Rosario Elida Suman Bretas – UFSCar; Investimento R$ 6.000,00 (FAPESP)