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Educação

Poli-USP torna grade curricular da graduação mais flexível

Escola Politécnica da USP cria conjunto de disciplinas optativas de engenharia de sistemas complexos

A Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) oferecerá a alunos de graduação ingressos em 2014 um conjunto de disciplinas optativas em engenharia de sistemas complexos. O objetivo é fazer com que eles se aproximem dessa área que, na última década, ganhou relevância global com aplicações em vários campos do conhecimento, como robótica, energia, neurociências, sociologia, saúde e educação. A iniciativa faz parte de uma reestruturação da grade curricular, que pretende tornar os cursos de engenharia mais flexíveis.

O aluno que entrar em engenharia mecânica, por exemplo, poderá se matricular em uma disciplina de engenharia ambiental, a partir do terceiro ano do curso. “O país precisa de engenheiros formados com transversalidade e que sejam capazes de lidar com situações complexas, que exigem conhecimentos de mais de uma disciplina”, diz José Roberto Castilho Piqueira, vice-diretor da Poli-USP.
A introdução de um módulo especial em engenharia de sistemas complexos é vista pela diretoria da faculdade como um passo importante. Por meio dela, deseja-se instalar uma “cultura dos sistemas complexos” desde a graduação. “A engenharia de sistemas complexos permeia praticamente todas as engenharias, principalmente a de computação. Estudar conceitos de confiabilidade e de não linearidade, grafos, topologias de redes e fazer análises estatísticas são elementos fundamentais quando se pensa em sistemas complexos”, explica Piqueira.

Há alguns anos, o professor Sérgio Mascarenhas, criador do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP em São Carlos, vem alertando que o país está ficando para trás em sistemas complexos – uma área na fronteira do conhecimento, tão importante quanto a nanotecnologia ou as pesquisas com célula-tronco, na avaliação dele. “Durante o século XX, todas as análises de sistemas que interagem entre si eram feitas linearmente. Falávamos em engenharia de sistemas, mas não de sistemas de sistemas”, diz ele. Aliás, sistemas de sistemas é, para Mascarenhas, uma boa definição para sistemas complexos, mas não o suficiente. “Na verdade, todo sistema que apresenta muitas variáveis é um sistema complexo”, afirma o professor, físico de origem.

Além disso, um sistema complexo é composto de partes que, quando se juntam, produzem um comportamento emergente e inesperado. “Um exemplo é o cérebro humano”, diz Mascarenhas. “O órgão é um sistema com milhares de neurotransmissores e milhões de neurônios, cada qual correspondendo a uma série de interações que fazem com que o cérebro seja não linear.” Segundo ele, isso permite ao cérebro se adaptar em situações de crise, uma característica dos sistemas complexos. “Se você cortar um pedaço do cérebro, ele é suficientemente complexo para se adaptar àquela condição. O sistema que não tem complexidade é vulnerável, não se recupera e não se adapta. E isso graças a não linearidade e às conexões possíveis”, completa.

Mas de que forma os engenheiros devem aplicar a complexidade em seu cotidiano de trabalho? A resposta pode estar no projeto de construção de uma estrada, que, segundo Mascarenhas, também é um sistema de sistemas. Não basta pensar a estrada linearmente; é preciso considerar variáveis, como uma comunidade indígena que possa ser afetada, ou condições climáticas. Há também de se preocupar com a logística, o transporte dos trabalhadores etc. “O engenheiro que souber fazer a análise da complexidade consegue distribuir ações de maneira sinérgica por meio de uma gestão mais eficiente, analisando o problema com as ferramentas adequadas”, diz Mascarenhas.

Por essas razões, a iniciativa da Poli-USP foi comemorada por Mascarenhas. Ele vai além e acredita que o país deve investir o quanto antes na criação de cursos de graduação e pós-graduação em engenharia de sistemas complexos. Caso contrário, poderá ficar muito atrás de países como os Estados Unidos, que lideram nas pesquisas nessa nova área. Um exemplo é o New England Complex Systems Institute (NECSI), uma parceria entre várias instituições, como Massachusetts Institute of Technology (MIT), e as universidades de Harvard e Brandeis, organizadas com o objetivo de formar recursos humanos e fazer atividades de pesquisa e desenvolvimento em engenharia de sistemas complexos.

José Roberto Piqueira ressalta, contudo, que embora o Brasil não tenha ainda cursos específicos, o país não deixa a desejar em relação à pesquisa na área. Ele cita a experiência do próprio Sérgio Mascarenhas, que em 2008 fundou no IEA em São Carlos, juntamente com Hamilton Brandão Varela de Albuquerque, do Instituto de Química da USP de São Carlos, e Yvonne Primerano Mascarenhas, do Instituto de Física, um grupo de trabalho em sistemas complexos para contribuir para o desenvolvimento de pesquisas na área no país. “Em associação com o Nobel de Química de 2007, Gerhard Ertl, formamos uma rede internacional de pesquisas na área envolvendo Brasil, Alemanha e a Coreia”, diz Mascarenhas. Em 2008, também foi criado o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Sistemas Complexos (INCT-SC), sediado no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro, do qual Piqueira é um dos pesquisadores. “Há ainda estudiosos trabalhando com sistemas complexos na Poli e na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)”, diz Piqueira.

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