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PESQUISA NA QUARENTENA

“Precisávamos desenvolver uma alternativa ao exame RT-PCR”

A farmacêutica Andreza Martins criou um método de diagnóstico rápido e barato para a Covid-19 e ganhou o prêmio 25 Mulheres na Ciência: América Latina

Mesmo durante interrupção das aulas, a atividade no laboratório se manteve

Arquivo pessoal

Em 2020, embora as aulas e as atividades de pesquisa estivessem interrompidas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul [UFRGS] por causa da pandemia, a instituição resolveu abrir os laboratórios para fazer exames RT-PCR, técnica que detecta o material genético do vírus e é considerada padrão ouro para diagnóstico de pacientes do SUS [Sistema Único de Saúde]. A vacinação ainda não havia começado e o teste era a única ferramenta para controlar a disseminação do novo coronavírus: as pessoas infectadas, assim como seus contatos diretos, deveriam se isolar. Embora meu trabalho seja centrado em bactérias, especialmente resistência a antibióticos, resolvi participar do esforço.

Nesse período, tomávamos o máximo cuidado para evitar aglomerações e fazíamos reuniões por vídeo mesmo quando os integrantes estavam presentes no prédio. As condições não eram ideais, mas o esforço era necessário, pois o Brasil fazia poucos testes e essa era uma contribuição que a universidade pública poderia dar, já que tínhamos os equipamentos e pesquisadores de áreas como biologia molecular e virologia, além de alunos e técnicos que foram treinados para fazer o exame.

Entrevista: Andreza Martins
00:00 / 19:34

No entanto, era difícil adquirir os insumos para a análise genética porque as importações oscilavam e levava ao menos três meses para comprar produtos antes disponíveis para pronta entrega. Além disso, esses reagentes são caros e sujeitos à flutuação do dólar, restringindo o número de exames que poderíamos fazer. Assim, começamos a pensar em alternativas para identificar a infecção por coronavírus sem a análise genética.

Resolvemos aproveitar um aparelho que havíamos comprado pouco antes para analisar bactérias, chamado Maldi-TOF, que identifica proteínas e outras moléculas de um microrganismo. A técnica é baseada na fragmentação das moléculas em partes menores e as identifica a partir do tamanho e da carga elétrica de cada uma, por meio de um feixe de laser. O aparelho já era usado na microbiologia ambiental desde a década de 1980, mas o uso clínico para diagnóstico bacteriano começou nos últimos 10 ou 15 anos. Comecei a ler artigos sobre como usar o aparelho para o diagnóstico de vírus e verifiquei algumas possibilidades.

Nesse período, alguns de meus orientandos da pós-graduação mudaram seus projetos na área de bacteriologia para estudar o novo coronavírus. Se ficassem um ano parados, teriam perdido o prazo de conclusão do curso. Um deles, Otávio von Lovison, havia acabado de entrar no doutorado e concordou em dedicar-se aos estudos do diagnóstico do Sars-CoV-2 com o Maldi-TOF, sob minha orientação.

Fizemos algumas pesquisas na internet e descobrimos um grupo da Inglaterra que estava usando esse método para identificar a proteína S do coronavírus. Depois de tentar contato diversas vezes por e-mail e pelas redes sociais, finalmente obtivemos retorno do professor Ray Kruse Iles, da Map Sciences, uma empresa especializada em diagnóstico por meio do Maldi-TOF. Fizemos reuniões, discutimos protocolos e eles nos enviaram amostras artificiais de vírus (que não transmitem a doença) para nos ajudar a validar o teste.

O exame deve estar pronto nos próximos meses, quando saírem os resultados dos últimos experimentos. O aparelho custa cerca de R$ 1 milhão (caro para pesquisa e laboratórios pequenos), mas o método é simples e barato — o custo total para fazer o exame e processar a amostra não passa de R$ 20, por volta de 10 vezes mais barato que a maioria dos exames RT-PCR.

O método demanda poucos insumos, usa apenas uma placa que pode ser reutilizada mais de 300 vezes, além do laser, que é um feixe luminoso com custo muito baixo. Por isso, o investimento no equipamento tem retorno rápido. A amostra usada é o esfregaço do nariz ou da boca, que pode ser transportado de pequenos laboratórios para centros de referência. O equipamento certamente vai aumentar a disponibilidade de testes para a Covid-19. Otávio está aguardando a análise dos últimos resultados dos experimentos para finalizar a padronização do método.

Os testes de RT-PCR para o SUS continuam sendo realizados até hoje na universidade, mas com o avanço da vacinação e a retomada das atividades de pesquisa, eu e meus alunos estamos voltando aos projetos de pesquisa com as bactérias.

Em fevereiro deste ano, recebemos o prêmio 25 Mulheres na Ciência na América Latina, da empresa 3M, por esse projeto. Espero que o prêmio seja um estímulo para meninas e adolescentes interessadas na carreira científica. Como outras áreas, a ciência é machista e apenas um terço dos pesquisadores nas áreas Stem [sigla para ciência, tecnologia, engenharia e matemática] é de mulheres. Elas precisam entrar nessa área e mostrar que não se deixam abater com resultados negativos e podem fazer um trabalho relevante para a sociedade.

Além de prêmios como esse, seria interessante que as agências de fomento designassem parte da verba para projetos coordenados por mulheres. Geralmente trabalhamos mais porque precisamos conciliar a família com as viagens, o estudo para atualização, o networking e a obtenção de financiamento. Nem sempre contamos com o apoio de parceiros, e esse tipo de projeto poderia conferir maior independência às mulheres para realizar nosso potencial.

Uma consequência difícil da pandemia foi ter me afastado das relações sociais. Em casa estabelecemos regras rígidas de isolamento para evitar a contaminação de familiares. Passamos por momentos difíceis, perdi meu sogro para a Covid-19. Minha única sobrinha nasceu em maio de 2020 e só pude tirar a máscara para dar um beijo nela quando ela já tinha 1 ano.

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