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Carta da editora | 158

Preconceitos reavaliados

Pesquisa FAPESP tem trazido na seção de humanidades de suas edições mais recentes algumas reportagens que mostram novos caminhos para uma reflexão consistente sobre as relações históricas entre os Estados Unidos e o Brasil — bem além da estreiteza dos jargões à esquerda, que transformava qualquer traço ou nuance dessas relações em expressão do chamado imperialismo ianque, ou do acriticismo louvaminhas à direita, que fazia de cada ato do governo ou de empresas norte-americanas relacionado ao Brasil uma espécie de decisão inspirada pela sabedoria do grande irmão do Norte. Nesta edição, a reportagem do editor de humanidades, Carlos Haag, sobre a Fordlândia, a desastrada tentativa de Henry Ford de estabelecer uma plantação de borracha na Amazônia, entre 1927 e 1945, seguida de um denso texto sobre o impacto econômico e político do contrabando de sementes de seringueira na mesma região, pelo inglês Henry Wickham, em 1876, compuseram um material articulado de tal valor que, necessariamente, terminou guindado à posição de tema da capa da revista. Refiro-me aqui a valor tanto em termos de informação nova sobre a pesquisa histórica, que nos ajuda a repensar as relações bilaterais citadas — mas, neste caso específico, também relações multilaterais que desafiavam o Brasil em seu esforço para constituir-se como uma nação moderna no começo do século XX —, quanto em termos do texto jornalístico, construído com notável coesão enquanto se aventura com segurança por múltiplas dimensões e facetas do tema enfocado. Assim, recomendo com insistência a leitura de todo esse fascinante material.

Aproveito de pronto a menção a relações bilaterais para destacar a reportagem do editor de política científica e tecnológica, Fabrício Marques, na página 32, sobre os dois novos satélites do país, um deles sino-brasileiro, que devem permitir uma cobertura completa da Terra em muito menos tempo do que o Cbers-2B hoje possibilita (cinco dias contra 26 dias), além de tornar mais eficaz o monitoramento da região amazônica. Para o satélite inteiramente brasileiro, o Amazônia-1, previsto para começar a operar em 2012 (o outro, o Cbers-3 está programado para 2011), está em discussão um acordo com o Reino Unido para que se possa integrar à sua carga uma câmera inglesa com resolução da ordem de 10 metros, que certamente contribuirá bastante para o aperfeiçoamento do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

A seção de ciência desta edição provocou algumas dúvidas sobre qual deveria ser sua reportagem de maior destaque: os achados do Instituto do Sono, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) da FAPESP, sobre os preocupantes males que atormentam o descanso noturno diário da população paulistana? Afinal, trata-se de uma avançada pesquisa epidemiológica de porte, pioneira no cruzamento de técnicas objetivas e levantamentos subjetivos destinados a informar como dormem os adultos em São Paulo, e que chegou ao espantoso percentual de 33% deles sofrendo da síndrome de apneia obstrutiva do sono. Ressalte-se que as médias internacionais desse problema variam de 2% a 8%. Vale conferir os detalhes na reportagem do editor especial Carlos Fioravanti. Em paralelo, os achados relatados na reportagem do editor de ciência, Ricardo Zorzetto, sobre um grande estudo internacional que trata do delicado tema do suicídio, ainda tabu em muitas sociedades contemporâneas, também merecem um olhar atento. A pesquisa foi feita por iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS), e a participação brasileira ficou por conta de um grupo liderado pelo psiquia­tra Neury Botega, professor da Universidade Esta­­­dual de Campinas (Unicamp). Entre as conclusões está a de que uma sessão de aconselhamento por um profissional de saúde mental, seguida de uma chamada telefônica a intervalos de poucas semanas, durante um ano e meio, bastou para reduzir em dez vezes a taxa de suicídio entre pessoas que já haviam tentado pôr fim à vida.

Por fim, destaco nesta edição a reportagem do editor de tecnologia, Marcos de Oliveira, baseada num estudo que pode soar curioso ou desnecessariamente escatológico para os pouco habituados ao tema, mas que é na verdade sério e relevante para um país que tem o maior rebanho bovino do mundo — cerca de 180 milhões de cabeças ­— e, ao mesmo tempo, está preocupado com a emissão de gases do efeito estufa na atmosfera. Os bovinos do Brasil, via eructação (arrotos, em linguagem coloquial), emitem estimados 8 milhões de toneladas de metano por ano e esse volume do gás, assegura a pesquisa abordada a partir da página 80, pode ser reduzido significativamente via mudanças nas pastagens.

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