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meteorologia

Inteligência artificial pode melhorar a previsão do tempo

Sistema GraphCast foi desenvolvido pela empresa Google DeepMind e está em fase de teste

Tela do modelo GraphCast com previsões de temperatura para a América do Sul

GraphCast

No telejornal, a previsão do tempo é anunciada num par de minutos e, no celular, lida em segundos. Essas projeções, entretanto, demoram horas para ser feitas por um supercomputador, que usa milhares de chips e consome muita energia. Um novo modelo baseado em aprendizado de máquina, desenvolvido pelo Google DeepMind, o braço de inteligência artificial (IA) do gigante da internet, quer agilizar essa tarefa e fornecer uma boa previsão meteorológica para todo o globo em menos de 1 minuto.

Segundo artigo publicado em novembro na revista Science, o grau de acerto das previsões do tempo para 10 dias fornecidos pelo GraphCast, o modelo do Google DeepMind, é, na maioria das vezes, superior à performance dos melhores serviços de meteorologia disponíveis.

O estudo comparou o desempenho do GraphCast com o modelo HRES, do European Centre for Medium-Range Weather Forecasts (ECMWF), uma referência do setor. O sistema do Google fez previsões para 1.380 variáveis do clima e, em mais de 90% dos casos, teve um desempenho superior ao do HRES. Confrontado com outro modelo meteorológico baseado em aprendizado de máquina, o Pangu-Weather, desenvolvido recentemente pela empresa chinesa Huawei, o GraphCast também se saiu melhor em 99% dos casos, de acordo com o artigo.

“Nossas análises revelaram que o Graph-Cast pode, da mesma forma, identificar eventos severos antes que os modelos tradicionais, apesar de não ter sido treinado para essa finalidade”, disse, em material de divulgação, o cientista da computação Rémi Lam, do Google DeepMind, autor principal do estudo.

O novo sistema de previsão meteorológica roda em nuvem, em máquinas que usam um chip desenvolvido pelo Google especificamente para tarefas que envolvam IA, o TPU v4. Diferentemente do HRES e de outros serviços tradicionais, que adotam a Previsão Numérica do Tempo, também chamada de modelo determinístico, o GraphCast usa IA para produzir suas projeções.

Na previsão numérica, são empregadas equações matemáticas complexas baseadas na física atmosférica para antever se, por exemplo, vai chover ou fazer sol durante a semana. O modelo do Google utiliza uma variante específica das técnicas de aprendizado de máquina conhecida como Redes Neurais de Grafos. Essa abordagem é útil para dados espacialmente distribuídos que mantêm relação entre si. Por esse enfoque, é como se a atmosfera da Terra tivesse sido envolta em uma malha retangular repleta de nós e arestas interligadas.

No aprendizado de máquina, um algoritmo analisa informações do passado a fim de estabelecer padrões e se tornar apto a fazer um prognóstico. O GraphCast foi treinado a partir de um banco de dados do ECMWF, que reúne uma série histórica com estatísticas sobre a atmosfera, os oceanos e a superfície da Terra. Informações meteorológicas de 1979 a 2017 foram usadas especificamente para ensinar o modelo do Google a fazer previsões.

GraphCast Tela do modelo GraphCast com previsão de chuva para a ÁfricaGraphCast

Para funcionar, o modelo baseado em IA precisa apenas de dois conjuntos iniciais de parâmetros: as condições meteorológicas atuais e as de seis horas atrás da Terra ao redor do mundo. Ele, então, prevê o tempo para daqui a seis horas. A partir desse resultado inicial, faz novas projeções sucessivas para as próximas seis horas até completar um período de 10 dias.

A área mínima do globo para a qual o GraphCast consegue fazer uma previsão específica equivale a um quadrado com 28 quilômetros (km) de lado. O HRES entrega projeções de 10 dias para uma extensão de terra com menos da metade dessa dimensão. Ainda assim, segundo o artigo, o GraphCast se sai melhor mesmo tendo menor resolução espacial que o HRES.

Nessas camadas, o modelo do Google foi mais eficiente em prever o tempo em quase 100% das análises. “Fizemos também um teste adicionando dados meteorológicos correspondentes a anos mais recentes e vimos que, quanto mais próximas da data atual, as previsões são de melhor qualidade”, afirma a matemática brasileira Meire Fortunato, do Google DeepMind, uma das autoras do artigo.

“É possível treinar o modelo para que ele possa rapidamente se adaptar às condições recentes de clima. A arquitetura atual ainda não incorporou essa funcionalidade, mas não é um avanço distante”, comenta Fortunato. Um possível viés da previsão feita por IA, reconhece a brasileira, é a possibilidade de o modelo funcionar melhor em localidades onde há mais dados atmosféricos disponíveis.

Para o meteorologista Luiz Augusto Machado, da Universidade de São Paulo (USP) e que não participou do estudo, a principal vantagem do GraphCast é o baixo custo. Enquanto para rodar HRES é preciso grande capacidade computacional, o GraphCast consegue gerar a previsão a partir de um serviço em nuvem barato. A hora de trabalho de um chip TPU v4 custa cerca de US$ 5. “No período de 7 a 10 dias, quando a qualidade do modelo determinístico começa a cair, acredito que o GraphCast possa dar respostas melhores”, diz Machado.

O artigo ainda sugere que o GraphCast foi mais preciso que o sistema europeu ao inferir variáveis relacionadas a ondas sazonais de calor ou frio. O meteorologista da USP faz ressalvas a essa propagada habilidade e à possibilidade de o modelo prever condições repentinas, como a ocorrência de chuvas intensas. “Com as mudanças climáticas, a norma climatológica está mudando”, comenta Machado. “Se a IA é treinada com dados do passado, acredito que teria dificuldades de prever essas alterações.”

Para o cientista da computação Rafael Santos, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a proposta do Google DeepMind é interessante, mas apresenta limitações. Embora o código do sistema seja aberto e possa ser usado por qualquer pessoa ou entidade, o GraphCast depende da computação em nuvem e de uma arquitetura de hardware proprietária da empresa para rodar. “Essa é uma característica do modelo de negócios da empresa. O GraphCast não é exatamente reprodutível no supercomputador do Inpe”, pondera Santos.

A equipe do Google DeepMind avalia que a tecnologia pode ser uma ferramenta complementar ao modelo determinístico. No site do ECMWF, podem ser consultadas previsões experimentais do tempo feitas por vários modelos meteorológicos baseados em IA, como o GraphCast, o Pangu-Weather e o AIFS, do próprio centro europeu. Um detalhe importante, no entanto, é lembrado por Machado: todos os grandes centros meteorológicos de referência ficam no hemisfério Norte, onde as equações que abastecem seus modelos foram desenvolvidas. “A região tropical tem uma qualidade de previsão meteorológica pior do que as localidades do Norte. O Brasil deveria se concentrar em minorar essa questão”, recomenda o meteorologista da USP.

Artigo científico
LAM, R. et al. Learning skillful medium-range global weather forecasting. Science. v. 382, n. 6677. 14 nov. 23.

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