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Genoma Câncer

Primeiros resultados

Já foram geradas 4.506 seqüências gênicas, das quais 818 nunca antes tinham sido identificadas

Apenas quatro meses após o seu lançamento, o Projeto Genoma Humano do Câncer, que tem como meta gerar entre 500 e 750 mil seqüências de genes (totalizando 200 milhões de pares de bases) a partir de material retirado dos tumores de maior incidência no País, começa a dar os primeiros resultados. De 26 de março, data de seu lançamento oficial, até 5 de agosto, as modernas máquinas seqüenciadoras de genes do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer de São Paulo, onde fica a coordenação geral do projeto, e dos outros cinco centros envolvidos na iniciativa (Instituto de Química da Universidade de São Paulo – USP, Faculdade de Medicina da USP, Universidade Estadual de Campinas – Unicamp e Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto) já tinham gerado 4.506 seqüências genéticas provenientes de amostras de cânceres de cabeça e pescoço, gástricos (do estômago) e do cólon intestinal.

A melhor notícia é que 818 (18,1% do total) dessas seqüências são novas, inéditas, ou seja, nunca antes tinham sido identificadas por nenhum outro projeto científico internacional dedicado ao seqüenciamento do genoma humano. Essa constatação encheu de entusiasmo os pesquisadores do Projeto Genoma Humano do Câncer, primeira iniciativa institucional brasileira e do Programa Genoma da FAPESP a trabalhar com o código genético de nossa espécie. Afinal, os resultados iniciais desse trabalho comprovam a eficácia da nova e revolucionária tecnologia de seqüenciamento genético – o chamado método ORESTES (em inglês, Open Reading Frames EST Sequences ), desenvolvido no Brasil – empregada no projeto, que se mostrou capaz de gerar informações novas num dos campos de pesquisas mais concorridos da atualidade.

“Os dados produzidos até agora são ótimos. Mas representam menos de 1% do nosso objetivo final. Ainda temos muito serviço pela frente”, diz o bioquímico Andrew Simpson, pesquisador do Instituto Ludwig de São Paulo, coordenador do Genoma Câncer e um dos criadores do ORESTES. O investimento em todo o Projeto Genoma Câncer é de US$10 milhões. Metade da verba sairá da FAPESP e a outra parcela, da matriz do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, instituição internacional sediada em Nova York e com filial na capital paulista. A patente do método ORESTES de seqüenciamento genético pertence ao instituto, que, no entanto, se comprometeu a repassar à FAPESP metade dos eventuais ganhos com os royalties referentes à comercialização dessa técnica.

O método ORESTES
Esse método permite seqüenciar a área central dos genes – região praticamente inacessível paras as técnicas tradicionais, que exploram basicamente as suas extremidades. A importância da porção central reside no fato de que é justamente ela a responsável pela codificação dos genes. Como apenas 3% do DNA codificam genes (os outros 97% seriam uma espécie de “lixo” do genoma humano), os pesquisadores brasileiros acreditam que, com o método ORESTES, vão conseguir ter acesso à parte do código da vida que realmente tem importância. Dentro dessa ótica, seria perda de tempo se dedicar ao seqüenciamento de 100% do genoma humano, como fazem muitos projetos de pesquisa no exterior, que acabam tendo um trabalho muito árduo e com pouco retorno em termos de dados realmente novos.

A grande maioria das novas seqüências geradas nos três primeiros meses do Genoma Câncer – 776 das 818 novas seqüências, para ser mais preciso – não apresenta nenhuma homologia, nem mesmo com trechos de genes anteriormente descritos em outros organismos. Portanto, trata-se de seqüências sobre as quais a ciência ainda não tem a menor idéia de qual possa ser o seu papel na formação e desenvolvimento de cânceres. Sua função ainda permanece um mistério completo e terá de ser desvendada por algum pesquisador no futuro.

Já no caso de um pequeno número dessas novas seqüências (28), há um bom indicador de qual possa ser sua função. Isso porque elas são homólogas a seqüências de genes já mapeados e estudados em outros seres vivos, como ratos, camundongos, levedura e drosófilas. Portanto, é bastante provável que apresentem uma função semelhante em humanos. Segundo o especialista em biologia molecular Emmanuel Dias Neto, bolsista de pós-doutorado da FAPESP e coordenador de bibliotecas do projeto, entre 1% e 2% de todas as seqüências geradas ao final do projeto devem ser novas seqüências humanas homólogas a seqüências já conhecidas de outros seres.

Comparando informações
Para saber se uma seqüência gerada pelo Genoma Câncer é nova ou não passa de repetição de uma estrutura genética já descoberta por outro cientista em algum projeto internacional que também estude o DNA humano, os pesquisadores brasileiros têm de comparar suas informações com todo o conjunto de seqüências da espécie disponível em bancos de dados públicos. Isso, logicamente, é feito com o auxílio de potentes softwares e é tarefa desempenhada pela coordenação de bioinformática do projeto.

Depois de verificar se se trata ou não de um fragmento de um novo gene da espécie humana, os pesquisadores comparam esse dado com informações disponíveis sobre o DNA de outros organismos. Foi procedendo dessa forma que os pesquisadores brasileiros do Genoma Câncer descobriram, por exemplo, que uma das novas seqüências geradas a partir de material coletado de um tumor de cabeça e pescoço era homóloga a um gene, de nome HYC , descrito em julho do ano passado em ratos. Como a ciência já sabe que, nos ratos, este gene está ligado ao desenvolvimento do sistema nervoso, é bastante provável que o HYC desempenhe o mesmo papel em humanos.

Nesses três primeiros meses de existência, o número de seqüências geradas pelo Genoma Câncer é pequeno, mas está dentro do cronograma de evolução de produtividade do projeto. Os pesquisadores dizem que já era esperado um ritmo mais lento de produção de seqüências na etapa inicial dos trabalhos. Apesar de alguns passos empregados na nova tecnologia já haverem sido usados no projeto de seqüenciamento da Xylella fastidiosa (bactéria causadora da praga do amarelinho que afeta os laranjais), este projeto surge com diversas inovações tecnológicas, que vão desde o uso de uma técnica inédita de geração de ESTs (o método OESTES) até o uso de seqüenciadores de DNA de nova geração, baseados na tecnologia capilar.

Daí a aparente lentidão nafase inicial do Genoma Câncer. Afinal, está se trabalhando com material genético do ser humano, um organismo mil vezes mais complexo do que uma bactéria. Além disso, foi necessário um tempo de adaptação dos laboratórios às novas máquinas seqüenciadoras de última geração, o MegaBace, mais avançadas do que os aparelhos usados na Xylella . Cada um dos centros de seqüenciamento conta com o apoio de mais quatro laboratórios ou grupos de pesquisa.

Entrando no ritmo
Nem todos esses laboratórios são os mesmos que participaram do projeto da Xylella . Mas toda a estrutura usada no Genoma Câncer – com a coordenação dos trabalhos centrada no Instituto Ludwig e o apoio de cinco centros de seqüenciamento, contando cada um deles com a ajuda de quatro laboratórios de seqüenciamento – coloca em ação novamente a rede virtual de laboratórios do Estado de São Paulo, chamada de Onsa (Organização para Análise e Seqüenciamento de Nucleotídeos).

A partir de agosto, os trabalhos de seqüenciamento devem se acelerar. “Nesse mês, cada centro deve gerar 2 mil seqüências. Ao final do primeiro ano de trabalho, nossa meta é que cada centro tenha gerado 50 mil seqüências ao longo desse período”, diz Emmanuel Dias Neto. Durante o segundo ano do projeto, estima-se que cada centro atingirá sua “velocidade de cruzeiro” e deverá estabilizar sua capacidade de produção, gerando mensalmente 6. 000 seqüências. “Nós vamos terminar o projeto dentro do prazo”, garante Andrew Simpson.

Como todo o conhecimento que vai ser produzido durante os dois anos de duração do projeto, os resultados iniciais do Genoma Câncer já estão sendo repassados para bancos de dados públicos. É fundamental o compartilhamento de todos os dados gerados pelas pesquisas com grupos internacionais, pois há empresas privadas que também estão se dedicando a mapear o Genoma Humano. O problema é que essas companhias querem simplesmente patentear o maior o número de genes possível para, mais tarde, lucrar com a possível exploração comercial desse conhecimento.

Para que o livre exercício da pesquisa genética possa se dar no futuro, é fundamental que projetos como o Genoma Câncer, que tem o compromisso de abrir todos os seus resultados à comunidade científica internacional, sejam estimulados e gerem resultados. Os cientistas esperam que o avanço do mapeamento do código genético humano forneça novos dados que possibilitem o progresso nas pesquisas destinadas a decifrar a origem das doenças e desenvolver formas de prevenção e cura das moléstias. No caso do Genoma Câncer, como o próprio nome sugere, o objetivo é gerar informação genética relevante sobre os tipos de tumores que mais acometem a população brasileira – um trabalho com um fim bastante específico, que dificilmente poderia ser feito no exterior.

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