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Ecologia

Prioridades de Minas

Atlas indica 105 áreas de alta riqueza biológica como alvo de pesquisas e conservação

Mais parecido com um pequeno urso que vive pendurado nas árvores, o macaco-da-noite reapareceu em Minas Gerais, entre as árvores de um trecho de Mata Atlântica, na divisa com o Rio de Janeiro. Também chamada de jupará ou de Potos flavus, essa espécie havia permanecido quase 60 anos no completo anonimato, sob o risco de desaparecimento, motivado pela caça: sua carne é bastante apreciada. Boas notícias como essa, ao lado de outras nem tão boas, marcam a segunda edição do Atlas da biodiversidade de Minas Gerais, coordenado por duas organizações não-governamentais, a Fundação Biodiversitas e a Conservação Internacional.

Patrocinada pela Companhia Vale do Rio Doce, a obra leva à principal conclusão: pouco se avançou em termos de conservação ambiental desde 1998, quando saiu a primeira edição. A destruição dos ambientes naturais, alimentada pela expansão das cidades, da agropecuária, da mineração e do turismo, ainda faz parte do cotidiano dos mineiros. Diante dessa situação, a Biodiversitas propõe a ampliação do número de áreas consideradas prioritárias para conservação: das 86 listadas no primeiro Atlas para 105.

Definidos pelo tamanho ou grau de conservação das áreas e pela ocorrência de espécies endêmicas (exclusivas) ou ameaçadas de extinção, esses espaços correspondem a cerca de 20% da área do estado, o equivalente a pelo menos o dobro da área já protegida em unidades de conservação, que cobrem quase 8% do território de Minas. Situados às vezes dentro de fazendas ou próximos a cidades, representam os remanescentes de Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga, os grandes ecossistemas de Minas.

Manter essas áreas com a menor intervenção humana possível significa preservar espécies ameaçadas de extinção, como os macacos muriquis (Brachyteles hypoxanthus), o maior primata do Brasil, típico da Mata Atlântica. Há espécies endêmicas mesmo nos arredores das cidades, como a libélula Aeshna eduardoi , de abdômen com manchas azuis e tórax com faixas amarelas, encontrada no Morro do Ferro, em Poços de Caldas, e no Parque Estadual do Rola-Moça, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

No Cerrado, é cada vez mais difícil encontrar o pato-mergulhão (Mergus octosetaceus), ave de bico longo e fino que vive nas águas limpas da Serra da Canastra, a arara-azul grande (Anodorhynchus hyacinthinus), de até 1 metro de comprimento, ou a abelha-uruçu (Melipona rufiventris ), vítima do desmatamento e da exploração exagerada do mel. Entre as árvores com risco de desaparecer estão o jacarandá-da-baía (Dalbergia nigra), na Mata Atlântica e na Caatinga, pressionadas pela agricultura de subsistência e a pecuária extensiva, a aroeira-do-sertão (Myracrodruon urundeuwa) e a embaré (Cavanillesia arbórea).

Resultado do trabalho de 197 especialistas de 56 instituições de pesquisa, o Atlas classifica as áreas prioritárias em quatro grupos, de acordo com a riqueza biológica. Há 16 áreas especiais, de beleza ou importância sem equivalentes, como o Vale do Peruaçu, a norte de Minas, com cavernas de interesse arqueológico, a Serra da Mantiqueira, remanescente da Mata Atlântica ao sul, e a Área Peter Lund, de interesse paleontológico.

Outras 35 são classificadas de extrema importância, com alta incidência de espécies de animais e vegetais em ameaça de extinção – a exemplo da região do Cariri, a norte, onde vivem o muriqui e anfíbios raros. Há também 36 de importância muito alta e 18 de alta relevância, como o rio São Francisco e seus principais afluentes, cercados por pecuária, siderurgia e agricultura.

Há uma perspectiva de que esses espaços mais delicados sejam levados a sério nas políticas públicas: o Conselho de Política Ambiental (Copam) incorporou o Atlas à legislação ambiental oficial de Minas Gerais. “Na prática”, comenta Yasmine Antonini, consultora da fundação, “o Atlas tornou-se um instrumento cujas recomendações podem nortear, por exemplo, a análise de projetos de empresas que possam trazer impactos negativos ao ambiente.”

Onicóforos
Elaborado com apoio da Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais e da unidade estadual do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o Atlas reflete os ganhos do conhecimento científico acumulado em cinco anos. O Parque Nacional das Cavernas do Peruaçu, classificado há cinco anos como de importância potencial, já que não se conhecia ao certo sua riqueza biológica, é hoje visto como de extrema importância, em conseqüência de pesquisas realizadas nesse tempo. No Cerrado de Peruaçu vivem espécies ameaçadas de desaparecimento, a exemplo do lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), da onça-pintada (Panthera onca) e do veado-catingueiro (Mazama gouazoubira). O Atlas expressa também o quanto Minas ainda tem para contar.

A região de Novo Oriente de Minas, nordeste do estado, próxima ao município de Teófilo Otoni, por exemplo, ingressou na lista de prioridades por abrigar uma caverna de granito com espécies raras e pouco estudadas, como o onicóforo, espécie de lesma com patas, aparentada do Peripatus acacioi, um raro animal de corpo alongado e pele úmida, situado na transição entre minhoca e inseto. Já as áreas das bacias dos rios Araguari, a oeste do estado, e do Alto Rio Grande, ao sul, não são mais prioritárias, como em 1998: elas simplesmente desapareceram, cobertas pelas águas das represas formadas por hidrelétricas. “Foram impactos irreversíveis”, lamenta Yasmine.

O Projeto
Atlas para Conservação da Biodiversidade do Estado de Minas Gerais; Coordenadores Gláucia Moreira Drummond e Cássio Soares Martins – Biodiversitas; Investimento R$ 300.000,00

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