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Cientometria

Produção científica brasileira cai pela primeira vez desde 1996

Número recorde de países registrou queda na publicação de artigos no ano passado, indica relatório; Brasil e Ucrânia lideram a lista

Queda inédita na produção científica brasileira está relacionada com os impactos da pandemia e cortes orçamentários

Léo Ramos Chaves/Revista Pesquisa FAPESP

Relatório da editora científica Elsevier e da Agência Bori divulgado nesta segunda-feira (24/7) mostra que a produção científica mundial aumentou 6,1% em 2022, em comparação com o ano anterior. No entanto, 23 países registraram queda na quantidade de artigos publicados, o que representa o número mais alto desde 2002, quando 20 nações observaram uma diminuição em sua produção. O Brasil teve a maior redução na publicação de artigos científicos do período, com um total de 74,5 mil títulos, o que representa um decréscimo de 7,4%, no último ano. A área de ciências agrárias foi a que sofreu o maior impacto, diminuindo sua produção em 13,7%.

Segundo o documento, de 1996 a 2021, o número de artigos publicados com autores do Brasil aumentou a cada ano. Em 2020, foi detectada uma desaceleração no ritmo de crescimento até que, dois anos mais tarde, a produção científica nacional registrou sua primeira queda. Porém, mesmo com o desempenho negativo do último período, o Brasil permaneceu em 14º lugar no ranking mundial de publicação de artigos. O relatório indica, ainda, que de 2018 a 2022, cerca de 367 mil artigos científicos foram publicados por autores no Brasil, sendo a maioria na área de ciências da natureza, ciências médicas e engenharias e tecnologias, seguidas por ciências agrárias, ciências sociais e humanidades.

“A hipótese que consideramos mais provável no momento é a de que o decréscimo de 2021 para 2022 ocorreu por causa de efeitos da pandemia, como os cortes de verbas, a indisponibilidade de recursos laboratoriais e insumos, os lockdowns e as restrições de deslocamento”, afirmou, por e-mail, Dante Cid, vice-presidente de relações acadêmicas da Elsevier para a América Latina. Segundo ele, análise anterior realizada pela Elsevier durante a pandemia constatou que as pesquisadoras estavam sendo mais afetadas do que os colegas homens durante os períodos de confinamento porque se desdobravam em múltiplas tarefas, como cuidados com os filhos. “Essa situação se ampliou e acabou por impactar todos os pesquisadores, resultando no panorama descrito pelo relatório”, comenta Cid.

Brasil e Ucrânia foram as nações com maiores perdas na produção científica dentre os países analisados pelo relatório. “Os dados do documento mostram que a ciência brasileira recebeu um nocaute. A produção de outros países também caiu, mas o Brasil levou um tombo, apresentando desempenho pior do que a Ucrânia, país que está em guerra com a Rússia desde o começo de 2022”, avalia o cientometrista Estêvão Gamba, cientista de dados da Agência Bori. Segundo Gamba, a queda da produção científica brasileira está relacionada com os cortes orçamentários de recursos públicos para pesquisas feitos nos últimos anos, que afetaram especialmente instituições federais.

Alexandre Affonso/Revista Pesquisa FAPESP

Apesar dos números negativos, o relatório enfatiza que é preciso levar em conta outros fatores para analisar a produção científica e tecnológica de um país, entre eles a formação de estudantes, a quantidade de patentes, as citações em trabalhos científicos e a formulação de documentos para embasar políticas públicas. Nos próximos meses, a Elsevier pretende desenvolver levantamentos para avaliar esses outros indicadores.

Em relação a nações com desempenho positivo, a Índia teve mais de 177 mil artigos publicados em 2022 – um aumento de 19% que supera a produção do Reino Unido pela primeira vez. Com isso, tornou-se o terceiro país com mais publicações em todo o mundo, precedido apenas pelos Estados Unidos e a China, que está em primeiro lugar. Além disso, Iraque, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e China registraram avanços de mais de 20% de 2021 para 2022 na publicação de artigos científicos.

O relatório “2022: Um ano de queda na produção científica para 23 países, inclusive o Brasil” foi produzido a partir de dados coletados na base Scopus/Elsevier. Todos os países que publicaram mais de 10 mil artigos científicos em 2021 fizeram parte da análise, totalizando 51 nações. No Brasil, o levantamento cobriu, também, a quantidade de publicações em universidades e centros de pesquisa que tiveram mais de mil artigos científicos editados em 2021, totalizando 35 instituições.

Com exceção da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), o documento indica que todas elas registraram queda na produção científica entre 2021 e 2022. Nesse sentido, Gamba destaca que, das 35 instituições com perdas de produção, 29 são federais, sendo que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) foram as mais afetadas. “Ambas são centradas em pesquisas em ciências agrárias, área mais impactada pela queda da produção científica nacional”, observa. Nos cálculos, o relatório utilizou a ferramenta analítica SciVal para acessar a base de dados Scopus, que abarca cerca de 85 milhões de publicações editadas por mais de 7 mil editoras científicas do mundo.

Abel Packer, coordenador da biblioteca de revistas de acesso aberto SciELO Brasil, explica que de 2019 a 2022 foram publicados, respectivamente, 21.223, 22.312. 22.268 e 21.204 artigos. “Ou seja, tivemos um aumento de 5% em 2020, mantendo o valor em 2021, seguido de queda de 5% em 2022, quando retomamos o nível de 2019”, observa. Segundo ele, as submissões aumentaram de 90 mil para 110 mil em 2020, ano em que a reclusão social foi mais intensa. “Logo, entretanto, as submissões caíram em relação a 2020, para 92,5 mil em 2021 e 78 mil em 2022, o que refletiu na produção de 2022 e vai impactar a de 2023”, projeta. Packer comenta, ainda que os periódicos que apresentaram maior queda são os de ciências agrárias e físicas. “A pandemia teve um papel determinante, primeiro, no aumento da produção científica. Isso pode ter contribuído para a comunicação de pesquisas passadas ou em curso e, logo, na queda, a produção deve ter sido impactada por causa de dificuldades enfrentadas por programas de pós-graduação”, finaliza.

A edição impressa de setembro traz uma versão ampliada desta reportagem.

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