IMAGEM POLI/USPEm alto-mar, os movimentos causados pela ação das ondas podem se tornar um dos grandes inimigos das plataformas que extraem petróleo a milhares de metros de profundidade, em águas profundas e ultraprofundas. É possível verificar esse fenômeno na bacia de Campos, o maior campo petrolífero brasileiro, onde as ondas do oceano Atlântico são suficientes para balançar em demasia as plataformas petrolíferas, por maiores que sejam.
Esse balanço é desagradável tanto para a estabilidade do sistema como para a segurança dos trabalhadores que vivem em alto-mar. As peculiaridades oceanográficas das águas do litoral brasileiro, onde estão alguns dos maiores campos petrolíferos em grandes profundidades do mundo, levaram os pesquisadores do Departamento de Engenharia Oceânica e Naval da Escola Politécnica (Poli) da Universidade de São Paulo (USP) a um projeto de plataforma inovador. O novo e surpreendente desenho para sustentar uma planta de produção de petróleo é formado por uma única coluna, e não por várias, como nas plataformas semi-submersíveis.
“Todas as simulações feitas no inédito sistema monocoluna mostraram que os ganhos com movimento, estabilidade e segurança são grandes”, afirma o engenheiro naval Daniel Cueva, da equipe do professor Kazuo Nishimoto, da Poli, coordenador da pesquisa realizada em parceria com a Petrobras no âmbito do Centro de Excelência em Engenharia Naval e Oceânica, formado pela USP, Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Petrobras (Cenpes). Segundo o pesquisador, o projeto de construir a plataforma com uma coluna única já resultou em um pedido de patente, por parte da Petrobras, nos Estados Unidos. Em dois anos, a empresa investiu R$ 1,2 milhão no projeto.
O desenvolvimento tecnológico consiste na criação de uma plataforma do tipo flutuante, sem compartimentos para o armazenamento de óleo. Ela é uma opção para as convencionais plataformas semi-submersíveis, bastante utilizadas no mundo todo. Dentro da categoria das unidades flutuantes, a Petrobras conta ainda com os navios FPSO (floating, production, storage and offloading ou flutuação, produção, armazenamento e descarregamento). Em outra família estão as plataformas chamadas de jaqueta, fixadas diretamente no fundo oceânico.
“A MonoBR (como está sendo chamado o novo projeto de plataforma) vai na direção dos objetivos da Petrobras de investir em alternativas consistentes para cascos de unidades flutuantes de produção de grande porte, que tenham como premissa maior segurança e melhores características operacionais”, explica Isaías Quaresma Masetti, engenheiro do Cenpes responsável pelo projeto.
Segundo a equipe técnica, a plataforma monocolunajá passou por todos os rigorosos vestibulares de viabilidade técnica e econômica aos quais um projeto como esse é submetido no âmbito interno da Petrobras. Um dos problemas fundamentais que a MonoBR conseguiu resolver foi diminuir as amplitudes dos movimentos da unidade devido à ação das ondas, o que propicia maior flexibilidade operacional ao sistema.Após todas as avaliações realizadas durante o período de desenvolvimento, o novo conceito foi validado e agora está na lista de alternativas disponíveis.
Quando nova licitação for aberta, e as escolhas das unidades forem determinadas com base nas necessidades de segurança, de operação e de custos, a monocoluna já pode ser uma das escolhidas. O vencedor da licitação não tem o poder de vetar ou alterar a escolha tecnológica prévia feita pela empresa. “Explorar petróleo em 3 mil metros de profundidade de água é, em todos os aspectos, uma atividade inovadora e requer muita ousadia técnica, além de responsabilidade”, afirma Masetti.
A linha de raciocínio científico do projeto da monocoluna partiu de discussões que envolveram conceitos básicos de engenharia naval, alinhados a algumas adaptações de estruturas utilizadas com freqüência pela indústria do petróleo mundial, mas em uma função diferente. Segundo os engenheiros envolvidos com o projeto, a localização desses campos no oceano Atlântico, a mais de 1,5 mil metros de profundidade, é uma das grandes dificuldades para a prospecção de petróleo. O impacto das oscilações não é sentido apenas na altura da superfície, mas também nos dutos que carregam o óleo da cabeça do poço para a unidade.
“Hoje, para grandes profundidades, a utilização de dutos rígidos de aço, chamados de steel catenary risers (SCRs), passou a ser um dos grandes objetivos”, explica Marcos Cueva, primo de Daniel e também aluno de doutorado de Nishimoto. Segundo o engenheiro, os tubos flexíveis, chamados de risers flexíveis, estão sendo preteridos devido a algumas limitações tecnológicas para profundidades superiores a 1,5 mil metros e por seu custo superior quando comparados com os rígidos.
“O grande problema dos dutos rígidos é que eles ficam sujeitos não só aos efeitos da correnteza do fundo do mar, mas também às oscilações da unidade flutuante. Se a plataforma lá em cima também estiver oscilando muito, começamos a ter problemas relacionados à fadiga dos dutos, fato que não aparece nos flexíveis devido à natureza dos materiais usados”, explica Daniel Cueva.
Para permitir que o sistema se mantivesse dentro dos níveis aceitáveis de movimento, os projetistas resolveram adaptar um sistema conhecido dos projetistas do setor, mas que nunca havia sido usado para essa finalidade. “O ‘moonpool’, uma espécie de abertura instalada no casco da plataforma, é bastante utilizado em embarcações para permitir o acesso de equipamentos de perfuração ao fundo do mar”, explica Marcos. “Resolvemos usá-lo como forma de diminuir a amplitude dos movimentos verticais.”
O trabalho de pesquisa e simulação de projetos como o dessa plataforma tornou-se mais próximo da realidade desde que o chamado tanque de provas numéricas (TPN) foi inaugurado na USP. Além dos tanques físicos, como é o caso do que existe no IPT e o da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (Coppe), no Rio de Janeiro, um conjunto de 120 computadores e uma tela de projeção tridimensional operam em sintonia fina para oferecer aos cientistas condições bastante próximas da realidade.
A simulação feita no TPN permite aos engenheirosfazer observações de todos os ângulos da plataforma. E, inclusive, descer a mais de 1,5 mil metros de profundidade para analisar se os SCRs estão, ou não, oscilando mais que o permitido. “A fadiga nesses materiais é sempre uma preocupação”, informa Daniel. Com base nessa e em outras ferramentas computacionais exclusivas, desenvolvidas em função das necessidades do projeto de desenvolvimento da plataforma, os cientistas conseguem afirmar que a MonoBR, por exemplo, tem níveis elevados de segurança.
“Fizemos testes em que até um quarto do volume da unidade foi alagado, e a plataforma não afundou”, afirma Marcos.A MonoBR não nasceu apenas a partir de testes virtuais. O protótipo já entrou no tanque paulista do IPT e neste mês de junho vai estrear no Rio de Janeiro. Serão quatro semanas de testes em que a MonoBR será observada no tanque da Coppe, que é um dos maiores em operação no mundo e ideal para o estudo de plataformas. Ele tem 40 metros de comprimento por 30 metros de largura e 15 metros de profundidade. “Se usarmos um protótipo na escala de 1/100, por exemplo, vamos conseguir observá-lo em uma profundidade de 1,5 mil metros”, explica Daniel.
O processo de desenvolvimento, segundo os pesquisadores, tem grande importância acadêmica pela maneira como evoluiu dentro da universidade, integrado com as empresas de projetos de plataformas. “Nós fizemos algo que pode ser chamado de projeto conceitual avançado”, explica Daniel. Normalmente, projetos acadêmicos como esse ficam apenas na fase conceitual. “Eles não entram na fase do chamado projeto básico e muito menos nos detalhamentos, que só ocorrem próximo ao processo de licitação.”
No caso da plataforma projetada para a Petrobras, os números que constam dos estudos realizados na USP dão a dimensão exata dos desafios da extração de petróleo das profundezas do oceano. “O nosso projeto prevê a exploração de petróleo a 1,8 mil metros de profundidade. O peso da MonoBR previsto é de 135 mil toneladas e a largura do casco, por exemplo, é de 95 metros”, diz Daniel. O preço estimado da plataforma monocoluna é de US$ 500 milhões a US$ 700 milhões, valor bem mais baixo que o das comerciais.
Várias pequenas inovações tecnológicas estão previstas no desenho final. “Essa plataforma tem, por exemplo, o que podemos chamar de simetrias geométricas. Isso facilita muito a construção e as inspeções de pontos críticos da estrutura”, relata Marcos. Os pesquisadores explicam que as dimensões de uma plataforma desse porte não estão relacionadas apenas com as grandes profundidades. Por causa das características do petróleo brasileiro, de alta viscosidade, a planta de produção precisa aumentar para dar espaço aos robustos equipamentos de extração e de produção. O convés, nesse caso, tem sempre que suportar altas cargas.
Do ponto de vista conceitual, as condições hidrodinâmicas (movimento das ondas e das correntes marítimas) do mar brasileiro podem ser consideradas as grandes responsáveis pelo desenvolvimento da plataforma de coluna única capaz de suportar essas condições com mais flexibilidade.
Os pesquisadores brasileiros, portanto, escolheram um caminho único devido às diferenças ambientais de cada região. No mar do Norte, na Europa, por exemplo, as condições de ondas, correnteza, vento e profundidade são diferentes. Segundo Daniel, a discussão sobre uma coluna única é recente. “Tudo começou no início dos anos 1990. Japoneses, noruegueses e norte-americanos também estão pensando nisso, mas o único projeto realmente adaptado para o Brasil é o nosso.”
Republicar