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carta da editora | 319

Promessas ao vento

Os cigarros eletrônicos chegaram ao mercado com a promessa de ajudar fumantes a deixar o vício do tabaco. Mas a diversidade de aromas e formatos – na linha dos gadgets eletrônicos cobiçados pela juventude – não remete a tratamento, assim como as lojas coloridas e chamativas em países que permitem sua venda não trazem à mente representantes da indústria farmacêutica que visitam consultórios médicos oferecendo seu produto.

No Brasil, que em julho manteve a proibição da importação e comercialização desses dispositivos, o público consumidor principal é composto justamente por jovens. Investigação do Inca verificou que 80% das pessoas que já consumiram cigarros eletrônicos nas 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal têm entre 18 e 34 anos. E mais da metade dos indivíduos que experimentaram um desses dispositivos eletrônicos nunca havia fumado um cigarro convencional.

Os inúmeros efeitos nocivos do tabagismo são amplamente difundidos, enquanto os problemas de saúde acarretados pelos cigarros eletrônicos vão emergindo à medida que pesquisas são feitas, como mostra reportagem de capa desta edição. O Brasil é reconhecido por vigorosas e bem-sucedidas políticas públicas antitabagistas, com população fumante em queda há décadas. Diante do conhecimento atual, espera-se a manutenção da posição restritiva aos chamados vapes, que, ao atuar na porta de entrada do vício, e não de saída, são mais uma demonstração da capacidade da indústria tabagista de se reinventar.

Políticas públicas brasileiras na área da saúde são tema de reportagem sobre a iminente obrigatoriedade de rótulos frontais em alimentos indicando a concentração elevada de açúcares adicionados, gorduras saturadas e sódio, cujo consumo excessivo está associado a doenças crônicas. No Chile, que implementou medida semelhante, relacionada a restrições publicitárias e à proibição da venda desses produtos em escolas, estudo mostra que as famílias reduziram a compra desses alimentos, mas sem que as medidas afetassem significativamente o desempenho econômico das empresas do setor.

Na sequência da edição especial sobre o bicentenário da Independência – para quem perdeu, veja em bit.ly/igEspecialBR200Anos –, a revista traz um personagem central na historiografia brasileira sobre o período: José Bonifácio de Andrada e Silva. Dedicado funcionário público da Coroa portuguesa e naturalista, o brasileiro tornou-se político tardiamente, desempenhando o papel de artífice da Independência, como ministro do novo Estado, e concebendo um amplo projeto nacional para o país. Suas ideias, avançadas para a época, incluíam a abolição do regime escravista e a reforma do sistema fundiário associada a um programa de miscigenação. Bonifácio propôs que o governo adquirisse terras ociosas para distribuição entre indígenas e negros, que seriam mais produtivas do que latifúndios movidos a mão de obra cativa. O complexo personagem é objeto de novas interpretações, impulsionadas por documentos descobertos em arquivos.

Por último, um tema central de Pesquisa FAPESP, que se propõe a reportar o mundo da pesquisa científica em linguagem compreensível e atraente. Estudos mostram que a ciência tem falhado na comunicação de seus resultados, publicando artigos cada vez mais complexos e cifrados, abusando de frases longas, siglas e jargões. Papers indecifráveis dificultam o avanço da ciência e o próprio jornalismo científico.

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