Pagar taxas para que proprietários em zonas rurais preservem uma porção maior de terras do que é obrigatório por lei parece ser uma forma viável de evitar a perda de serviços prestados pela mata atlântica, como impedir a disseminação de pragas e garantir a qualidade das águas. É o que indica um estudo publicado na edição desta semana da revista Science, liderado pela bióloga brasileira Cristina Banks-Leite, professora do Imperial College de Londres, na Inglaterra, e professora visitante na Universidade de São Paulo (USP).
“O pagamento por serviços ambientais está em andamento no Brasil”, conta a pesquisadora. Mas isso costuma acontecer em escala mais local, por iniciativa de organizações não governamentais (ONGs) e de municípios. Sua proposta é ampliar essa iniciativa para a escala nacional, em que o governo faria um programa para selecionar áreas prioritárias e propor pagamentos aos proprietários. Não custaria caro: de acordo com o estudo, o investimento para se atingir 30% de cobertura vegetal em 37 mil áreas prioritárias ao longo de toda a mata atlântica custaria, por ano, cerca de 445 milhões de reais. Isso representa menos de 0,01% do PIB anual brasileiro, ou 6,5% do que é pago em subsídios agrícolas. Segundo os pesquisadores, a área extra alocada à floresta causaria um prejuízo pequeno à produtividade (0,61% do PIB agrícola produzido nesses municípios) e nem afetaria, de fato, os ganhos dos agricultores, já que estariam recebendo pagamento por seu empenho na manutenção do ecossistema, com o benefício de assegurar a preservação desse hotspot de biodiversidade em que muitas espécies estão em risco de extinção.
Os números partem de projetos de longo prazo dos biólogos Jean Paul Metzger e Renata Pardini, da USP, que avaliaram os efeitos da fragmentação da mata atlântica paulista na diversidade de anfíbios, aves e mamíferos. O estudo de uma das áreas foi o doutorado de Cristina, concluído em 2009 sob orientação de Metzger. Os resultados indicam que é preciso preservar pelo menos 30% da floresta para que seja mantida a integridade das comunidades de vertebrados essenciais ao funcionamento do ecossistema. O Código Florestal exige que a vegetação nativa seja mantida em 20% de cada propriedade, de maneira que seria necessário ampliar essa área sem utilização agropecuária por meio de pagamentos. Segundo Cristina, uma das perguntas iniciais do projeto era avaliar o mínimo de mata necessária para manter a floresta. “Até agora ninguém tinha conseguido um resultado consistente”, afirma a pesquisadora. Para se aprofundar nas análises ecológicas, ela sentiu falta de mais conhecimento matemático e está cursando uma graduação à distância na área, pela Open University. Com essa visão, ela trouxe o olhar econômico para o artigo publicado na Science.
A partir dos dados sobre a fauna de vertebrados residente no estado de São Paulo, os pesquisadores ampliaram a estimativa para a mata atlântica inteira seguindo princípios ancorados na realidade. “Não podemos delimitar uma porção da avenida Paulista e dizer que ali precisa ser floresta”, brinca Cristina. A piada é séria, afinal, as maiores cidades brasileiras foram erguidas em plena mata atlântica. As 37 mil áreas prioritárias selecionadas pelo grupo são, na verdade, propriedades rurais em que os donos já seguem a lei e mantêm 20% da área preservada. “Já há uma certa quantidade de animais e plantas vivendo ali, de maneira que a recuperação seria mais simples.” De acordo com a conta feita pelo grupo, seria necessário restaurar 424 mil hectares para chegar ao objetivo de 30% de cobertura nessas áreas. A proporção do PIB que estimam ser o custo, menos de 0,01%, vale só para os primeiros três anos, quando parte da floresta precisaria passar por medidas de recuperação ativa. Depois disso, o custo deveria cair para 0,0026% do PIB.
Essa é uma visão de conservação mais voltada à prática, que se concentra em evitar que se percam serviços ecossistêmicos que de fato melhoram a vida das pessoas que moram no entorno. “Não tem a ver com a perda de espécies: algumas vão ser perdidas, outras, mais generalistas, aparecerão”, diz Cristina. Ela acredita que o trabalho seja um primeiro passo importante no sentido de pôr em prática a sua proposta. “Existe agora um interesse do Ministério do Meio Ambiente, além das secretarias correspondentes em alguns estados e de ONGs, mas faltava ter um valor e dizer quanto e onde preservar.” Segundo ela, o dinheiro existe, o momento é propício e os contatos que o grupo tem no governo indicam que a iniciativa é viável.
Artigo científico
BANKS-LEITE, C. et al. Using ecological thresholds to evaluate the costs and benefits of set-asides in a biodiversity hotspot. Science, v. 345, n. 6200, 29 ago 2014.
Projetos
1. Conservação da biodiversidade em paisagens fragmentadas no Planalto Atlântico de São Paulo (nº 1999/05123-4); Modalidade Projeto Temático – Biota; Pesquisador responsável Jean Paul Metzger (USP); Investimento R$ 752.621,55
2. Diversidade de mamíferos em paisagens fragmentadas no planalto atlântico de São Paulo (nº 2005/56555-4); Modalidade Jovem Pesquisador; Pesquisadora responsável Renata Pardini (USP); Investimento R$ 264.307,22